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Category Archives: Dos Santos e Santas

Conversas fraternais entre são Bonifácio e a abadessa Bugga

13 Segunda-feira Jan 2014

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas

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Abadessa Bugga, Alta Idade Média, Cartas religiosas, Germânia, Gregório II, História da Igreja, Mosteiros medievais, São Bonifácio, Século VIII

São Bonifácio foi um monge, bispo e mártir inglês, nascido em 675. Entrou para o mosteiro de Betlex, mas depois foi pregar aos anglo-saxões da Germânia por ordem de Gregório II. Nas cartas a seguir, há conversas de S. Bonifácio com sua amiga Bugga, uma abadessa de Kent, aparentada do rei Ethelbert. É possível perceber nelas, entre outras coisas, a amplitude das redes de relações da aristocracia cristã que costuravam a Europa medieval. Bonifácio foi martirizado em 754, e Bugga morreu entre 759 e 765.

I . Carta de Bugga para Bonifácio, c. 720

A Bonifácio ou Winfred, venerável servo de Deus, dotado com muitos símbolos de dádivas espirituais, digníssimo sacerdote de Deus, Bugga, uma humilde dona de casa, manda saudações de afeto duradouro.

Seja sabido à Vossa graciosa autoridade que eu dou graças sem cessar a Deus Onipotente, pois, como eu soube pela carta de Vossa Santidade, Ele mostrou Sua misericórdia a vós de muitas maneiras, guiando-vos gentilmente através de terras desconhecidas. Primeiramente Ele dispôs o pontífice da Gloriosa Sé a garantir o desejo de vosso coração. Depois, Ele prostrou diante de vós Rathbod, aquele inimigo da Igreja Católica. Após isso, ele revelou a vós em sonho que era vosso dever ceifar a colheita de Deus, reunindo feixes de almas santas no celeiro do reino celestial. Portanto estou muitíssimo confiante de que nenhuma mudança nas condições terrenas poderá afastar-me do abrigo cuidadoso de vosso afeto. O poder do amor cresce aconchegantemente dentro de mim ao perceber que através do auxílio das vossas orações eu alcancei do céu certa paz. E então eu humildemente imploro vos imploro outra vez que possais agradavelmente oferecer a Deus sua valiosíssima intercessão por mim, indigna, para que a Sua graça possa me preservar do mal através da vossa proteção.

Saiba também que o [livro] Sofrimentos dos Mártires que vós pedistes para que vos enviasse ainda não o pude conseguir, mas tão logo o puder vou enviá-lo. E vós, caríssimo, confortai minha insignificância mandando-me, como prometestes na sua querida carta, uma coleção de escritos sagrados.

Imploro também que ofereças algumas santas Missas pela alma de um parente meu que era o mais caro de todos para mim e cujo nome era N.

Estou lhe enviando através deste mesmo mensageiro cinquenta ‘solidi’ e um pano de altar, o melhor que pude fazer. Estas pequenas coisas, eu as mando com grande afeição.

Adeus neste mundo e “com amor sem fingimentos”.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.27; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.34-5. Reprinted by permission of the publisher.

II. Carta de Bonifácio para Bugga, 732-54

À sua venerável e amantíssima irmã, Bugga, Bonifácio também chamado Winfred manda sinceras saudações no amor de Cristo.

Uma vez que estejamos a tanto tempo separados, amada irmã, devido ao temor de Cristo e por meu amor pela vida nômade, por um grande espaço de terra e mar, eu soube por muitas notícias das tempestades de dificuldades que, com a permissão de Deus, tem caído sobre ti em tua velhice. Eu lamento profundamente que depois que tu deixaste os cuidados penosos da regra monástica desejando uma vida de contemplação, problemas ainda mais insistentes e mais pesados vieram sobre ti.

E então agora, minha reverenda irmã, em simpatia com suas infelicidades e atento a tua bondade para comigo e a nossa antiga amizade, lhe envio uma carta fraternal de conforto e exortação. Lembre-se daquela palavra da Verdade: “Controlai vossas almas com paciência”, e o dizer de Salomão o Sábio, “o Senhor corrige o que ama e todo filho a quem quer bem”. E também da palavra do Salmista, “Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas elas”; e em outro lugar “O meu sacrifício é um espírito contrito. Um coração contrito e esmagado Tu não o desprezas.” E lembre-se do dizer do Apóstolo: “Alegramo-nos em nossas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança; a perseverança produz a fidelidade comprovada; e a fidelidade comprovada produz a esperança; e a esperança não engana”.

Nesta esperança, amada irmã, rejubila-te e alegra-te sempre, pois tu não serás enganada. Desprezai julgamentos terrenos com toda tua alma; pois todos os soldados de Cristo de ambos os sexos desdenharam os sofrimentos e tumultos terrenos e tiveram as fragilidades deste mundo como nada – veja a palavra de São Paulo: “Quando estou fraco, aí sou forte”. E também: “Quem deverá nos separar do amor de Cristo? A tribulação?” e assim por diante por “Ele que nos amou”. O mesmo Pai e amante de sua pureza virginal que te chamou para Si mesmo com a voz amavelmente paterna em sua juventude, dizendo com as palavras do Profeta: “Ouve, ó filha, e considera e inclina os teus ouvidos; esqueça também teu próprio povo e a casa de teu pai; pois o rei desejou a vossa beleza”, é Ele que agora, na sua velhice, deseja adornar a beleza da sua alma com trabalho e dor.

Então, amada, regozijando-te na esperança de uma terra paterna celestial, sustentai o escudo da fé e da paciência contra toda adversidade de mente e corpo. Com a ajuda de Cristo seu esposo finalize na sua bela velhice para a glória de Deus a construção daquela torre do Evangelho iniciada em tua juventude, para que quando Cristo voltar te encontre entre as virgens sábias, com uma lâmpada na qual queima o óleo.
Entrementes eu rogo seriamente que tu te lembres de sua antiga promessa de rezar por mim para que o Senhor, que é o Redentor e Salvador de todos nós, possa resgatar minha alma de seus múltiplos perigos para meu proveito espiritual.

Despeço-me em Cristo.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.94; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.148-50. Reprinted by permission of the publisher.

III. Carta de Bonifácio para Bugga, antes de 738

À amada senhora, a abadessa Bugga, irmã e caríssima entre todas em Cristo, Bonifácio, um humilde e indigno bispo, te deseja eterna salvação em Cristo.

Desejo que saibas, caríssima irmã, que com relação à questão que escrevestes pedindo meu conselho, embora indigno, não ouso nem proibir sua peregrinação em minha própria responsabilidade nem precipitadamente persuadi-la a ir. Apenas direi como o assunto se apresenta para mim. Se, por uma questão de descanso e contemplação divina, você deixou de lado o cuidado dos servos e servas de Deus e da vida monástica que um dia tiveste, como poderia agora submeter-te com trabalho e fatigante ansiedade às palavras e desejos dos homens deste mundo? Pareceria-me melhor, se tu não podes de maneira alguma ter liberdade e sossego em casa por causa de homens mundanos, que tu deverias obter liberdade para contemplar através de uma peregrinação, se assim tu desejares e for possível, assim como fez nossa irmã Wiethburga. Ela me escreveu dizendo ter encontrado no santuário de São Pedro o tipo de vida tranquila que ela buscara por muito tempo em vão. A respeito de teus desejos, ela me disse, já que eu escrevera a ela sobre ti, que seria melhor que você esperasse até que diminuam os ataques e perigos dos Sarracenos que recentemente apareceram perto de Roma. Se Deus quiser, ela então te enviará um convite. Para mim este também parece o melhor plano. Aprontai o que tu fores precisar para a viagem, espere pelo comunicado dela, e então aja segundo mandar a graça de Deus.

Com relação aos escritos que tu me solicitaste, tu deverás perdoar o meu descuido, pois eu tenho estado atarefado pelas pressões do ofício e por minhas continuas viagens e não pude terminar o livro que tu me pediste. Quando eu terminá-lo, farei com que te seja enviado.

Em retribuição aos presentes e trajes que tu me enviaste, ofereço minhas orações gratas a Deus para que Ele possa te recompensar com os anjos e arcanjos no mais alto dos Céus. Exorto-te, então, em nome de Deus, minha caríssima irmã – mãe e dulcíssima senhora – para que reze seriamente por mim, pois por meus pecados eu estou esgotado com muitas dores e estou muito mais perturbado pela ansiedade da mente do que pela fadiga do corpo. Que tu possas descansar tendo a certeza de que a experimentada amizade entre nós nunca se verá debilitada.

Despeço-me em Cristo.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.27; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.34-5. Reprinted by permission of the publisher.

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Carta de São Bernardo de Claraval à Melisende, rainha de Jerusalém

13 Segunda-feira Jan 2014

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas, História da Igreja

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idade média, jerusalém, Melisende, oriente, Rainha medieval, São Bernardo de Claraval

Remetente: S. Bernardo de Claraval, abade

Destinatário: Melisende, rainha de Jerusalém

Data: 1143-44

Contexto: Melisende é rainha latina de Jerusalém, após as Cruzadas, e acaba de ficar viúva. São Bernardo lhe envia uma carta de motivação no início da sua regência.

À ilustríssima rainha de Jerusalém, Melisende, Bernardo abade de Claraval, para achar graça diante do Senhor.

Dados os múltiplos assuntos e afazeres da corte real, pareceria deveras inapropriado escrever se eu estivesse preocupado somente com a glória de teu reino, teu poder e a linhagem de tua nobreza. Todas estas coisas são vistas pelos olhos dos homens, e aqueles que não as possuem invejam os que possuem, e chamam estes que as possuem de abençoados. Mas o que é essa benção de possuir coisas que secam rapidamente como a grama e caem rapidamente como os frutos das árvores? Estas coisas são boas, mas são instáveis, mutáveis, passam e perecem como os bens da carne. Está dito sobre a carne e seus bens: toda carne é grama e toda a sua glória é como a flor da grama.

Não era necessário escrever-te para que não venerasse demasiadamente estas coisas, cuja graça é traiçoeira e a beleza é vã. Aceite este pequeno conselho; pois embora eu tenha muito a lhe dizer, sou breve por causa das muitas preocupações minhas e tuas. Aceite este pequeno porém útil conselho, de uma terra distante, como se fora uma pequena semente que poderá gerar uma enorme colheita; aceite, lhe digo, o conselho das mãos de um amigo que procura não o bem dele mas a sua honra. Pois ninguém pode ser um conselheiro mais fiel a vós do que alguém que ama não o que tu possuis, mas tu mesma.

Com o rei teu marido morto e o pequeno rei ainda não apto para suportar os negócios do reino e executar o ofício de rei, os olhos de todos se voltam para ti e sobre ti somente recai todo o peso do reino. Tu deves cuidar de coisas árduas e mostrar-se um homem em uma mulher, fazendo o que deve ser feito no espírito do conselho e da fortaleza. Tu deves dispor todas as coisas com tanta prudência e moderação que todos que a vejam pensarão pelos seus atos que és um rei mais do que uma rainha, a fim de que talvez as pessoas digam, “onde está o rei de Jerusalém?”. “Mas eu não sou”, tu dizes, “capaz disto. Estas são grandes coisas, além da minha força e do meu conhecimento. Esses são feitos de homens, enquanto eu sou uma mulher, fraca de corpo, instável de coração, sem prudência no conselho, não acostumada a afazeres”. Eu sei, filha, eu sei que são coisas grandiosas [a fazer], mas eu também sei que a intensidade do mar é assombrosa, e o Senhor é maravilhoso nas alturas. São coisas grandiosas, mas nosso Senhor é grande e seu poder é grande.

Referência: Sancti Bernardi Opera, ed. J. LeClercq and H. Rochais (Rome: Eds. Cisterciennes, 1979), v.8, ep.354

Fonte com o original em Latim

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Irresistível Sedução

13 Quinta-feira Set 2012

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas

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deus, divina, freira, Irresistivel Seducao, jesus, Montalambert, religiosa, vocação, vocações

O escritor francês Montalembert acabava de assistir à tomada de véu (entrada na vida religiosa) de sua filha apaixonadamente amada e à noite, de volta à casa, com o coração ainda magoado pelo sacrifício no qual tivera de consentir, escrevia: “Que é pois esse amante invisível, morto num patíbulo há dezoito séculos, e que assim atrai a si a juventude, a beleza e o amor? Que aparece às almas com um brilho e um atrativo ao qual não podem resistir? Que se abate subitamente sobre elas e as faz presa sua? Que arrebata viva a carne de nossa carne, e se sacia no mais puro de nosso sangue? Um homem? Não: é um Deus. Eis o grande segredo, a chave desse sublime e doloroso mistério. Somente um Deus pode obter semelhantes triunfos e merecer semelhantes abandonos. Esse Jesus, cuja divindade é todos os dias insultada ou negada, prova-a todos os dias, entre mil outras provas, por esses milagres de desprendimento e coragem que se chamam as vocações”. (Moines d’Occident, Tomo V, p. 384)

(Quem enviou-me foi o Pe. Ernesto Cardozo)

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Uma em cada nove cidades do país tem nome de santo

01 Sábado Set 2012

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas

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brasil, canonização, Cidades Brasileiras, df, ibge, Igreja Católica, nome de Santo, nomes, santa cruz

G1 – ‘Uma em cada nove cidades brasileiras tem nome de santo. São 652 (11,7%) dos 5.565 municípios do País. Divulgado hoje pelo IBGE, o Banco de Nomes Geográficos do Brasil mostra que São José é citado 60 vezes.

Em seguida, vêm São João (54), Santo Antônio (38) e São Francisco (27). Conhecido como “padroeiro dos trabalhadores e das famílias”, São José é um dos mais populares da Igreja Católica.’ […]

Isso sem contar aquelas cidades que já tiveram nome de santo mas já não os tem, como a cidade de Taguatinga, no DF, já foi chamada Santa Cruz de Taguatinga. Há vários casos como esse.

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As quinze promessas do Santo Rosário

07 Terça-feira Ago 2012

Posted by marcosmarinho33 in Da Virgem Maria, Dos Santos e Santas, História da Igreja

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1428, 1475, alain de la roche, ave-maria, bem-aventurada virgem maria, devoção mariana, dominicanos, Igreja Católica, mãe de deus, morte, oração, pai-nosso, promessas divinas, quinze promessas, rosário, sacramentos da igreja, saltério, são domingos, terço

[Agradeço ao Pe. Ernesto Cardozo que me enviou este texto.]

“Alguém que rezava o Saltério da Virgem Maria foi assaltado, durante sete longos anos, por espantosas tentações dos demônios, às vezes em seus sentimentos, às vezes fisicamente. E, por todo esse tempo, quase não teve consolação, a mínima que fosse. Por misericórdia de Deus, apareceu-lhe enfim a Rainha da Clemência que, acompanhada por alguns santos, visitando-o, de quando em quando, e derrotando Ela mesma a tentação, libertou-o do perigo […] e lhe confiou a tarefa de pregar este Rosário”.

No início do ano de 1475, o frade dominicano Alano da Rocha[1] decidia passar para o papel os eventos miraculosos dos quais havia sido protagonista alguns anos antes. Naquele momento, encontrava-se em Lille, onde participava, como professor de Teologia, do Capítulo da Congregação Reformada da Holanda.

Decidiu escrever seu memorial bem em tempo. A 8 de setembro daquele mesmo ano, o frade dominicano morreria em odor de santidade, no convento de Zwolle, na Holanda, aos 47 anos, entregando ao povo cristão um tesouro de inestimável valor, recebido diretamente da Virgem Maria durante uma de suas aparições: quinze promessas “a todos os que rezarem meu Rosário com devoção”.

Mas quem era Alano de la Roche, para ser alvo de tanto afeto e predileção? Um nome que provavelmente só os historiadores da Ordem Dominicana conhecem. Nascido na Bretanha (França) em 1428, foi acolhido entre os seguidores de São Domingos no mosteiro de Dinan, diocese de Saint-Malo. Ali, muito jovem, fez a profissão religiosa, para mais tarde transferir-se para o convento de Lille. Depois dos estudos de filosofia e teologia no Colégio São Tiago, de Paris, recebeu do Capítulo Geral da Ordem, em 1459, a tarefa de lecionar durante o ano escolar de 1460-1461. Nesse meio tempo, durante uma visita a Lille, em 1460, foi nomeado membro da Congregação Reformada da Holanda, para tentar levar os conventos de volta à regra de observância.

“Quando Santa Maria o salvou”

Naqueles anos cheios de afazeres, a fama de grande teólogo se espalhou por toda a Ordem. Mas se espalhou ainda mais a fama ligada a sua extraordinária devoção a Nossa Senhora. “O mencionado padre […] havia muito tempo costumava oferecer o Rosário de Maria, numa assídua devoção diária a Deus, por intermédio da advogada Maria, Mãe de Deus”, escreve Alano, falando dele mesmo em terceira pessoa. Portanto, levava “uma vida segura com Deus na Ordem de sua vocação”. Esse estado de graça, infelizmente, não durou muito. Alano conta que, a partir de 1457, “foi muito afligido por uma doença enorme e importuna, por outras tentações e em combates muito cruéis, que teve de travar”. “Deus assim permitindo (uma vez que só Ele podia livrá-lo da tentação: coisa que a Igreja conhece por experiência, e também hoje sofre), eis que foi tentado muito cruelmente pelo diabo por sete anos inteiros, foi açoitado e duramente chicoteado”.

A vida do religioso se transformara num verdadeiro calvário. A tal ponto que, num dia não especificado do ano de 1464, quando vivia no convento da cidadela francesa de Douai, como professor, chegou a decidir acabar com a própria vida. “Certo dia, passava por um lúcido desespero da alma, na igreja de sua Sagrada Ordem”, escreve Alano. “Em verdade – Deus tenha piedade de nós! –, tendo a mão estendida do tentado retirado a faca, dobrou ele o braço e desferiu contra o pescoço com a lâmina afiada um golpe tão decidido e certeiro, para matar, que teria, sem sombra de dúvida, cortado o pescoço”. Mas, no momento em que tudo já parecia comprometido, alguma coisa aconteceu, de repente. “Sim, aproximou-se, com extrema misericórdia, a salvadora Maria e, com um gesto decidido em seu socorro, segurou seu braço, não lhe permitindo continuar, deu uma bofetada no desesperado e lhe disse: ‘Que estás fazendo, infeliz? Se tivesses pedido minha ajuda, como fizeste outras vezes, não terias incorrido em perigo tão grande’. Tendo dito isso, desapareceu, e o infeliz ficou sozinho”.

As quinze promessas

Depois daquela primeira aparição, as coisas não mudaram nem um pouco. Aliás, pioraram: as tentações voltaram a se apresentar com tamanha insistência, que fizeram amadurecer nele a ideia de abandonar a vida religiosa. Como se não bastasse, adoecera também gravemente, a ponto de convencer seus confrades a lhe darem a extrema unção. Mas, uma noite, quando “jazia miseravelmente em ardentíssimos gemidos”, pôs-se a invocar a Virgem Maria. E pela segunda vez ela o visitou. Uma luz ofuscante, “entre a décima e a undécima hora”, iluminou sua cela e “apareceu, majestosa, a Beatíssima Virgem Maria, que o saudou com extrema ternura”. Como verdadeira mãe, Nossa Senhora curvou-se para tratar das enfermidades do pobre homem. Dependurou-lhe ao pescoço uma corrente feita de seus cabelos, da qual pendiam cento e cinquenta pedras preciosas, entremeadas por outras quinze, “segundo o número de seu Rosário”, anota o frade. Maria travou um pacto não apenas com ele, mas que se estendia, “de modo espiritual e invisível, àqueles que rezam seu Rosário com devoção”.

Nesse momento, Nossa Senhora lhe disse: “Exulta, portanto, e alegra-te, ó esposo, pois me fizeste exultar muitas vezes, tantas quantas me saudou com meu Rosário. No entanto, enquanto eu estava feliz, tu muitas vezes estavas angustiado […]; mas por quê? Eu estabelecera dar-te coisas doces, por isso, por muitos anos, levava-te coisas amargas. […] Vamos, exulta agora”.

E assim se deu: após sete anos de inferno, começava para Alano uma outra vida. “Quando rezava o Rosário de Maria, ficava particularmente iluminado, tomado de uma letícia admirável, unida a uma inexplicável alegria.” Um dia, justamente quando estava rezando, a Virgem, outra vez, “dignou-se fazer-lhe muitas e brevíssimas revelações”, anota. “Aqui estão elas, e estas palavras são da Mãe de Deus:

1. Aquele que perseverar na oração de meu Rosário receberá qualquer graça que pedir.

2. A todos os que rezarem meu Rosário com devoção, prometo minha especialíssima proteção especial e grandes benefícios.

3. O Rosário será um escudo fortíssimo de defesa contra o inferno; destruirá os vícios, libertará do pecado e dissipará as heresias.

4. O Rosário fará florescerem as virtudes e obterá para seus devotos a misericórdia divina; substituirá no coração dos homens o amor ao mundo pelo amor a Deus, e os elevará a desejar as coisas celestes e eternas. Quantas almas se santificarão por esse meio!

5. A alma que se encomenda a mim por meio do Rosário não perecerá.

6. Quem rezar meu Rosário com devoção, meditando seus mistérios, não será oprimido pela desgraça, nem morrerá morte desgraçada. Se converterá, se for pecador; perseverará nas graças, se for justo; e em todo caso será admitido à vida eterna.

7. Os verdadeiros devotos de meu Rosário não morrerão sem os Sacramentos da Igreja.

8. Quero que todos os devotos do meu Rosário tenham durante sua vida e em sua morte a luz e a plenitude da graça, e sejam participes dos méritos dos bem-aventurados.

9. Libertarei muito prontamente do Purgatório as almas devotas do meu Rosário.

10. Os filhos verdadeiros de meu Rosário gozarão no Céu uma glória singular.

11. Tudo o que me pedirem por meio de meu Rosário, obterão prontamente.

12. Aqueles que propagarem meu Rosário serão socorridos por mim em todas as suas necessidades.

13. Todos os que rezem o Rosário terão por irmãos, durante a vida e na hora da morte, os bem-aventurados do Céu.

14. Aqueles que rezam meu Rosário são todos meus filhos amantíssimos, e irmãos de meu filho unigênito Jesus Cristo.

15. A devoção a meu Rosário é um sinal de predestinação à glória”[2].

Depois de “entregar” as quinze promessas, a Virgem se despediu, pedindo a Alano um gesto de obediência: “Prega as coisas que viste e ouviste. Não tenhas nenhum receio: eu estou contigo; eu te ajudarei e a todos os meus salmodiantes. Castigarei aqueles que se opuserem a ti”.

E Alano obedeceu prontamente: do biênio 1464-1465, período das aparições, até sua morte, o dominicano não faria mais nada a não ser defender, por meio da pregação, a amada devoção mariana, e instituir as Irmandades relacionadas com ela. Chegou mesmo a convencer, em 1474, o Capítulo dos dominicanos da Holanda a prescrever, pela primeira vez, o Rosário como oração a ser rezada pelas intenções dos vivos e dos mortos. Também nesse ano, em Frankfurt, na igreja dos dominicanos, era erigido o primeiro altar para uma Irmandade do Rosário

Enquanto isso, no último ano de sua vida, 1475, Alano pôs-se a escrever a Apologia do Rosário de Maria, dirigida a Ferrico[3], Bispo de Tournai (França), a fim de contar tudo o que lhe havia acontecido onze anos antes. Antes de voltar a Rostock, para reiniciar o ano letivo, parou em Zwolle, onde, em 15 de agosto, festa da Assunção de Maria Santíssima, adoeceu gravemente.

Cercado pelos confrades, que havia tempo já o consideravam beato, morreu na vigília da festa da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria, celebrada a 8 de setembro.

Ele foi o grande apóstolo da propagação do Rosário, oração mariana que ele preferia chamar “Saltério da Virgem”, para o qual estabeleceu as características atuais, aumentando as 50 Ave-Marias que já se costumava rezar, mais 100, num total de 150, divididas em dezenas, intercaladas por 15 Pater-Noster; também fixou os cinco temas de meditação que hoje chamamos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos. É seu mérito ter restabelecido a devoção ao Santo Rosário ensinada por São Domingo apenas um séculos antes e esquecida após sua morte.

Relata o Beato Alano uma aparição de São Domingos, na qual este lhe narrou o seguinte episódio: Rezando o Rosário, estava ele preparando-se para fazer na Catedral de Notre Dame de Paris um sermão sobre São João Evangelista. Apareceu-lhe então Nossa Senhora e lhe entregou um pergaminho, dizendo: “Domingos, por melhor que seja o sermão que decidiste pregar, trago aqui outro melhor”. Muito contente, leu o pergaminho, agradeceu de todo coração a Maria e se dirigiu ao púlpito para começar a pregação. Diante dele estavam os professores e alunos da Universidade de Paris, além de grande número de pessoas de importância. Sobre o Apóstolo São João, apenas afirmou o quanto este merecera ter sido escolhido para guardião da Rainha do Céu. Em seguida, acrescentou: “Senhores e mestres ilustres, estais acostumados a ouvir sermões elegantes e sábios, porém, eu não quero dirigir-vos as doutas palavras da sabedoria humana, mas mostrar-vos o Espírito de Deus e sua virtude”. E então São Domingos passou a explicar a Ave-Maria, como lhe tinha ensinado Nossa Senhora, comovendo assim, profundamente, aquele auditório de homens cultos.

Muitos foram os escritos dele, entre os quais figura o Saltério de Jesus e Maria (PDF), publicado em 1478 por Adriano Van der Meer, Superior da Congregação Dominicana da Holanda.

Fontes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8.


[1] Alain de La Roche (1428-1475). Para mais informações sobre este beato podem ser lidos os artigos em inglês publicados no Catholic Online, com o título de “Bl. Alan de la Roche” e na The Catholic Enciclopedia com o título de “Alanus de Rupe“.

[2] Revisado com base nesta fonte.

[3] Ferry de Cluny.

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Conselhos de São João da Cruz para imitar a Cristo

30 Sábado Jun 2012

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas

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carmelita, carmelo, imitação de cristo, místico, mortificação, ordem do carmo, reformador, santidade, são joão da cruz

Não sei o que me deu nesses dias, mas estou procurando muitas coisas sobre a espiritualidade carmelita. De todas as Ordens religiosas, a Ordem do Carmo é a que mais me atrai. Achei este texto de S. João da Cruz, místico e reformador da Ordem, muito bom:
São João da Cruz – Subida do Monte Carmelo – Livro I – Capítulo XIII, §3-7; 9.

Primeiramente: tenha sempre a alma o desejo contínuo de imitar a Cristo em todas as coisas, conformando-se à sua vida que deve meditar para sabre imitá-la, e agir em todas as circunstâncias como ele próprio agiria.

Em segundo lugar, para bom poder fazer isto, se lhe for oferecida aos sentidos alguma coisa de agradável que não tenda exclusivamente para a honra e a glória de Dus, renuncie e prive-se dela pelo amor de Jesus Cristo, que, durante a sua vida, jamais teve outro gosto, nem outra coisa quis senão fazer a vondade do Pai, a que chamava sua comida e manjar. Por exemplo: se acha satisfação em ouvir coisas em que a glória de Deus não está interessada, rejeite esta satisfação e mortifique a vontade de ouvir. Se tem prazer em olhar objetos que não levam a Deus, afaste este prazer e desvie os olhos. Igualmente nas conversações e em qualquer outra circunstância, deve fazer o mesmo. Em uma palavra, proceda deste modo, na medida do possível, em todas as operações dos sentidos; no caso de não ser possível, basta que a vontade não queira gozar desses atos que lhe vão na alma. Desta maneira há de deixar logo mortificados e vazios de todo o gosto, e como às escuras. E com este cuidado, em breve aproveitará muito.

Para mortificar e pacificar as quatro paixões naturais que são gozo, esperança, temor e dor, de cuja concórdia e harmonia nascem inumeráveis bens, trazendo à alma grande merecimento e muitas virtudes, o remédio universal é o seguinte:

Procure sempre inclinar-se não ao mais fácil, senão ao mais difícil. Não ao mais saboroso, senão ao mais insípido. Não ao mais agradável, senão ao mais desagradável. Não ao descanso, senão ao trabalho. Não ao consolo, mas à desolação. Não ao mais, senão ao menos. Não ao mais alto e precioso, senão ao mais baixo e desprezível. Não a querer algo, e sim a nada querer. Não a andar buscando o melhor das coisas temporais, mas o pior; enfim, desejando entrar por amor de Cristo na total desnudez, vazio e pobreza de tudo quanto há no mundo.

Abrace de coração essas práticas, procurando acostumar a vontade a elas. Porque se de coração as exercitar, em pouco tempo achará nelas grande deleite e consolo, procedendo com ordem e discrição.

(…)

O espiritual deve: 1.º Agir em seu desprezo e desejar que os outros o desprezem. 2.º Falar contra si e desejar que os outros também o façam. 3.º Esforçar-se por conceber baixos senrimentos de sua própria pessoa e desejar que os outros pensem do mesmo modo.

Extraído de São João da Cruz: Doutor da Igreja: Obras Completas. 4.ª ed. Vozes. Petrópolis, em co-edição com o Carmelo Descalço do Brasil, 1996.

Fonte

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Entre o trono e o altar – Católica fiel às orientações do papa, a princesa Isabel abraça uma causa, alcança uma graça e se torna a redentora dos escravos no Brasil

28 Quinta-feira Jun 2012

Posted by marcosmarinho33 in Da Santa Igreja, Dos Santos e Santas, História da Igreja

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beatificação, brancos, católica, cristandade, D. Pedro II, escravismo, escravocrata, escravos, feminismo, Igreja Católica, igreja e estado, Leão XIII, Lei Áurea, libertação, monarquia, negros, Nossa Senhora Aparecida, papa, política, Princesa Isabel, religião, soberana, vaticano

O mequetrefe ironiza a anistia concedida em 1875 aos bispos durante a Questão Religiosa. Em destaque o duque de Caxias, presidente do Gabinete na época, cavalgando a Constituição, e a princesa.

O mequetrefe ironiza a anistia concedida em 1875 aos bispos durante a Questão Religiosa. Em destaque o duque de Caxias, presidente do Gabinete na época, cavalgando a Constituição, e a princesa.

Uma princesa de vassoura na mão varrendo a igreja? E ainda jogando no corpete de seu vestido o pó recolhido do chão? Apesar de estranha, a cena se passou em Guaratinguetá, em 1884. A personagem era a herdeira do trono de D. Pedro II, a princesa Isabel, que cumpria uma promessa feita anos antes à Virgem Aparecida. A graça alcançada era ter gerado filhos.

Em Petrópolis, a princesa também era vista frequentemente limpando templos católicos. De fato, ela se consumia em atividades religiosas. Cantava no coral da igreja, participava da adoração ao Santíssimo Sacramento, cuidava da ornamentação do altar. Não raro, passava o dia todo na igreja. E assim, aos poucos, começava a incomodar muita gente.

Além das práticas católicas, sua rotina era comum aos padrões das mulheres de seu tempo e de seu segmento social. Em sua casa, na Corte ou em Petrópolis, Isabel se dedicava com afinco ao cultivo de flores, tocava piano, recebia amigos e parentes, escrevia cartas. Ao lado do marido, o conde d’Eu (1842-1922), abria os salões de seu palácio em Laranjeiras para animados saraus e jantares. Mas, em meio a tudo isso, reinava uma forte religiosidade, que marcou não só sua história pessoal como também a própria História do Brasil.

A religião era uma espécie de óculos pelos quais Isabel olhava o mundo. Certa vez, ela censurou D. Pedro II por ter visitado uma sinagoga na Europa. Também implicou com sua visita àescritora George Sand (1804-1876), a quem considerava imoral. Sand era uma precursora do feminismo, defensora de ideias socialistas, famosa por suas roupas masculinas e seus casos amorosos. Uma figura bem diferente daquelas por quem, desde a infância, Isabel demonstrava admiração e devoção, como os reis e rainhas canonizados pela Igreja Católica.  São Luís de França e Santa Isabel, fosse a de Portugal ou a da Hungria, eram seus modelos. Em Caxambu, a princesa iniciou a edificação de uma igreja consagrada a Santa Isabel de Hungria. Em sua primeira viagem à Europa, fez questão de beijar as mãos de Santa Isabel de Portugal, cujo corpo encontrava-se preservado em um caixão. E conforme antiga tradição católica, além de comemorar seu próprio aniversário de nascimento, a princesa também celebrava e recebia presentes nos dias dedicados às duas santas suas homônimas e de quem descendia.

Para Isabel, o Brasil integrava a cristandade, cuja autoridade era o papa, a quem os governantes deviam respeito e submissão. Dessa forma, o exercício da política deveria estar diretamente associado à obediência a esse líder maior, preceito que determinava suas práticas religiosas cotidianas e mesmo sua conduta como regente do Império e herdeira do trono.

Durante a chamada “questão religiosa” (1872-1875), estopim das dificuldades de relação entre a Igreja e o Estado no país, a princesa tomou as dores dos bispos de Olinda e do Pará, presos em 1874 a mando de D. Pedro II por interditarem irmandades frequentadas por maçons. Os religiosos obedeciam a uma recomendação do papa não validada pelo imperador, chefe da Igreja no Brasil, conforme a Constituição do Império. Ao intervir na questão, Isabel questionou o pai. “Devemos defender os direitos dos cidadãos brasileiros, os da Constituição, mas qual a segurança de tudo isso se não obedecemos em primeiro lugar à Igreja?”.

Ospolíticos ligados ao Partido Liberal denunciavam as estreitas ligações entre a herdeira do trono, o episcopado brasileiro e o Vaticano. Como defensores da separação entre Igreja e Estado, viam em Isabel um futuro obstáculo ao seu modelo de sociedade. De fato, durante sua terceira regência (1887-1888), as discussões sobre a adoção do casamento civil, repudiado pelo catolicismo romanizado, foram trancadas no Senado.

Isabel usava sua posição privilegiada para ajudar os necessitados. Promovia concertos, bazares e leilões, mobilizando diversas redes de colaboradores, no Brasil e no exterior. Os recursos angariados eram destinados aos necessitados em maior evidência em cada momento: os refugiados da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) na Inglaterra, as vítimas da Grande Seca do Nordeste brasileiro (1877-1879) e os feridos nas batalhas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

No Brasil, a princesa abraçou com fervor religioso ainda maior a causa da abolição. Acolheu e alimentou escravos fugitivos em seu palácio. Fomentou campanhas e criou livros de ouro para a subscrição de doações, com o objetivo era angariar fundos para a compra de alforrias. Sua motivação cresceu a partir de 1887, quando o episcopado brasileiro, afinado com as orientações papais, promoveu intensa campanha abolicionista. Por meio de cartas pastorais, os bispos convocaram os católicos do país a promover a libertação de escravos em honra ao jubileu sacerdotal do papa. Como católica fiel às orientações papais, a regente atendeu às suas súplicas. Assim, após uma queda de braço que envolveu a demissão do Gabinete Cotegipe, a Lei Áurea foi assinada em 1888. Dias depois, ainda como princesa regente, ajudou a organizar uma gigantesca missa campal em agradecimento pelo fim da escravidão.

Sem o apoio dos fazendeiros escravistas, a monarquia parecia ameaçada. Isabel confessou mais tarde saber dos riscos que corria. “Fui alertada de que o ato não era político. Mas […] a agitação entre os escravos era crescente. Leão XIII me pressionava e como poderia eu, batizada e livre, suportar que meus irmãos em Jesus Cristo continuassem escravos, enquanto podiam contar apenas comigo para libertá-los?”

A manutenção da escravidão gerava temores, como a eclosão de uma guerra civil entre abolicionistas e escravocratas, como ocorrera nos Estados Unidos, ou uma repetição do ocorrido no Haiti, onde os negros expulsaram os brancos. A libertação sonhada pela princesa seria ordeira e pacífica, de modo a evitar o pesadelo das convulsões sociais. A liberdade deveria ser uma doação e uma bênção. Como “redentora dos cativos”, a princesa via-se agora cumprindo o papel de governante católica com o qual se identificava desde a infância.

Meses depois da Lei Áurea, em setembro de 1888, a princesa recebeu a Rosa de Ouro, uma condecoração oferecida apenas a chefes de Estado em reconhecimento por sua fidelidade à Santa Sé. Por carta, o papa Leão XIII não só lhe agradecia como interpretava a assinatura da Lei como sinal de dedicação de sua “Filha muito amada” às orientações da Sé Apostólica. Nos meios católicos, a celebração em torno da entrega da Rosa de Ouro revestia-se de simbolismos. Para uns, seria o início do Terceiro Reinado, uma espécie de coroação antecipada e chancelada pela Igreja. Outros viam no episódio um novo momento de fundação. Era a “segunda missa no Brasil”, diziam. Mas o fato é que Isabel, durante a solenidade, causou constrangimento nos meios políticos liberais ao jurar fidelidade ao papa, um soberano estrangeiro.

No exílio, após a queda da monarquia, Isabel foi procurada por Silveira Martins (1835-1901), senador do Império entre 1880 e 1889. O assunto era a restauração da monarquia. A ideia era que o ex-imperador e a filha abdicassem em favor do príncipe D. Pedro, o filho mais velho da princesa. O rapaz tinha então 15 anos.  O plano era levá-lo de volta ao Brasil, sem a presença dos demais membros da família imperial.  A chefia do Estado seria entregue a um governo regencial até que o garoto atingisse a maioridade. O ex-imperador aceitou tudo de pronto, mas a princesa foi contra. “Embora brasileira, sou, antes de tudo, católica; e com relação a meu filho ir para o Brasil, jamais o confiarei a este povo[os políticos], já que o meu dever é a salvação de sua alma.” Irritado e desiludido, o político respondeu-lhe prontamente:“Então, senhora, seu destino é o convento!”

A princesa não chegou a herdar o trono de seu pai. No exílio na França, onde permaneceu até sua morte, em 1921, Isabel dedicou-se ainda mais à caridade e a um contato mais próximo com o Vaticano. Durante a velhice, promoveu diversas campanhas de ações beneficentes dirigidas aos brasileiros, tudo com auxílio de amigos e, principalmente, por meio de suas sólidas articulações com o episcopado. Mesmo impedida de ocupar o trono, ela “reinava” a seu modo e à distância. Na França, cultivava em seu palácio um jardim de plantas brasileiras e ensinava a língua portuguesa aos netos. Em seus aposentos, guardava com devoção os objetos que considerava mais sagrados: abandeira imperial brasileira, a coroa do Império, a Rosa de Ouro e uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, maior devoção entre os católicos romanizados.

 

Robert Daibert Júnioré professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro Isabel, a ‘Redentora dos escravos’: uma história da princesa entre olhares negros e brancos (Edusc, 2004).

 

 

Saiba Mais – Bibliografia

CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

LACOMBE, Lourenço Luiz. Isabel: a Princesa redentora. Petrópolis: Instituto Histórico de Petrópolis, 1989.

PRIORE, Mary Del. O Príncipe Maldito: traição e loucura na Família Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

VIEIRA, Hermes. Princesa Isabel: uma vida de luzes e sombras. São Paulo: GRD, 1989.

Saiba Mais – Internet

www.idisabel.org.br

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“A mão da Igreja é doce também quando golpeia, pois é a mão de uma mãe.” S. Pio de Pietrelcina

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‎”Cristão é meu nome e Católico é meu sobrenome. Um me designa, enquanto o outro me especifica. Um me distingue, o outro me evidencia. É por este sobrenome que nosso povo é diferenciado dos que são chamados heréticos.” São Paciano de Barcelona

‎”Foi Sempre privilégio da Igreja, Vencer quando é ferida, Progredir quando é abandonada, e Crescer em ciência quando é atacada.” (Santo Hilario de Potiers, Dr. da Igreja).

‎"Foi Sempre privilégio da Igreja, Vencer quando é ferida, Progredir quando é abandonada, e Crescer em ciência quando é atacada." (Santo Hilario de Potiers, Dr. da Igreja).

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