Um cavalheiro de notória inteligência e fino espírito escrevia-me, um destes dias, uma carta, perguntando por que eu não abria uma campanha séria a favor do engrandecimento do Brasil, pela multiplicação dos seus habitantes. E juntava, a propósito, duas publicações, uma francesa e outra alemã, em que os governos de Paris e de Berlim recomendam a fundação de novos lares, e, nesses lares, a constituição de famílias sadias e numerosas.
A lembrança de nosso patrício nasceu, talvez, do espetáculo de abandono que oferece a maior parte da nossa terra. E como acha que o melhor povoador do Brasil é o brasileiro, deseja que a população aumente, sem escândalo, mesmo ligeiro, da alma nacional.
Em verdade, o Brasil precisa de habitantes. Qual será, porém, o melhor processo para satisfazer essa necessidade da pátria? Premiar as famílias fecundas? Socorrer os casais que tenham muitos filhos? Eu, por mim, acho que o melhor é deixar as cousas como elas estão, sem que metamos o dedo no assunto.
As senhoras brasileiras são, na sua generalidade, boas mães. O instinto da maternidade aparece, nelas, em tal grau que assume a feição de uma virtude. Nem era de esperar outra cousa, quando, mesmo as mulheres francesas, estão sendo arrastadas, hoje, pela força desse sentimento. Aquele caso contado por Jean Bonot, em uma folha parisiense, é sobejamente significativo.
Vítima dos velhos preconceitos com que Paris perturbou, antes da guerra, a marcha da Humanidade, madame Atanásio Fessié tinha horror à maternidade. Um filho causava-lhe, a ela, um pavor irresistível. E era horrorizada, e com arrepios pelo corpo, que se referia, às vezes, à possibilidade de uma descendência, mesmo que esta se limitasse a um único representante do seu sangue.
Certo dia, porém, foi a jovem senhora ‘castigada’ por Deus: o seu lar ia abrigar um pimpolho, um anjito louro e rosadinho, que seria, provavelmente, no futuro, o supremo orgulho dos pais. Homem de coração, o Sr. Atanásio andava de um lado para o outro, no meio da casa, esfregando as mãos, de contente. A esposa, no entanto, não se cansava de recriminar o bárbaro, rogando pragas ao pobre marido, a quem acusava, indignada, do tormento que a ameaçava.
Ao fim de alguns meses de espera, foi anunciada, enfim, que era chegada a hora do Atanasinho. Aflita, a desventurada mãe gemia, desolada, amaldiçoando o esposo. E foi penalizado com o sofrimento dela que o rapaz correu à farmácia do canto, onde o farmacêutico lhe deu um remédio tão positivo, tão eficaz, tão santo, que o menino, minutos depois, vinha ao mundo, entre as imprecações e os gemidos da mãe.
Serenados, porém, os ânimos, foi a enferma a primeira a chamar o marido:
-Atanásio!
O rapaz correu. E madame, a voz branda:
-Onde está aquele remédio que tu me deste?
-Está ali, por que?
-Não o ponhas fora, não, Atanásio.
E com doçura, embalando o filho:
-Guarda-o para a outra vez… Sim?
Humberto Campos, “A Bacia de Pilatos”, 1962.

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