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Category Archives: Da Santa Igreja

Carta de São Bernardo de Claraval à Melisende, rainha de Jerusalém

13 Segunda-feira Jan 2014

Posted by marcosmarinho33 in Dos Santos e Santas, História da Igreja

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idade média, jerusalém, Melisende, oriente, Rainha medieval, São Bernardo de Claraval

Remetente: S. Bernardo de Claraval, abade

Destinatário: Melisende, rainha de Jerusalém

Data: 1143-44

Contexto: Melisende é rainha latina de Jerusalém, após as Cruzadas, e acaba de ficar viúva. São Bernardo lhe envia uma carta de motivação no início da sua regência.

À ilustríssima rainha de Jerusalém, Melisende, Bernardo abade de Claraval, para achar graça diante do Senhor.

Dados os múltiplos assuntos e afazeres da corte real, pareceria deveras inapropriado escrever se eu estivesse preocupado somente com a glória de teu reino, teu poder e a linhagem de tua nobreza. Todas estas coisas são vistas pelos olhos dos homens, e aqueles que não as possuem invejam os que possuem, e chamam estes que as possuem de abençoados. Mas o que é essa benção de possuir coisas que secam rapidamente como a grama e caem rapidamente como os frutos das árvores? Estas coisas são boas, mas são instáveis, mutáveis, passam e perecem como os bens da carne. Está dito sobre a carne e seus bens: toda carne é grama e toda a sua glória é como a flor da grama.

Não era necessário escrever-te para que não venerasse demasiadamente estas coisas, cuja graça é traiçoeira e a beleza é vã. Aceite este pequeno conselho; pois embora eu tenha muito a lhe dizer, sou breve por causa das muitas preocupações minhas e tuas. Aceite este pequeno porém útil conselho, de uma terra distante, como se fora uma pequena semente que poderá gerar uma enorme colheita; aceite, lhe digo, o conselho das mãos de um amigo que procura não o bem dele mas a sua honra. Pois ninguém pode ser um conselheiro mais fiel a vós do que alguém que ama não o que tu possuis, mas tu mesma.

Com o rei teu marido morto e o pequeno rei ainda não apto para suportar os negócios do reino e executar o ofício de rei, os olhos de todos se voltam para ti e sobre ti somente recai todo o peso do reino. Tu deves cuidar de coisas árduas e mostrar-se um homem em uma mulher, fazendo o que deve ser feito no espírito do conselho e da fortaleza. Tu deves dispor todas as coisas com tanta prudência e moderação que todos que a vejam pensarão pelos seus atos que és um rei mais do que uma rainha, a fim de que talvez as pessoas digam, “onde está o rei de Jerusalém?”. “Mas eu não sou”, tu dizes, “capaz disto. Estas são grandes coisas, além da minha força e do meu conhecimento. Esses são feitos de homens, enquanto eu sou uma mulher, fraca de corpo, instável de coração, sem prudência no conselho, não acostumada a afazeres”. Eu sei, filha, eu sei que são coisas grandiosas [a fazer], mas eu também sei que a intensidade do mar é assombrosa, e o Senhor é maravilhoso nas alturas. São coisas grandiosas, mas nosso Senhor é grande e seu poder é grande.

Referência: Sancti Bernardi Opera, ed. J. LeClercq and H. Rochais (Rome: Eds. Cisterciennes, 1979), v.8, ep.354

Fonte com o original em Latim

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Carta entre duas abadessas do séc. VIII

13 Segunda-feira Jan 2014

Posted by marcosmarinho33 in História da Igreja

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abadessas, freiras, História da Igreja Católica, idade média, Místicas, mosteiro, Mulheres na Idade Média, Ordem Beneditina, Ordens Religiosas, Pfalzel, roma, santas, Trier, Whitby

Ficheiro:Whitby abbey1.jpg

Ruínas do último mosteiro de Whitby, destruído por ordem de Henrique VIII. Entretanto, o mosteiro da carta já havia sido destruído antes por dinamarqueses, no séc. IX.

 

Contexto da carta: Adolana, abadesa do mosteiro de Pfalzel, próximo a Trier, aparentemente tinha uma reputação de santidade e poderes proféticos. Nesta carta, Elfreda, abadessa de Whitby, pede orações a Adolana e recomenda a seus cuidados uma abadessa (cujo nome aparece substituído por N.) que iria visitá-la em sua viagem para Roma. A carta sugere uma rede de abadessas, que cruza a Europa indo desde Inglaterra até Roma.

Remetente: Elfreda, abadessa de Whitby.

Destinatário: Adolana, abadessa de Pfalzel.

Data: antes de 713

À santa senhora, honrada por Deus, a abadessa Adolana, serva da família eclesiástica, Elfreda, [manda] saudações de eterna segurança no Senhor.

Desde que soubemos da vossa fama de santidade através daqueles que vieram de sua região, que relataram ocorrências bem conhecidas, eu confesso que um amor por vós apossou-se das profundezas do meu ser, segundo o mandamento do Senhor: “O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros” [João XV, 12]. É por isso que pedimos suplicantes que vos digneis defender-nos no Senhor Onipotente com seus oráculos sagrados e flamejantes; de fato nossa humildade há de perturbá-la pouco nesta troca já que o apóstolo Tiago ordena e diz: “Oreis uns pelos outros, para que sejais salvos” [Tiago V, 16].

Além disso, nós recomendamos à vossa altíssima santidade e piedade usual, tenazmente com toda diligência, N., a devota serva do Senhor e religiosa abadessa, nossa queridíssima e fidelíssima filha dos anos de sua juventude – que por amor a Cristo e pela honra dos apóstolos Pedro e Paulo deseja ir visitar ao santo limiar destes [apóstolos], mas retida até o momento por nós devido às necessidades e ao serviço das almas confiadas a ela – e nós rogamos que ela seja recebida por vós com a afeição da verdadeira caridade num seio de piedosa misericórdia com aqueles que a acompanham, para que ela possa finalmente executar a viagem tão desejada e amiúde iniciada, para que ela seja direcionada à maternal cidade de Roma em um trajeto favorável com vossos catálogos e com o favor do santo portador do sinal, Pedro príncipe dos apóstolos; e, se Deus quiser, ela chegar até vós, que ela vos encontre preparadas com o que quer que ela peça em pessoa, de acordo com a ocasião, para as necessidades de sua viagem.

Que a divina graça se digne proteger vossa santidade que roga por nós.

Referência: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.8

Fonte com o texto original em Latim

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Bula In Nomine Domini

28 Sábado Set 2013

Posted by marcosmarinho33 in Do Santo Padre, o Papa, História da Igreja

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Colunas de São Pedro, idade média, Leandro Rust, Nicolau II, Papado

(Proclamada no Sínodo romano de abril de 1059, durante o Pontificado de Nicolau II)

            Em nome do nosso Senhor Deus, Jesus Cristo, Nosso Salvador, no ano de 1059 de sua Encarnação, na duodécima indicção, perante os santos evangelhos, sob a presidência do reverendíssimo e beatíssimo papa apostólico, Nicolau, na patriarcal basílica lateranense, chamada basílica de Constantino, com todos os reverendíssimos arcebispos, bispos, abades e veneráveis presbíteros e diáconos, o mesmo venerável pontífice, decretando com autoridade apostólica, disse:

Vossas Eminências, diletíssimos bispos e irmãos, conhecem, e igualmente o sabem os membros de categoria hierárquica inferior, quanta adversidade esta Sé Apostólica, à qual sirvo por vontade divina, desde a morte de Estevão, nosso predecessor de feliz memória, suportou; quantos golpes e ofensas os traficantes simoníacos lhe infligiram, até ao ponto em que a coluna do Deus vivo, sacudida, parecia quase vacilar, e Sé pontifícia aparentava estar prestes a mergulhar nas profundezas do abismo. Por isso, que seja do agrado dos meus irmãos, o dever de enfrentar os eventos futuros, com a ajuda de Deus, e fazer uma constituição eclesiástica que resista aos males que acaso venham a ocorrer, a fim de que nunca prevaleçam. Por conseguinte, apoiando-nos nas autoridades dos nossos predecessores e na de outros sumos pontífices, decretamos e estabelecemos o seguinte: quando o bispo desta Igreja romana universal vier a falecer, os cardeais bispos decidam entre si, com a devida atenção, chamando posteriormente os cardeais presbíteros, e igualmente se associem aos outros membros do clero e ao povo, com vista a proceder a uma nova eleição, evitando assim que a triste moléstia da venalidade não tenha oportunidade de se perpetuar.

Portanto, que os varões mais insignes promovam a eleição do futuro pontífice, e que todos os demais os sigam. Sendo este procedimento eleitoral considerado justo e legítimo, visto que ele observa as regras e os procedimentos de inúmeros santos padres e se resume naquela frase do nosso bem-aventurado antecessor Leão, que disse: “Nenhum motivo autoriza que se considerem como bispos aquelas pessoas que não foram eleitas pelos clérigos, aclamadas pelo povo e consagradas pelos bispos sufragâneos com a aprovação do metropolitano”. Já que a Sé Apostólica está acima de toda a igreja espalhada pela orbe, e não pode ter nenhum metropolitano sobre si própria, não há dúvida de que os cardeais bispos desempenham a função de metropolitano, levando o sacerdote eleito ao cume da dignidade apostólica. Se encontrarem alguém digno, que o escolham dentre os seus próprios membros; caso contrário, tomem-no de outra igreja qualquer. Que guardem a reverência e a honra devidas ao nosso querido filho Henrique, que agora é rei e que, assim se espera, será, com a ajuda de Deus, o futuro imperador; e igualmente aos seus sucessores que impetrarem pessoalmente este privilégio à Sé Apostólica. Se prevalecer a perversidade dos homens iníquos e mais, a tal ponto que seja impossível realizar uma eleição livre, justa e genuína, na Urbe, os cardeais bispos, com os sacerdotes e os leigos católicos, legitimamente podem escolher o pontífice da Sé Apostólica onde julgarem mais oportuno. Concluída a eleição, se uma guerra ou qualquer tentativa dos homens se opuser a que o escolhido tome posse da Sé Apostólica, segundo o costume, não obstante isso, o eleito terá toda a autoridade pontifical para dirigir a santa igreja romana, dispondo plenamente das suas prerrogativas, como sabemos que o bem aventurado Gregório o fez antes da sua consagração.

Mas se alguém, contrariando este nosso decreto, promulgado em sínodo, for eleito, consagrado e entronizado mediante a audácia, e revolta ou qualquer outro meio, seja excomungado perpetuamente pela autoridade divina e dos santos apóstolos Pedro e Paulo; e juntamente com seus instigadores, partidários e sequazes, deve ser expulso da santa igreja de Deus, como anticristo, inimigo e destruidor de toda a Cristandade. E não lhe seja concedida credibilidade alguma, mas permaneça eternamente privado da dignidade eclesiástica, não importando o grau a que pertença. Por outro lado, qualquer pessoa que lhe render homenagem, considerando-o como pontífice verdadeiro, ou tentar defendê-lo como tal, será castigado com a mesma sentença. Quem, temerariamente, se opuser a esta decretal e tentar prejudicar a Igreja romana, violando o que foi estabelecido, que seja condenado com um anátema perpétuo e excomungado, e seja contado entre os ímpios que não ressuscitarão no Juízo Final. Sinta sobre si a ira do onipontente Pai, Filho e Espírito Santo e, nesta e na outra vida, sofra a indignação dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, cuja igreja tentou perturbar. Que sua habitação se torne deserta e que ninguém vá manter-se junto a seu tabernáculo. Que seus filhos sejam feitos órfãos e sua esposa viúva. Que seja removido com indignação e que seus filhos mendiguem e sejam jogados para fora de suas habitações. Que o usurário atravesse toda a sua substância e que desconhecidos destruam os frutos de seus trabalhos. Que a terra inteira lute contra ele e que todos os elementos se oponham a ele; que os méritos de todos os santos em repouso o confundam e que nesta vida a vingança aberta seja tomada contra ele. Que os observantes deste nosso decreto sejam protegidos pela graça de Deus onipotente e absolvidos do vínculo de todos os seus pecados pela autoridade dos bem-aventurados bispos e apóstolos Pedro e Paulo.

Fonte: RUST, Leandro. Colunas de São Pedro: política papal da Idade Média Central. São Paulo: Annablume, 2011.

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Seria a Igreja Ortodoxa anterior à Igreja Católica?

28 Sábado Set 2013

Posted by marcosmarinho33 in Da Santa Igreja, Do Santo Padre, o Papa, História da Igreja

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alexandria, antioquia, cismáticos, Constantinopla, Igreja Ortodoxa, jerusalém, papa, patriarcado, Primado de São Pedro, roma

Eu recebi um e-mail de um cristão ortodoxo que dizia:

>>>>>>Além disso, você fala da Igreja Ortodoxa como “quase tão antiga quanto a Igreja Católica.” Uma vez que a Cristandade começou no Oriente, e os patriarcados de Jerusalém, Antioquia, e Alexandria foram estabelecidos antes de Roma (o apóstolo Pedro até mesmo serviu, segundo algumas fontes, como bispo auxiliar em Antioquia) e já que estes patriarcados defendiam as visões teológicas de Constantinopla nas contendas que surgiram entre a Nova e a Antiga Roma, não seria simplesmente mais justo ver a Igreja Ortodoxa como a mais antiga? […] E como o cisma dos pré-calcedonianos antecede o cisma entre os quatro antigos Patriarcados e a Sé de Roma, tecnicamente não seriam também eles [pré-calcedonianos] mais antigos que a Igreja Romana?

Embora seja na Igreja de Jerusalém que o Cristianismo começou, aquela igreja (uma igreja judaico-cristã) deixou de existir entre 70 d.C. e 130 d.C. Depois de 130 d.C., todos os judeus (inclusive judeus cristãos) foram proibidos de entrar na cidade de Jerusalém, que foi renomeada como Élia Capitolina pelo Império Romano. Neste tempo, a Igreja de Jerusalém consistia em um corpo simbólico de cristãos gentios, que estava submetido à Sé metropolitana de Cesareia. Foi só no tempo de Constantino (dois séculos depois) que, novamente, foi dado a Jerusalém um lugar de importância honorífica. Entretanto, isso se deu por ser aquele um lugar de peregrinação. O reconhecimento como Patriarcado só aconteceu no Concílio da Calcedônia (451 d.C.), mas ela continuou sob a autoridade do metropolitano de Cesareia, que por sua vez respondia ao Patriarca de Antioquia. É por isto que o Concílio de Niceia (325 d.C.) declarou, no Cânon 7:

“Já que mandam o costume e a antiga Tradição que o Bispo de Élia (i.e., Jerusalém) seja honrado, que ele tenha a sucessão de honra, no entanto SEM o direito interno da metrópole (i.e., Cesareia).”

Isto está de acordo com o Cânone anterior (Cânone 6), que define os direitos patriarcais de Alexandria e Antioquia BASEANDO-SE no reconhecimento destes direitos pelo Bispo de Roma. Diz o Cânone 6:

“Prevaleçam os antigos costumes de que, no Egito, Líbia, e Pentápolis, o Bispo de Alexandria tenha jurisdição sobre todas estas, já que este também é o costume do Bispo de Roma. Igualmente, na Antioquia e nas outras províncias, que as igrejas retenham seus privilégios.” (Concílio de Niceia, Cânone 6)

Então, a autoridade patriarcal de Jerusalém é uma invenção do Concílio da Calcedônia. Não existia antes de 451.

O mesmo vale para a chamada autoridade patriarcal de Constantinopla. Apesar de lendas medievais, oriundas do Estado (e que não possuem nenhuma base histórica), Bizâncio não tinha nenhuma ligação com André ou qualquer Apóstolo, mas na verdade era uma igreja menor sob a jurisdição da Sé metropolitana de Hercúlea, na Trácia, que por sua vez era diretamente submetida a Roma. Foi com o I Concílio de Constantinopla que primeiramente tentou-se dar a autoridade patriarcal a Bizâncio (somente por ser a cidade imperial). Todavia, tanto Roma quanto Alexandria rejeitaram este decreto, e ele foi retirado. De acordo com a Tradição Apostólica, Roma tinha a primazia na Igreja universal, e Alexandria era a segunda após ela, esta última tendo a primazia no Oriente. Isto é afirmado por todos os padres que abordam o assunto, e mais claramente pelo Papa São Dâmaso I, que expediu o seguinte decreto em 382 – a fim de defender a posição de Alexandria como primaz no Oriente, que fora usurpada pelos bizantinos no Concílio de Constantinopla no ano anterior.

“Embora todas as igrejas católicas espalhadas pelo mundo formam uma só câmara nupcial do Cristo, não obstante, a santa Igreja romana foi colocada à frente não por decisões conciliares das igrejas, mas recebeu o seu primado pela voz evangélica de nosso Senhor e Salvador, o Qual diz: “Tu és Pedro…” (Mat 16:18-19). Além disto, tem também dentre sua companhia na barca dos eleitos, o beatíssimo Apóstolo Paulo que, junto com Pedro na cidade de Roma no tempo do César Nero, igualmente consagrou a sobredita santa Igreja Romana a Cristo Senhor; e por sua própria presença e por seu venerável triunfo, eles colocaram-na à frente de todas as outras de todas as cidades do mundo. A primeira Sé, portanto, é aquela do Apóstolo Pedro, a Igreja de Roma, que não tem mancha ou defeito, nem nada similar. A segunda Sé é a de Alexandria, consagrada em nome do apóstolo Pedro por Marcos, seu discípulo e Evangelista, o qual foi mandado ao Egito pelo Apóstolo Pedro, onde ele pregou a Palavra da Verdade e consumou seu glorioso martírio. A terceira Sé é a de Antioquia, a qual pertenceu ao beatíssimo Pedro, onde ele primeiro habitou antes de ir a Roma, e onde o nome de “cristãos” foi primeiro usado, como a um novo povo.” (Decreto de Dâmaso#3, 382 d.C.)

Essa é a antiga ordem – Roma, Alexandria e Antioquia, na ordem de primazia e autoridade. Foi somente em 700 d.C. – depois que Alexandria e Antioquia caíram nas mãos dos muçulmanos –, que Roma reconheceu o primado de Constantinopla no Oriente. Antes disso, a reivindicação era consistentemente negada, tanto por Roma quanto pelos outros patriarcas (embora Antioquia ocasionalmente aceitasse). Nada é tão contundente para mostrar isto quanto a condenação do Papa São Leão Magno ao Cânone 28 de Calcedônia, na qual diz:

“… nós também ordenamos e decretamos o mesmo em relação aos privilégios da santíssima Igreja de Constantinopla, a Nova Roma. Pois os Padres acertadamente garantiram privilégios ao trono da antiga Roma, porque esta era a cidade real. E os cento e cinquenta piíssimos Bispos deram iguais privilégios ao santíssimo trono da Nova Roma, julgando justamente que a cidade é honrada pela Autoridade Soberana e o Senado e goza de iguais privilégios como a antiga Roma imperial…” (Cânone 28, Calcedônia).

No entanto, o Papa Leão se recusou a concordar com este Cânone; e fazendo uso de um tipo de “veto parcial”, excluiu-o dos documentos conciliares. Aqui, o Bispo Anatólio de Constantinopla escreve ao Papa Leão, desculpando-se e explicando como o cânone veio a ser, dizendo…

“Quanto àquilo que o Concílio Ecumênico da Calcedônia recentemente ordenou em favor da igreja de Constantinopla, Sua Santidade esteja assegurada de que não tive culpa nisso, eu que desde a minha juventude sempre amei a paz e a quietude, mantendo-me na humildade. Foi o reverendíssimo clero da igreja de Constantinopla que estava ansioso por isto, e eles eram igualmente amparados pelos reverendíssimos sacerdotes daquelas partes, que concordavam com eles. Mesmo assim, toda a força de confirmação dos atos foi reservada à autoridade de Sua Beatitude. Portanto, que Sua Santidade tenha por certo de que eu não fiz nada que contribuísse no assunto, sabendo sempre que eu deveria evitar os luxos do orgulho e da cobiça.” – Patriarca Anatólio de Constantinopla ao Papa Leão, Ep 132 (sobre o Cânone 28 de Calcedônia).

Deste modo, o assunto estava encerrado; e, pelos próximos seis séculos, todas as Igrejas do Oriente falavam somente em 27 cânones de Calcedônia – o 28º Cânone foi anulado e invalidado pelo “veto parcial” de Roma. Isto é embasado por todos os historiadores gregos, como Teodoro o Leitor (escreve em 551 d.C.), João Escolástico (escreve em 550 d.C.), Dionísio Exíguo (também por volta de 550 d.C.); e por Papas como São Gelásio (c. 495) e Símaco (c. 500) – todos os quais falam somente em 27 cânones da Calcedônia.

Quanto à igreja de Antioquia, é verdade que a comunidade gentia de Antioquia é mais antiga que a comunidade gentia de Roma. Porém, a igreja de Roma em si (que começou como igreja judia) foi estabelecida por judeus peregrinos que se converteram ao Cristianismo no dia de Pentecostes (ver Atos 2:9-10), e tinha ministros judeus que lhe pertenciam e que se converteram muito antes de São Paulo (ver Romanos 16:7). Além disso, a primeira estadia de São Pedro em Roma teve lugar entre 42 d.C. (quando ele fugiu da Judeia – Atos 12:17) e 49 d.C., quando o Imperador Cláudio expulsou todos os judeus de Roma por causa de um tumulto acerca de alguém que o historiador romano Suetônio chama de “Chrestus” – claro mal-entendido de “Christus” (“Cristo”). Foi por isso que Pedro voltou a Jerusalém em Atos 15 para o Concílio de Jerusalém, que ocorreu em 49 d.C. Foi somente DEPOIS do Concílio de Jerusalém (ver Gálatas 2) que Pedro estabeleceu-se em Antioquia e tornou-se o primeiro Bispo de Antioquia (ele não era algum tipo de bispo “auxiliar”, como foi dito acima). Porém, uma vez que os judeus são readmitidos em Roma, Pedro volta para lá, e é aqui que ele e São Paulo confrontam o arqui-herege Simão o Mago, e onde eles juntos constroem a Igreja de Roma, síntese da igreja judia com a igreja gentia, e onde eles terminaram suas vidas como mártires. No entanto, só Pedro era a autoridade primacial ali – isto é, o bispo de Roma de facto. Assim, seu episcopado em Roma foi mais longo do que (e anterior) ao seu episcopado em Antioquia. Todos os Padres (Hipólito, Eusébio, Jerônimo, etc) o dizem. E, como diz Dâmaso acima, é daqui que os três originais patriarcados (Apostólicos) provêm. Por volta de 60 d.C., Pedro deixa Antioquia e volta para Roma. Fazendo isto, ele deixa seu discípulo Santo Evódio na Sé de Antioquia. Santo Evódio foi sucedido por Santo Inácio de Antioquia. Então, enquanto em Roma, Pedro enviou seu maior discípulo São Marcos para Alexandria, para ser o primeiro bispo (e seu próprio “legado”) lá. Ao fazer isto, Pedro, em essência, “triangula” o mundo conhecido. Sua própria Sé de Roma tinha a primazia e era a corte final de apelação, ao passo que administrava a Europa (e o Norte da África) diretamente. Alexandria teria o segundo lugar e o primado no Oriente, enquanto administraria a África Oriental, a Etiópia, a Arábia, e parte da atual Palestina. Antioquia, por fim, teria o terceiro lugar depois de Alexandria, e administraria diretamente a Ásia e o Oriente mais longínquo. Todavia, toda a relação dependia do quão eficientemente uma mensagem poderia ser mandada de Roma para o Oriente; isto porque, como pode ser facilmente visto num mapa romano, o caminho mais rápido de despachar uma mensagem para o Oriente era mandando-a de barco de Roma para Alexandria, e de Alexandria para a costa da Palestina até Antioquia. Este era o arranjo original, e como a Igreja primitiva operava. Os bizantinos perturbaram esta ordem original tentando equiparar a autoridade eclesiástica com a autoridade imperial.

Aqui, deve-se lembrar do fato de que a Cristandade bizantina não é a quintessência da Cristandade Oriental. Na Igreja Ortodoxa, não há representação da tradição copta, ou siríaca, ou maronita (libanesa), ou etíope, ou malankar (índia), ou armênia, ou caldeia (persa). A Igreja Católica, no entanto, possui todas estas tradições, bem como as tradições bizantina e antioquena, junto com as do Ocidente (romana e gálica). Além do mais, a presente teologia Ortodoxa nem sequer representa a totalidade da Cristandade grega, mas subordina a tradição greco-alexandrina à antioquena e à greco-capadócia. Se você aceitasse a sua herança alexandrina, não teria problema com a teologia do Filioque (propriamente dita). Logo, em suma, sua Ortodoxia não fala pelo Oriente inteiro, mas tão somente pela tradição antioquena-bizantina – isto é, uma parte do Oriente. E essa parte do Oriente pela qual você fala não é tão antiga quanto a herança apostólica de Roma.

>>>>>>E já que os Armênios também romperam a comunhão com a Igreja (com isso eu quero dizer a antiga grande Igreja) antes da separação de Roma, não seriam eles também mais antigos?

É verdade que, depois de 1054, Roma (e o resto da Europa Ocidental) deixaram de fazer parte do legado cultural do Império Bizantino, que era o herdeiro cultural direto do Império Romano. Porém, isto tem pouco, quase nada, a ver com a herança cristã e a Tradição Apostólica de Roma, que não depende das inovações de Constantino no século IV ou de seu estabelecimento de um Império cristão, mas antecede consideravelmente esta construção. Foi Bizâncio que rompeu com Roma, e não o contrário. Foi Fócio e seus planos imperiais que fizeram com que os bizantinos ignorassem e distorcessem seu prévio reconhecimento do primado romano, etc. Tente o quanto quiser, é simplesmente impossível reconciliar sua visão moderna, “Fócia”, com aquela dos padres bizantinos mais antigos como São Máximo Confessor, Teodoro Estudita, e outros que eram claramente “papistas” e que reconheciam a completa e total ortodoxia de Roma (ex. Filioque, etc.)

Aparentemente, Tertuliano serviu como sacerdote lá, e Jerônimo também visitou e serviu o Papa de Roma; mas o primeiro era originalmente de Cartago, onde ele também morreu; e o segundo era um monge de Belém, sob a jurisdição de Élia (Jerusalém) e Cesareia.

Como foi dito acima, Tertuliano tornou-se um herege montanista, e então rejeitou TODA autoridade episcopal. Então, não seria surpreendente que ele não defendesse o primado de Roma. No entanto, ele ainda testemunha para todos o primado Romano, através de seus protestos montanistas. Se o primado de Roma não fosse reconhecido, por que Tertuliano escarneceria do Papa Calisto chamando-o de “Pontifex Maximus” (isto é, a cabeça da religião estatal romana) e de “bispo dos bispos”? Além disso, por que eu e você podemos, hoje, receber o Sacramento da Confissão repetidamente, se Roma não tem a reconhecida autoridade de “ligar e desligar”?

Quanto a São Jerônimo, ele não estava sob a autoridade de Élia (Jerusalém), mas sim de Cesareia, que era o metropolitano para a atual Palestina. Cesareia respondia ao Patriarca de Antioquia, que por sua vez reconhecia o primado de Roma. No entanto, nos tempos de Jerônimo, o patriarcado de Antioquia estava dividido pelo cisma interno entre dois aspirantes a Patriarca. Jerônimo não tinha certeza a qual deveria se submeter. Então, ele escreveu o seguinte ao Papa São Dâmaso, em Roma:

“Já que o Oriente, estilhaçado como está pelas longas contendas entre seu povo, está aos poucos rasgando em pedaços a veste inconsútil do Senhor, ‘tecida de cima a baixo’, já que as raposas estão destruindo a vinha de Cristo, e já que entre vasos rachados que não guardam água alguma está difícil encontrar ‘a fonte selada’ e ‘o jardim fechado’, acredito que seja meu dever consultar a Cátedra de Pedro, e voltar-me à igreja cuja Fé fora enaltecida por Paulo. […] Minhas palavras são dirigidas ao sucessor do Pescador, ao discípulo do Crucificado. Assim como eu não sigo nenhum líder além de Cristo, assim eu não comungo com ninguém além de Sua Beatitude, que se assenta na Sé de Pedro. Pois eu sei que esta é a Pedra sobre a qual a Igreja foi construída! Esta é a casa onde só o Cordeiro Pascal pode ser corretamente comido. Esta é a Arca de Noé, e aquele que não se encontra nela vai perecer quando o dilúvio vier.” (Jerônimo, Epístola 15 – dirigida ao Papa Dâmaso I, c. 375 d.C.)

Nosso amigo ortodoxo continua:

>>>>>>Além disso, Cipriano de Cartago brigou com o Papa Estevão de Roma. Cipriano foi apoiado por toda a Ásia Menor, toda a África, toda a Grécia, toda a Arábia, e em geral todo lugar fora da diocese de Roma (embora ele também encontrasse apoio ali). O Papa Estevão, por sua vez, ameaçou essas igrejas com a excomunhão. Firmiliano de Cesareia, porém, passou a frente dele e o excomungou em favor de toda a Igreja. Cipriano foi martirizado, como você sabe, mas não estava em comunhão com Roma no momento.

É verdade que Cipriano teve um conflito amargo com o Papa Estevão sobre a questão do Batismo dos hereges – isto é, se os hereges que procuravam a comunhão com a Igreja Católica precisavam ser rebatizados ou não. Cipriano dizia que sim; Estevão dizia que não. Mais que isso, Estevão ensinava que havia “um só Batismo para a remissão dos pecados”; assim como a posição de Estevão (isto é, de Roma) fora adotada pelos padres niceno-constantinopolitanos no Credo! É a isso que esta afirmação do Símbolo de Fé se refere.

Entretanto, embora Cipriano acreditasse que o Papa Estevão estava errado, ele nunca excomungou o Papa Estevão, nem o bispo Firmiliano de Cesareia, na Capadócia. Durante toda a controvérsia, a posição de Cipriano era a de que todos os bispos eram livres para discordar neste ponto. Então, para Cipriano, o desacordo era sobre a soberania local de cada bispo. Em outras palavras, Cipriano via isso como um problema de oikonomia (literalmente, “administração da casa”) e disciplina local, e não como assunto formal da doutrina. É por isso que ele estava tão transtornado com as delcarações do Papa Estevão de que quem rebatizasse seria condenado. Porém, novamente, Cipriano NUNCA chamou Estevão de herege, e NUNCA rompe a comunhão com Roma. Ele apenas acreditava que Roma estava sendo injusta neste ponto, e que o Papa Estevão estava se intrometendo nos direitos próprios de Cipriano como bispo.

Quanto aos apoiadores de Cipriano, nem entre os bispos africanos ele tinha completo apoio. Na verdade, os bispos da Mauritânia que participaram do Concílio de Cartago seguiam o mesmo costume de Roma e não rebatizavam os hereges. É por isso que o concílio formalmente diz que os bispos são “livres para discordar” nesta matéria. E não só isso. Na conclusão do Concílio de Cartago, Cipriano manda legados ao Papa Estevão em Roma, pedindo-lhe para ratificar a decisão Africana. Por que faria isso se ele e seus colegas Africanos não reconheciam a autoridade romana? O Papa Estevão, no entanto, em um ato admitidamente pouco caridoso, recusou-se a receber a delegação africana. E é por ISSO que Cipriano voltou-se ao Oriente, tentando encontrar algum apoio ali.

No entanto, Cipriano não conseguiu encontrar ninguém no Oriente para apoia-lo, isto é, além de Firmiliano na Capadócia. Os dois patriarcados orientais de Alexandria e Antioquia ficaram do lado de Roma! Nós sabemos com certeza que Alexandria (na pessoa de São Dionísio) aceitou a ordem romana, pois, um ano depois da morte do Papa Estevão, o Patriarca Dionísio de Alexandria mandou uma carta para o seu sucessor, o Papa Sixto II, pedindo-lhe sua decisão acerca do caso de um egípcio, que era formalmente um herege, mas que procurara a comunhão com a Igreja, e que pedia para ser rebatizado porque acreditava que o batismo dos hereges não fora feito corretamente. Dionísio perguntou a Sixto se seria correto rebatizar este homem.

Então, Firmiliano na Capadócia era o único bispo oriental que tomou o partido de Cipriano contra o Papa Estevão. E ambos Cipriano e Firmiliano estavam errados! Depois os bispos de Cartago não mais rebatizaram hereges, e São Basílio Magno, sucessor de Firmiliano na Cesareia de Capadócia, também não rebatizou os hereges.

Quanto a Cipriano e Firmiliano, nenhum deles negou o primado de Roma. Por exemplo, mesmo criticando o Papa Estevão, Firmiliano escreveu:

“Mas quão grande é seu erro [do Papa Estevão], quão grande a sua cegueira, que diz que a remissão dos pecados pode ser conseguida nas sinagogas dos hereges, não perpetuando assim a fundação da única Igreja, que fora primeiramente estabelecida por Cristo sobre a Pedra […] E aqui, sobre este assunto, estou justamente indignado com esta insensatez aberta e manifesta de Estevão, logo ele que se orgulha tanto de seu lugar entre o episcopado, e sustenta que ele guarda a sucessão de Pedro, sobre quem as fundações da Igreja foram colocadas, introduz muitas outras pedras (os hereges), e constrói o novo prédio de muitas igrejas, ao manter por sua própria autoridade ele que há Batismo entre eles. Estevão, que se proclama ocupante da sucessão da Cátedra de Pedro, não é movido pelo zelo contra os hereges.” (Epístola de Firmiliano a São Cipriano, LXXV)

Em suma, Firmiliano não discute a dignidade que Estevão possui. Ele somente pensa que Estevão pessoalmente é indigno dela. Quanto a Cipriano, claramente também era um “papista”. Muito antes do conflito com Estevão, Cipriano escreveu o seguinte ao Papa Cornélio, em Roma:

“Com falsos bispos nomeados para si, eles (hereges novacianos) ousam mesmo viajar e levar suas cartas de cismáticos e blasfemos à Sé de Pedro e à principal igreja, na qual a unidade sacerdotal tem a sua origem; eles também não se lembram de que estes são Romanos, aqueles cuja fé fora enaltecida pelo Apóstolo, e a quem a fé herética não pode atingir.” (Cyp. ad Cornelius).

Para Cipriano, a Igreja de Roma era a “principal igreja” e a FONTE de unidade entre os bispos. Ele tinha como primacial a “Sé de Pedro” – porque seu bispo sucedia o próprio Pedro. De fato, em outros momentos, Cipriano chama Roma de “útero e a raiz da Igreja Católica”, e mesmo durante seu conflito com Estevão, Cipriano nunca abandonou esta visão. Por exemplo, na época da contenda, Cipriano mandou um informe a Estevão, dizendo-lhe que o bispo Marciano de Arles juntara-se ao partido do antipapa Novaciano. O Papa certamente já havia sido informado disso pelo bispo Faustino de Lyon e por outros bispos da Gália. Ainda assim, Cipriano (mesmo claramente não sendo nenhum fã de Estevão a essa altura) avisa o Papa, dizendo:

“Você deveria mandar muitas cartas íntegras aos nossos irmãos bispos da Gália, não permitindo mais que o obstinado e orgulhoso Marciano insulte nossa sociedade. […] Portanto mande cartas à província e ao povo de Arles, para que, excomungando Marciano, outro possa ser colocado em seu lugar […], pois todo o copioso episcopado é unido pela cola da concórdia mútua e pelo laço da unidade, para que se algum de nossos irmãos ameace cair em heresia e assim lacerar e devastar o rebanho de Cristo, os outros possam prestar socorro […] Pois embora haja muitos pastores, todos alimentamos um só rebanho.” (Cipriano, Ep. LXVIII)

Aqui, Cipriano está explicando ao Papa porque ele tomou a liberdade de interferir, e ele atribui ao Papa o poder de depor Marciano e ordenar uma nova eleição. Então, Cipriano NUNCA acreditou que Roma carecia de autoridade primacial ou que ele estivesse fora da comunhão com Roma.

>>>>>>O outro Africano, Agostinho, também não estava em comunhão com Roma quando morreu. Nem Tertuliano (embora se possa argumentar que ele era um herege, de qualquer forma).

Você está dizendo que Santo Agostinho de Hipona não estava em comunhão com Roma quando morreu? Me desculpe, Sr. Lawhorn, mas esta é uma afirmação ridícula, e você não tem absolutamente nenhuma razão para fazê-la. Você deve estar se referindo ao conflito de Agostinho com o Papa Zózimo, que ordenou a reabertura do caso contra Pelágio (inimigo de Agostinho) depois que o Papa Inocêncio condenara o pelagianismo. Porém, Zózimo também terminou condenando o pelagianismo. E ao passo que Agostinho claramente não estava satisfeito com Zózimo rever o caso, ele e seus irmãos africanos nunca romperam a comunhão com Roma por isso. Além disso, o Papa Zózimo morreu em 418 d.C., e Agostinho morreu em 430 d.C., 12 anos depois, e MUITO depois que a controvérsia já estava resolvida.

>>>>>>>E como a maioria dos primeiros Padres da Igreja escreveu em Grego e eram ou da Europa Oriental, ou da Ásia, ou da África, a Igreja Ortodoxa – que também considera estes Padres como santos, e descendentes diretos de si, e possui uma teologia idêntica à deles – parece ser a mais velha entre as duas [Igrejas].

Bem, como eu ilustrei acima, “aparências” podem enganar. Você não está vendo a história completa, nem avalia maduramente sua própria herança bizantina, que não representa integralmente a tradição Grega.

>>>>>>Quero dizer, sua teologia não é idêntica àquela dos Padres do Oriente ou mesmo dos primeiros Padres de sua próprio localidade, e parece mais ser um produto da Ortodoxia revisada e expandida por inovações.

É verdade que a Igreja do Ocidente usa algumas construções teológicas que não eram usadas pelos Padres de língua grega. Mas, e daí? Os Padres de língua grega baseavam sua linguagem filosófica na de Platão – um pagão. A Igreja do Ocidente (depois do Cisma) começou a pegar emprestada a linguagem filosófica de Aristóteles – outro pagão. É por isso que as Igrejas do Oriente e do Ocidente tem sido incapazes de comunicar-se entre si por tanto tempo. No entanto, não é a linguagem teológica que é importante, mas o conteúdo por detrás dela. E o conteúdo da Teologia Católica é completamente Apostólico. As “inovações” que você percebe são na forma, e não no conteúdo.

>>>>>>>>>>Acredito que escrever qualquer coisa em defesa da idade dos Coptas e dos Armênios é injustificável, já que a Igreja Ortodoxa os antecede de qualquer modo.

Existem cristãos no Egito e na Armênia muito antes de Bizâncio. Além disso, como eu disse acima, nós católicos temos Coptas e Armênios em comunhão conosco. É atualmente uma Igreja composta de gregos aqueus, gregos antioquenos, e eslavos. O resto do Oriente está fora da nossa comunhão, mas está representado na Unidade Católica.

Retirado de: A VIDA SACERDOTAL

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Método de ensino dos protestantes condenado pelo de Jesus Cristo e dos Apóstolos

14 Quarta-feira Ago 2013

Posted by marcosmarinho33 in Da Doutrina, História da Igreja

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doutrina, fé, igreja primitiva, Reforma Protestante, Sagradas Escrituras, Sucessão Apostólica, Tradição da Igreja

‘Nós temos falado dos autores inspirados do Novo Testamento e de todos os seus escritos . A Igreja católica venera em extremo a revelação escrita, mas a completa pela tradição e interpretação de seu tribunal infalível. O protestantismo rejeita a tradição e até alguns dos livros santos. Os que ele admite considera-os como formando um código completo e tão claro que todos os fiéis ali podem achar, por si mesmos, o objeto de sua fé e a regra do seu proceder. Este princípio exprime-o a Reforma por estas palavras tão conhecidas: A Bíblia e nada mais que a Bíblia. Seguir-se-ia que, no pensar de Jesus Cristo e dos Apóstolos, a Escritura seria a única norma da fé e a única coisa importante e necessária nesta matéria. Mas nada é mais oposto ao seu procedimento e ao seu ensino do que esta falsa e absurda suposição. Jesus Cristo fala, prega, transmite a verdade de viva voz, mas nada escreve; nenhumas letras escritas por seu punho lega à sua Igreja. Diz muitas vezes aos seus discípulos: “Ensinai, pregai”; mas nunca disse: Escrevei. Os Apóstolos fazem como o seu divino Mestre: percorrem a Judeia, oram, pregam e nada escrevem; espalham-se pelo universo sem ter pensado em redigir esse código tão necessário aos homens e que devia bastar-lhes. Discorrem pelas cidades, províncias e reinos, e nem sequer pensam em instruir por meio da escritura. Um texto e nada mais, eis o que exige o livre exame protestante. Doze doutores e nenhum livro, eis o espetáculo que apresenta a Igreja cristã ao sair das mãos do seu Fundador. Falta, pois, nesse berço da religião nova, a própria matéria do exame, que é a Escritura. Finalmente os Apóstolos escrevem; mas de doze somente dois deixaram Evangelhos; e, ainda assim, não de seu modo próprio, senão obrigados por circunstâncias locais e particulares. S. Mateus escreveu a instâncias dos judeus convertidos na Palestina. S. João era quase centenário e morreria sem nada escrever se os fiéis da Ásia Menor lho não pedissem. O chefe da Igreja e o grande Apóstolo das gentes não deixaram Evangelhos. “Os ouvintes de S. Pedro em Roma, diz-nos Eusébio seguindo o testemunho de Clemente de Alexandria, rogaram a Marcos, seu discípulo, que escrevesse o que o Apóstolo lhes dizia a respeito de Jesus Cristo, e Marcos assim o fez.” S. Lucas escreveu do mesmo modo o que tinha sabido de S. Paulo.

O grande Apóstolo nunca escrevia quando fundava alguma Igreja e enquanto lá se demorava. Depois de partir, escrevia algumas vezes, mas sempre por motivos particulares. Se alguns falsos doutores invadem uma Igreja, escreve para os designar. Se lhe enviam esmolas, escreve agradecendo. Se sabe de algum escândalo, repreende  e adverte. Se lhe anunciam que tudo corre bem, incita e fortifica. Se lhe é noticiada alguma calamidade, anima e consola. Se vem consultá-lo um enviado de uma Igreja, de um simples fiel, ele dá ao enviado uma carta, em que responde, etc. “Dos escritos apostólicos, uns, diz um sábio prelado, são históricos, outros tem por objeto principal questões particulares; todos são marcados com um caráter prático e moral. Até mesmo em nenhum se nota a ideia de apresentar o sumário ou conjunto da fé, e todos foram dirigidos a Igrejas já existentes.” Vê-se que cada um dos Apóstolos escrevia não como quem compõe um livro, mas como quem se dirige a amigos e irmãos, cuja memória e tradição supriam as faltas.¹

É, pois, fora de dúvida, que Jesus Cristo estabeleceu na sua Igreja um ensino de viva voz e por tradição; mas em parte alguma se nota que estabelecesse um ensino pela Escritura, e ainda menos pela Escritura exclusivamente. “Cristo, diz S. João Crisóstomo, não deixou um só escrito aos seus Apóstolos.” Em lugar de livros, prometeu-lhes o Espírito Santo dizendo: “Ele vos inspirará o que haveis de ensinar”, o que levava Santo Agostinho a dizer também: “Nós somos os vossos livros”. É por isso que as pretensões dos hereges, nesse ponto, são tão insustentáveis que até foram rebatidas por apóstolos da reforma. Ochin, um dos mais célebres apóstatas que apareceram  no começo do protestantismo, tinha dito: “As Escrituras sagradas são claríssimas e encerram tudo quanto é necessário à salvação”; mas Calvino e Beze refutaram este absurdo do ex-franciscano feito protestante e corruptor. “Eles consideram como uma louca temeridade afirmar que não se precisa de doutores, porque basta a leitura da Escritura.”² Sobre esta questão fundamental, é de tal evidência a verdade que ela salta aos olhos até de seus mais fidagais inimigos.’

¹ Rohrbacher, Hist. da Igreja, t.II

²Discus. amig., t.I. – Mgr. Ginoulhiac, Hist. do dog., t. I, Introd.

 

(Trecho extraído do Capítulo I de Pe. RIVAUX. Tratado de História Eclesiástica. Brasília: Pinus, 2011.)

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Sermão do Fr. Bento da Trindade para o dia das quarenta horas, séc. XVIII

12 Segunda-feira Ago 2013

Posted by marcosmarinho33 in Da Doutrina, História da Igreja

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Bahia, Colonização, evangelização, história, História de Portugal, História do Brasil, Homilia, Pregação, Quaresma, Religião na Colônia, século XVIII, Sermão, Universidade de Coimbra

Este sermão foi transcrito do documento original disponibilizado digitalmente no sítio do Arquivo da Torre do Tombo, sob o código PT/TT/RMC/B-E/001/6354. Inclui despacho da Mesa para imprimir e voltar a conferir de 19 de Julho de 1784, mas não se sabe ao certo qual é a data exata do Sermão, mas somente que foi durante o século XVIII e que foi pregado na Catedral da Bahia. Segue a transcrição:

 

Sermão do primeiro dia de quarenta horas, pregado na Sé da Bahia pelo Padre Mestre Doutor Frei Bento da Trindade, Opositor às Cadeiras de Teologia da Universidade de Coimbra, Qualificador do Santo Ofício, e Examinador das três Ordens Militares.

Non in comissationibus et ebrietatibus; non in cubilibus et impudicitiis; sed induimini Dominum Iesum Christum. – Não vos entregueis aos exessos de comida, e bebidas; Não aos da impudicícia, e da impureza; mas vesti-vos da graça de Jesus Cristo. I Paul. Ad. Rom. 13, 12.

Antiga Sé da Bahia

Esta era a breve exortação, que São Paulo dirigia aos primeiros fiéis habitadores de Roma. Querendo apartá-los dos excessos, que um desgraçado resto de seu abjurado gentilismo deixava entrever ainda nos seus costumes, o Apóstolo lhes lembrava as novas obrigações da sua vocação ao Evangelho, a sublime santidade do Cristianismo que haviam abraçado, e a grande incompatibilidade de suas desordens com a sua profissão. Persuadiam-lhes vivamente a frugalidade nas suas mesas, a isenção de todas as ações de impureza, e de todos os espetáculos, e divertimentos semelhantes aos dos Gentios. Renunciai, dizia ele, todas as obras das trevas[1], e vesti armas de Luz. A noite de vossas superstições, e impiedades é passada[2] na renúncia solene, que fizestes no Batismo, do mundo, e de suas pompas. Um dia mais luminoso, e mais sereno se seguiu às vossas antigas trevas. Outras festas mais augustas, outros prazeres mais doces, outra alegria mais sólida, outra mesa mais deliciosa, mais Santa, mais Divina, deve interessar vossos cuidados. Não são já os divertimentos profanos, e gentílicos, que devem recrear o vosso espírito, não os indignos excessos de comidas, e bebidas, não as ações vergonhosas da impudicícia, e da Luxúria; mas os inocentes prazeres da virtude, as doçuras verdadeiras da graça de Jesus Cristo, e as delícias inefáveis de sua sagrada Mesa. Non in comissationibus et ebrietatibus; non in cubilibus et impudicitiis; sed induimini Dominum Iesum Christum.

            Mas se uns erros, ou abusos escapados talvez mais à ignorância do que à malícia daqueles primeiros Fiéis, excitavam tão vivamente o zelo do Santo Apóstolo; que seria se ele ivesse observado a dissolução dos nossos divertimentos? Qual seria o seu horror, e o seu espanto, se ele tivesse visto nesta terra os excessos praticados nestes dias? Que diria, se tivesse visto o Cristianismo expirante, e quase abolido entre nós? A modéstia e a decência proscritas, e o sexo antes depositário do pudor, rompendo todos os diques da retenção, e do recato? Que diria, se ele tivesse visto os sexos confundidos, encobrindo em seus rostos a imagem, e semelhança de Deus, para tomar as Liberdades da mais impudente idolatria? O demônio atraindo a seu partido quase toda uma Cidade, que se atribui a qualidade de Cristã? Usurpando ao Altíssimo as adorações devidas; e opondo à Santa quarentena do jejum, e penitência, que vai a principiar, outra quarentena ímpia, que acaba[3], de abominações, e de escânda-los? Que diria, (?)sena-solenidade deste Tríduo, que nos devia dispor para entrarmos dignamente nos dias de salvação, ele visse os nossos Templos desertos, as santas solenidades sem concurso, Jesus Cristo abandonado, e quase solitário no Divino Sacramento, sem que a sua presença contenha tantas desordens, ou acabo de atrair tantos desgraçados desertores de sua Mesa, e do seu Templo? Que diria… mas eu me encho de horror, e não me atrevo mais a introduzir a S. Paulo no meio de uma dissolução tão excessiva. Que diria pois, eu não digo já o Santo Apóstolo, mas um gentio, um infiel, um estrangeiro à vista disto? Que? São pois estes, diria ele, os divertimentos de um Povo, que se preza de Cristão? E que diz ser a nação especializada de Deus, Povo de escolha, e de benção, gente Santa? Genus electum, populus in acquisitionem, gens santa[4]? É este aquele Povo, que nos chama infiéis? Que Insulta os nossos ritos, costumes, e nos exagera a sua probidade, a sua ética, e as suas virtudes em preferência aos mais Povos? É este, enfim, o Poo que adora a um Deus crucificado, que crê a sua presença no Sacramento do Altar, e que diz que o recebe nas espécies de pão? E que? Deixa ele ao Deus a quem adora para se recrear com o demônio, e com o mundo, que renunciou em seu Batismo? Deixa uma Mesa, que confessa ser Divina, e em que recebe o seu Deus, por uma mesa profana? Que contradição tão monstruosa! Que incompatibilidade tã horrível de máximas, costumes! Não, o Sol não ilumina algum Povo mais incoerente e dissoluto. Os climas, e os Países mais agrestes, as Seitas mais bárbares, os Povos mais dissolutos, não excedem a dissolução destes Cristãos; os bosques, e as brenhas mais incultas da Ásia, e da África não produzirão já mais habitadores… Suspendamos, Senhores, estas tristes reflexões, vós vos ofendereis talvez; mas permiti pela glória do Senhor, que vos faça ver neste discurso, todo o Terror de uma desordem tão escandalosa, ultrajante à nossa profissão, e Cristandade. Para isto eu não tenho mais que repetir-nos as palavras do Apóstolo, elas bastaram para converter a meu Padre Santo Agostinho; faça o Céu que elas produzam em algum de nós o mesmo efeito. – Não vos entregueis nestes dias aos criminais excessos da gula, e da impureza – Non in comissationibus et impudicitiis – Mas buscai a graça de Jesus Cristo, que hoje se nos oferece na mesa do Sacramento – sed induimini Dominum Iesum Christum – Eis aqui pois o meu assunto: A preferência infinita e incomparável das delícias da graça de JESUS Cristo no Divino Sacramento, sobre os falsos prazeres que o mundo nos oferece nestes dias. – Exurge in adjutorium meum Domine Deus salutis mea.       (?)princípio.

Inimigo cruel das nossas almas, cujo nome odioso não merece proferir-se, soberbo, (?)pretendido rival da glória do Onipotente,  tu tens triunfado enfim nestes dias desgraçados. Eis aí uma bem grande colheita, que nós tivemos a desgraça de por nas tuas mãos. Os quarenta dias passados de desordem te compensam largamente dos golpes que se te preparavam nos quarenta dias futuros da nossa reconciliação e penitência. Demos-te enfim tantos dias para exercitares sobre nós a tua escravidão, quantos a Igreja nos pede para nos pede para nos poder livrar dela. Tiveste enfim teu tempo. Recebemos de ti as Leis que ti nos quiseste impor. Entregamo-nos à tua descrição. Tens sido enfim bem obedecido, bem servido. Legislaste, venceste, triunfaste.

A Bahia (por que enfim, ó meu Deus, para que dissimular uma verdade, injuriosa sim e humilhante; mas que tem sido tão escandalosa, e tão notória?), a Bahia se deixou abandonar aos maiores excessos. A prostituída impudente de que fala o Evangelista Profeta no seu Apocalipse[5] fingindo abrir seu rosto, se mostrou mais descarada, e fez beber o veneno da taça dourada, que traz nas suas mãos, os desgraçados cúmplices da sua impudicícia: A desenvolta Babilônia parece que quis encher a medida de seus crimes: O Israel do Senhor adotou todas as abominações da Samaria, e dos desses estrangeiros Toda a Carne parece ter corrompido seus caminhos[6]. A abominação anunciada no Evangelho[7] quase se quis elevar no Lugar Santo. Saiu da Filha de Sião todo o seu Lustre[8]. Viram seus inimigos a sua ignomínia, e o seu opróbrio, e fizeram zombaria de suas solenidades[9]. Falemos sem figura Senhores, e tiremos de uma vez a máscara à desenvoltura , e à impiedade. Abandonou-de o Povo aos maiores excessos da Liberdade, e da desordem. Rompeu a Libertinagem quase todos os obstáculos da modéstia e da virtude. Desprezaram-se não só as Leis do Evangelho, mas as da probidade, e da decência. Tudo tem sido tolerado nests dias. Chegaram as Cerimônias da Igreja a dar assunto a espetáculos ridículos. Viram-se os Templos desertos nos dias de suas festas enquanto a extensão de seus átrios apenas podia abranger a multidão de concorrentes de um e outro sexo. Viu-se (Ó meu Deus, e poderei eu dizê-lo sem cobrir de confusão estas sagradas paredes?), viu passar com pompa, e solenidade o Divino Sacramento[10] entre as extensas alas de expectadores mascarados, e de mulheres manifestas em traje de outro sexo sem disfarçarem o próprio.

Inaudito excesso de irreligião, e impiedade, tu não eras ainda conhecido entre nós. Os séculos precedentes ignoraram totalmente este novo modo de insultar a presença real de Jesus Cristo no Divino Sacramento. No seio da Cristandade não se havia observado um semelhante espetáculo. Nossos Pais não tinham visto o Corpo de Jesus risto rodeado de adoradores com uma máscara ridícula no rosto. Esta nova impiedade estava só reservada para comparecer em nossos dias. E vós, adorado Redentor, vós não haveis talvez sofrido ainda nesse Divino Sacramento um ultraje semelhante. Na vossa Pão tínheis tolerado, é verdade, aos algozes, que vos cobriam o rosto[11], para vos oferecer adorações irrisórias; mas hoje por uma contradição não menos ímpia os mesmos que vos adoram com outra igual reverência cobrem ridiculamente o seu rosto, e tem o sacrílego arrojo de comparecer desta sorte, não só diante de vós, mas ainda junto a vós. Céus, como pudestes sofrer um semelhante atentado? Astro brilhante do dia, como não escondeste então as tuas Luzes!

Mas não Senhores, não espereis aqui de mim,  que eu levante a minha voz para clamar altamente contra este horrível desacato. Eu me não sinto com forças. A minha vos desfaleceu. O sangue se me gela nas veias, e euonfesso Senhores, que me envergonho, e contundo de vos recordar aqui verdades tão odiosas. Ocultemos antes esta nossa ignomínia em um eterno Silêncio. Não saibam os infiéis estas tristes anedotas, e este humilhante opróbrio da nossa Religião e Cristandade. Mas de que vale ocultar uma verdade tão notória? E por mais que quardemos silêncio nestes criminais abusos, não grita o escândalo mais do que todas as nossas invectivas? Que? Podemos nós dissimular a nossa dor vendo ao Divino Sacramento ultrajado deste modo? Podemos ver sem horror os nossos Templos desertos na hora dos Sacrifícios, enquanto as ruas, e praças se acham tão cheias de ociosos de um, e de outro sexo? Podemos ver tanta repugnância, e dispersão nesta solenidade augusta, e tanto gosto e concurso na ociosidade, nos divertimentos, nas danças? E que danças, ó Deus meu! Podia o inferno exalar tanta infecção entre nós? O demônio com todos os seus artifícios poderia descobrir um meio mais eficaz para inspirar todas as abominações da impudicícia, e para banir de entre nós todo o resto da decência, e do pudor? Poderia jamais esperar-se que chegasse a este ponto a Liberdade do sexo tímido, covarde, piedoso? Ao mesmo tempo este é o sexo mesmo, que (?)afeta nesta terra envergonhar-se de ir de dia aos nossos Templos, e de comparecer nas Santas solenidades da Igreja. E que Senhores! Tanto pejo para buscarem a Deus no seu Templo, e tanta dissolução e Liberdade em se manifestarem em público em semelhantes espetáculos!

Da Madalena, diz engenhosamente meu Padre Santo Agostinho, que soube buscar a salvação em Jesus Cristo com uma Santa impudência[12] – quaesivit pia impudentia sanitatem – Por mais que a sua qualidade e o seu sexo parecesse condenar a piedosa Liberdade de sair só de sua Cara aos olhos de toda a Jerusalém para ir buscar ao Salvador na Casa do Fariseu; por mais que a ocasião de um convite parecesse intempestiva, e os assistentes malignos nos seus juízos; esta Santa pecadora não repara em coisa alguma, sufoca o seu pejo natural, e se eleva sobre os sentimentos vulgares, para procurar santamente resoluta a sua salvação e o seu remédio – quasivit pia impudentia sanitatem. – Hoje porém as pessoas do seu sexo, nesta terra, por uma contradição bárbara, ridícula, extravagante sufocam o justo pejo que lhes deviam inspirar as indecentes liberdades, e se envergonham impiamente de ir de dia aos nossos Templos. Mais diligentes, Deus meu, para comparece nos anti-Cristãos divertimentos, que nas santas solenidades da vossa Igreja. Mais sensíveis aos insípidos prazeres dos sentidos do que aos doces atrativos da vossaamável presença. Mais interessadas enfim nos excessos da gula e intemperança de suas mesas do que nas delícias inefáveis da mesa da Eucaristia.

Ah Senhor, quando vós instituístes este Divino Sacramento, o compêndio de todas as maravilhas do vosso amor, esperáveis vós experimentar tanto fastio, repugnância nos vossos Filhos para vos assistirem e receberem neste sagrado banquete? Esperáveis achar-vos abandonado no vosso Trono desconhecido, e rejeitado por aqueles mesmos por cujo amor obrastes tantos excessos? Esperáveis ver-nos entregues nestes dias aos excessos da gula, e da intemperança, enquanto vós nos ofereceis nesse adorável Sacramento a vossa Carne, o vosso Sangue, para nos nutrir docemente? E são, contudo, estes os vossos Filhos, o vosso Povo fiel, a vossa amada Conquista! – Haeccine redis Domine popule stulte et insipiens[13] – É pois assim que tu correspondes ao teu Deus, povo ingrato e insensato? Assim lhe pagas a fineza de te buscar, de te assistir, de te nutrir, de te amar com tanto excesso no Divino Sacramento? Ah! Um Deus exposto, e manifesto às vossas adorações não vos merece mais amor, mais atenção? Podestes dar ao mundo os quarenta dias passados, e não podeis dar ao Senhor quarenta horas de culto neste tríduo. A sua real presença não vale acaso o sacrifício de três dias de recolhimento, e de abstinência? Não tem a sua presença, e a sua graça alguns atrativos para vós? O seu sagrado banquete não excitará em vos mais do que náusea, e fastio?

Ide pois, Cristãos ingratos, esconder longe da presença do Senhor a vossa ingratidão. Ide preencher a medida dos vossos crimes. Ide acrescentar mais estes três dias aos quarenta passados da vossa dissolução. Ide alegrar-vos tristemente nesses recreios pagãos; mas levai convosco aquela terrível sentença do Senhor – ai de vós os que vos alegrais agora, tristemente à despesas da virtude; porque chorareis deveras algum dia – vae vobis, qui ridetis nunc: quia lugebitis[14] – Vinde vós na fala destes ingratos, ó verdadeiros Cristãos, vinde gozar aqui da presença do Senhor, e saciar-vos das torrentes de delícias da sua Divina mesa. Vinde desagravar a Jesus Cristo dos insultos que recebe dos ímpios neste tríduo, e dar-lhe um claro testemunho da vossa Fé, e do vosso amor. Vós aqui achareis no sagrado banquete outros prazeres mais sólidos, outro alimento mais doce, outras delícias mais puras, mais confortantes, do que o mundo pode dar-vos. Que vantagem para vós ser convidados à mesa do Bom Senhor com preferência a tantos outros! Que felicidade, gozar da sua presença, entrar em sua amizade, e recebê-lo nos vossos corações.

Ah quanto vós sois venturosos, dizia antigamente Moisés ao povo de Israel, quanto vós sois venturosos na proteção do Senhor que vos assiste no Tabernáculo? Quanto sois privilegiados entre todas as Nações do Universo nos benefícios e prodígios com que vos especializa e favorece! Considerai todos os Povos da terra, e vede se há algum tão favorecido de Deus, que tenha umas cerimônias tão augustas umas festas tão Divinas, e umas Leis tão adoráveis, e tão Santas, como as que eu hoje vos proponho – quae est alia gens sic ínclita, quae habeat ceremonias iustaque iudicia, et Legem, quam ego propono hodie?[15]  Como querendo dizer-lhes: Vós acabais de sair dos ferros do Faraó e de seu jugo duríssimo. O Senhor vos libertou com mil prodígios na força vitoriosa de seu braço. Ele iluminou o vosso especializado continente enquanto sepultou ao resto do Egito em escuríssimas trevas. Tem-vos conduzido sempre como pela mão no deserto: precede a vossa marcha na coluna viajante. Nutre-vos de um pão celestial e de uma água milagrosa: assiste-vos no Tabernáculo; protege as vossas Tribos no asilo da Arca Santa: está no meio de vês, e se faz singularmente o vosso Condutor, a vossa proteção, o vosso Deus. Comparai o vosso estado presente com o que a pouco deixastes, e reconhecei a preferência destes dias luminosos sobre os tempos obscuros da vossa escravidão. Comparai os ritos abomináveis dos Egípcios com as nossas Cerimônias; as suas festas impuras com as nossas Solenidades; as suas viandas insípidas com as delícias do maná; as suas horríveis divindades como Deus dos nossos Pais, e reconhecendo a preferência infinita desta felicidade sobre aquela desgraça, vede se há um toda a terra algum povo tão feliz, alguma religião tão Santa, algumas Leus, ou Cerimônias tão augustas como as que hoje contemplai – quae est alia gens sic ínclita, ut habeat ceremonias.

Augusto Legislador, Profeta Santo, extendei as vossas vistas até nós. Entrai hoje nos nossos Templos, observai os nossos mistérios, e reconhecei a incomparável preferência dos Cristãos sobre o Povo de Israel nas augustas cerimônias de nossa solenidade, nas Leis, e nos benefícios de Deus. Aparecei hoje aqui, e vós vereis ao Senhor executar aqui mais prodígios de amor no breve espaço de quarenta horas do que praticou antigamente nos quarenta dias que vos demorou sobre o monte; nos quarenta anos que conduziu a Israel pelo deserto, e mesmo nos quarenta séculos, que precederam a instituição daquele adorável Sacramento. Vos não achareis aqui já o Tabernáculo portátil, a Arca da Aliança, a nuvem caliginosa, o maná figurativo; mas achareis com infinita vantagem o espírito de significação dessas antigas figuras. Não achareis ao Deus majestoso de Sinai que faz-se conhecer sua presença ao povo aterrado com os raios e trovões, que fazem tremer o monte, ou com o fogo subterrâneo em que abrasa aos ímpios. Mas achareis a um Deus todo amor, todo doçura, que se faz pessoalmente presente às nossas adorações, que se mostra sem terror, que se familiariza sem reserva, e se dá sem distinção aos que o querem receber: um Deus, que nos nutre de sua Carne e de seu sangue, que entra nos nossos Corações, que se une intimamente a nós mesmos, que nos ama como Pai, que nos honra com a qualidade de seus Filhos, que nos comunica os seus dons, e a sua mesma Divindade. Um Deus que vem pessoalmente livrar-nos da nossa escravidão, que ilumina ele mesmo as nossas trevas, e acha as suas delícias em assistir entre nós. Ah! Que prodígio de amor e de Bondade! Verdadeiramente que não há alguma nação tão feliz, e gloriosa, que tenha suas divindades tão unidas a si como se une a nós o nosso Deus. – Non est alia natio tam grandis, quae habeat deos appropinquantes sibi, sicut Deus noster adest[16].

Não invejeis pois, Cristãos a felicidade do antigo Povo a quem o Senhor nutriu de Maná no deserto, nem a dos antigos Patriarcas, e Profetas a quem o Senhor comunicou mais abundantemente as suas luzes. Não invejeis o privilégio de Jacó, que o teve em seus braços[17], o de Moisés que o comunicou sobre o Monte[18]. Vós aqui gozareis outra familiaridade, outra doçura, outra abundância de graças incomparavelmente maiores. Não só comunicareis ao Senhor como Moisés, não só o tocareis como Jacó; mas o recebereis dentro de vós, e vos unireis intimamente a ele. – Ecce tibi conceditur non solum videre, et tangere, sed intra te sumere[19].

Atual Catedral Basílica de Salvador. Créditos: Osman Said, Flickr.

 

Buscai pois ao Senhor em quanto o podeis achar. Ah! Nestes dias desgraçados em que todos o abandonam, e em que o demônio lhe disputa tantas almas: quando os ímpios multiplicam contra ele os seus ultrajes então é que lhe devemos especiais homenagens, e serviços. Demos pois ao Senhor um testemunho manifesto de nossa fidelidade, isto é o mesmo JESUS Cristo que parece convidar-nos como em outro tempo a seus Discípulos; eis-me aqui reduzido só a vossa companhia, e assistência, dizia ele, esta é toda a porção de assistentes que me resta de um povo tão numeroso. Todos os mais me abandonaram, e se apartaram de mim, por ventura quereis vós também seguir o seu mau exemplo, e deixar-me como eles? – Nunquid et vos vultis abire?[20]

Povo Cristão, eis aqui pois os tristes dias em que o vosso Bom Senhor se acha quase só e abandonado de toda esta Cidade: ele se acha presente naquele adorável Sacramento só com uma pequena porção de assistentes; mas sereis vós tão desgraçados, que o queirais também deixar, e tomar o partido do mundo, e do demônio contra ele? – nunquid et vos vultis abire? – Oh! E que feliz ocasião de vos distinguir diante do vosso Deus, e de merecer a sua graça, e as suas recompensas! Que merecimento, e que glória para nós o consagrar estes três dias no desagravar por nossa fidelidade, e assistência da perfídia ingratidão dos maus Cristãos? Com que doce complacência nos veria Jesus Cristo entregues à Oração, e à Lição de um livro devoto nestas noites desgraçadas que tantos empregam em o ofender? Que espetáculo tão agrdável aos olhos do Senhor se algum dos que me ouvem se quisesse resolver a confessar-se e comungar, e prevenir o Santo tempo da quaresma com uma antecipada penitência!

Meu Deus do meu Coração, e que pouco é o que vós hoje me pedis em comparação do muito que vos devo? Que curto espaço é o de três dias de exercícios Cristãos em comparação de uma eternidade de glória que vós me prometeis se os aproveito bem, ou uma eternidade de tormentos a que me vou arriscar se os perder? Que vem a ser quarenta horasde recolhimento, e de oração por mais de quarenta anos que tenho passado em ofender-vos? Ah Senhor! Que [x] possa eu eternizar este breve espaço de tempo para o empregar todo em vos assistir, em vos servir, em vos amar. Eu vou pois, Senhor aproveitar esta comutação tão vantajosa; eu me sacrifico todo ao vosso serviço e ao vosso amor nestes dias, para que vós me compenseis com abundância de graça, com eternidade de glória.

Assim seja.


[1] Ad Rom. 13. 12.

[2] Ibd.

[3] Tinham acabado no dia antecedente, quarenta dias de máscaras.

[4] Ep. I. Petr. 2. 9.

[5] Apoc. 17. 2.

[6] Genes. 6. 12.

[7] Math. 24. 15

[8] Tenum. Thren. 1. 6. (?)

[9] Ibi. 7.

[10] Na procissão do Santíssimo Sacramento da Vitória

[11] Marc.14 65.

[12] I. Aug. Lib. 50. Nom. 23.

[13] Deuter. 32. 6.

[14] Luc. 6. 25.

[15] Deuter. 4. 8

[16] Deuter. 4. 7.

[17] Genes. 32. 26.

[18] Exod. 20.

[19] S. Ioan. Chris. Hom. Ad populum.

[20] Evang. Joan. 6. 8.

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Breve de Bento XIV aos Arcebispos e bispos do Estado do Brasil a respeito da escravidão dos índios e violências que lhes faziam, 1746

12 Segunda-feira Ago 2013

Posted by marcosmarinho33 in História da Igreja

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Índios, Breve, Colonização, excomunhão, História da Escravidão, História da Igreja, História do Brasil, Papa Bento XIV, portugal, roma

Este documento encontra-se arquivado e disponível digitalmente no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, sob o código PT/TT/AJCJ/AJ001/00001. A linguagem foi adaptada para a atual, enquanto a pontuação foi mantida. Neste Breve, o Papa Bento XIV reafirma a condenação à escravização injusta de índios no Brasil, fulminando-os com a excomunhão latae sententiae. O documento original em Latim foi traduzido e mandado publicar pelo bispo do Grão-Pará, D. Miguel de Bulhões. Data de 20 de dezembro de 1746. Segue a transcrição:

DOM FREI MIGUEL DE BULHÕES, da Ordem dos Pregadores, por mercê de Deus, e da Santa Sé Apostólica, Bispo do Grão-Pará, do Conselho de S. Majestade Fidelíssima, &c. fazemos saber, que informado o Santíssimo Padre Bento XIV, que felizmente governa a Igreja de Deus, das impiedades, e injustiças, com que eram tratados os Índios pelos habitantes das Índias Ocidentais, e Meridionais, os quais, até esquecidos das próprias Leis da humanidade, não só maltratavam os ditos Índios com atrozes injúrias, mas até lhes chegavam a tirar a liberdade, reduzindo-os injustamente às rigorosas condições do Cativeiro; de que se tinha seguido o lastimoso efeito de abominarem os mesmos Índios a conversão para a nossa Santa Fé: Para remediar tão perniciosas desordens ao bem comum da salvação daquelas Ovelhas, que pela sua mesma barbaridade, e ignorância se faziam mais atendíveis às suas paternas providências, expediu aos Prelados Diocesanos do Brasil, e mais Conquistas, sujeitas aos Domínios do Nosso Augusto Monarca, a Bula, e Constituição, que é do teor seguinte.

Aos Veneráveis Irmãos Arcebispos, e Bispos do Brasil, e dos outros Domínios, que o Nosso Caríssimo em Cristo Filho João, Rei de Portugal, e dos Algarves, possui nas Índias Ocidentais, e na América.

BENTO PAPA XIV.

            Veneráveis Irmãos, Saúde, e Benção Apostólica.

ImageA Imensa Caridade do Príncipe dos Pastores JESUS Cristo, que veio ao mundo, e se entregou a si mesmo pela Redenção do Gênero humano, para que os homens alcançassem a vida eterna; nos obriga a que, fazendo no mundo as suas vezes, posto que destituídos de merecimentos, nos inflamemos naquela mesma ardentíssima Caridade, que é a todas superior, para procurarmos com todo o desvelo pela nossa vida não só pelos Fiéis Cristãos, mas ainda por todos os homens em geral. E suposto que em razão da suprema administração da Igreja Católica, cometida às nossas débeis forças, nos vejamos obrigados a governar desde Roma, pelo costume, e Instituto dos nossos Predecessores, esta Santa Sé Apostólica, à qual concorre de todas as partes do mundo, cada dia com maior frequência, a República Cristã a buscar oportunos, e saudáveis remédios nos seus negócios, e espirituais necessidades: E posto que por isso não possamos visitar pessoalmente estas distantes, e apartadas Regiões, para nelas aplicarmos todo o imediato trabalho do nosso Apostólico ministério; e sacrificar a própria vida (como desejamos) pela salvação das Almas remidas com o precioso sangue de JESUS Cristo: contudo, porque não é conforme a nossa intenção, que nenhuma das Nações, que estão debaixo do Céu, experimente a falta da influência, da benignidade, e da providência Apostólica; daqui vem, Veneráveis Irmãos, (a quem a mesma Sé Apostólica uniu a si para cooperar na cultura da Vinha do Senhor,) que gostosamente vos chamamos para ajudardes em parte o nosso cuidado, e vigilância Pontifícia; a fim de que juntamente com ela possais mais, e mais satisfazer a este grande encargo, e merecer com mais facilidade a Coroa, que o Céu destinou aos que legitimamente combatem pela Causa de Deus. Bem notório vos é quais, e quantos tenham sido os trabalhos, e quais, e quantas as despesas, que tem aplicado, e feito, com ânimo alegre, e constante, não só os Pontífices Romanos, nossos Predecessores, mas também os Príncipes Católicos mais beneméritos da Religião Cristã, para que os homens, que viviam nas trevas da ignorância, e repousavam debaixo da sombra da morte, fossem atraídos ao conhecimento da verdade eterna pelos Operários Evangélicos; ora com as Pregações; ora com os exemplos; ora com os prêmios; ora com as dádivas; ora com os benefícios; ora com os socorros; ora com os conselhos; para fazerem resplandecer entre eles a luz da crença Ortodoxa. Da mesma sorte vos é bem manifesto com quantas dádivas, com quantos benefícios, com quantos privilégios, com quantas prerrogativas, se procurou sempre sucessivamente aliciar os Infiéis, para que abraçassem a Religião Cristã; e para que permanecendo nela com boas obras de piedade, consigam a salvação eterna. Por isso não pudemos ouvir sem dor gravíssima do nosso paternal ânimo, que depois de tantas admoestações da Apostólica Providência dos Romanos Pontífices, nossos Predecessores; e depois da publicação das Constituições, em que ordenaram, que se deviam socorrer os Infiéis no melhor modo; proibindo debaixo de severíssimas penas, e Censuras Eclesiásticas, que se lhes fizessem injúrias; que se lhes dessem açoites; que fossem metidos em cárceres; que os sujeitassem a escravidões; e que se lhes maquinasse, ou fosse dada a morte; tudo o referido não obstante, se acham ainda agora (principalmente nessas Regiões do Brasil) homens, que, fazendo profissão da Fé Católica, vivem tão inteiramente esquecidos da Caridade infusa pelo Espírito Santo nos nossos corações, e sentidos, que reduzem a cativeiro; vendem como escravos; e privam de todos os seus bens não só aos miseráveis Índios, que ainda não alumiou a luz do Evangelho; mas até os mesmos, que já se acham batizados, e habitam nos Sertões* do mesmo Brasil, e nas terras Ocidentais, Meridionais, e outras daquele Continente; atrevendo-se a tratá-los com uma desumanidade tal, que, apartando-os de virem buscar a Fé de Cristo, os fazem antes endurecer no Ódio, que contra ela concebem por aqueles motivos. Procurando Nós pois solicitamente, quanto com o Senhor podemos, ocorrer a estas tão deploráveis ruínas: Antes de tudo excitamos a eximia piedade, e nunca assaz compreendido zelo da propagação da Fé Católica, que resplandecem no nosso Caríssimo em Cristo Filho João, Rei preclaríssimo de Portugal, e dos Algarves: O qual pela filial reverência, que nos professa, e a esta Santa Sé Apostólica, nos segurou logo, sem a menor dilação, que ordenaria a todos, e cada um dos Ministros, e Oficiais dos seus Domínios, que castigassem com as gravíssimas penas, estabelecidas pelas suas Leis, todos os que fossem compreendidos na culpa de excederem com os referidos Índios a mansidão, e a caridade, que prescrevem os ditames, e os preceitos Evangélicos. Sobre o que por esta vos rogamos, e exortamos no Senhor, que de nenhuma sorte permitais, que a respeito de tão importante matéria falte em Vós alguma parte daquela vigilância, e cuidado, que são inseparáveis do vosso ministério, com grave detrimento das vossas Pessoas, e dignidades; mas que antes, unindo os vossos desvelos com as diligências dos Ministros Régios, deis a cada um deles as mais evidentes provas de que os Eclesiásticos, Pastores de Almas, abrasados com o fogo da Caridade Sacerdotal, se inflamam ainda mais, do que os mesmos Ministros, no zelo de socorrerem os Índios, e de os conduzirem ao grêmio da Igreja Católica. Além do que Nós de autoridade Apostólica, pelo teor das presentes Letras, renovamos, e confirmamos o Breve de Paulo III., de feliz memória, nosso Predecessor, expedido a D. João de Taveira, Cardeal da Santa Igreja Romana, e Arcebispo de Toledo, na data de XXVIII de Maio de M. D. XXXVII, como também o de Urbano VIII., de feliz recordação, também nosso Predecessor, dirigido ao Coletor geral, que, então era nos Reinos de Portugal, e dos Algarves, na data de XXII de Abril de M. DC. XXXIX. E insistindo nos mesmos decretos de Paulo, e Urbano, nossos Antecessores, para reprimir a ousadia, e a ímpia temeridade daqueles, que devendo atrair com todos os ofícios da Caridade, e mansidão Cristã os sobreditos Índios para receberem a Fé de Cristo, os apartam dela pela desumanidade, com que os tratam: vos ordenamos, e mandamos a Vós, e a vossos Sucessores, que cada um per si, ou pelos seus Ministros, assistindo com o socorro de uma eficaz proteção a todos os Índios habitantes das Províncias do Paraguai, do Brasil, da margens do Rio da Prata, e de qualquer outros lugares, e terras das Índias Ocidentais, e Meridionais; mandeis afixar Éditos públicos, pelos quais apertadamente se proíba, debaixo da pena de Excomunhão latae sententiae (da qual os transgressores não poderão ser absolvidos, senão por Nós, e pelos Romanos Pontífices, que nos sucederem, salvo se for no artigo da morte, dando primeiro uma competente satisfação) que alguma Pessoa, ou seja Secular, ou Eclesiástica, de qualquer estado, ou sexo, grau, condição, e dignidade, posto que dela se devesse fazer especial, e expressa menção; ou seja de qualquer Ordem, ou Congregação, ou ainda da Companhia de JESUS, ou de qualquer outra Religião**, Instituto de Mendicantes, ou não Mendicantes, de Monacais, ou de quaisquer Ordens Militares; e ainda da dos Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém; se atreva, nem atente daqui em diante fazer escravos os referidos Índios, vendê-los, comprá-los, trocá-los, ou dá-los; separá-los de suas mulheres, e filhos; despojá-los dos seus bens, e fazendas; levá-los para outras terras; transportá-los, ou por qualquer modo privá-los da sua liberdade, e retê-los em escravidão; nem tampouco dar conselho, auxílio, favor, e ajuda aos que isto fizerem, debaixo de qualquer cor, ou pretexto que seja; nem pregarem, ou ensinarem que os referidos fatos são lícitos; nem cooperarem para eles por qualquer modo, ou maneira: Declarando Vós os transgressores, e rebeldes, que vos não obedecerem aos ditos respeitos, por incursos na mesma pela de Excomunhão latae sententiae: E coibindo-os com todas as outras Censuras, e penas Eclesiásticas, e pelos meios mais próprios, e eficazes de feito, e de Direito; sem que sejam admitidos a apelarem destes procedimentos. No caso de não obedecerem ainda, guardada contudo a ordem do Processo, lhes agravareis as penas, e as Censuras, uma, e muitas vezes, invocando em vosso socorro, se necessário for, o auxílio do Braço Secular: Porque para tudo o sobredito, desde a eminência do Sólio Pontifício, vos damos, e concedemos a cada um de Vós, e dos vossos Sucessores, toda a plena e ampla faculdade. E isto, não obstantes as Constituições de uma Dieta ordenada por Bonifácio VIII., de feliz memória; a do Concílio geral das duas Dietas; e quaisquer outras gerais, ou especiais Constituições, e Disposições Apostólicas, estabelecidas em quaisquer Concílios Universais, Provinciais, ou Sinodais: Não obstante quaisquer Leis Munincipais, de quaisquer Lugares sagrados, ou profanos; e quaisquer Estatutos, e costumes, ainda roborados com juramento, e confirmação Apostólica, ou qualquer outra solenidade: E sem embargo dos Privilégios, Indultos, e Letras Apostólicas, que em contrário se tenham concedido, inovado, e confirmado: As quais todas, com as mais, que obstarem, derrogamos em geral, e em especial, por esta vez somente, e para o referido efeito, ainda que delas, e do que nelas se contém, se devesse fazer expressa, especial, específica, e individual menção; e que fosse necessário transladá-las pelas suas próprias palavras, e não por outras cláusulas, que dissessem o mesmo; ou se requeresse para isso alguma extraordinária forma, e solenidade, que se houvesse de guardar; porque havemos por expresso nas preferentes Letras o conteúdo nelas, ficando aliás sempre em seu vigor. E queremos que os traslados, e (?) transumptos destas Letras, ainda impressos, que forem subscritos por algum Notário público, e selados com o selo de alguma Pessoa constituída em dignidade Eclesiástica, valham, e tenham fé, e crédito em Juízo, e fora dele, como se fossem os próprios Originais. E Vós, Veneráveis Irmãos, empregados na guarda, e custódia dos vossos Rebanhos, procurai vigilantemente desempenhar com aquela diligência, zelo, e aplicação, que deveis, as obrigações do vosso ministério; lembrando-vos continuadamente da conta, que ao Eterno Juiz, e Príncipe dos Pastores, Jesus Cristo, haveis de dar das suas Ovelhas, e da que Ele vos há de tão estreitamente pedir: Porque assim esperamos que cada um de  Vós porá todas as forças das suas laboriosas fadigas, para que nesta tão excelente obra de caridade não falte em alguma coisa o benefício do vosso ministério. E entretanto, Veneráveis Irmãos, vos lançamos amantíssimamente para o bom sucesso desta Comissão a Apostólica Benção, com uma abundante cópia das celestiais graças. Dado em Roma junto a Santa Maria Maior, debaixo do Anel do Pescador, no dia XX de Dezembro do ano de M. DCC. XLI., e segundo do Nosso Pontificado.

D. Cardeal Passionei.

Impresso em Roma no ano de M. DCC. XLII.

Na Oficina da Revenda Câmara Apostólica.

E para que esta Constituição tenha a sua devida observância, a mandamos publicar: ordenando que, depois de publicada, se afixe em alguma das partes interiores da nossa Catedral; proibindo com pena de Excomunhão maior, a Nós reservada, que nenhuma Pessoa, de qualquer gênero, ou qualidade que seja, se atreva a rasgá-la, ou extraí-la da dita parte, sem especial licença nossa. Dada nesta Cidade de Belém do Grão-Pará, sob nosso sinal, e selo das nossas Armas, e passada pela Chancelaria, aos vinte e nove de Maio de mil setecentos e cinquenta e sete. E eu Manoel Ferreira Leonardo, Secretário de Sua Excelência, a escrevi.

Fr. M. Bispo do Pará.

Loco + figilli [Assinatura] ”

*”Sertões”: refere-se ao interior da América lusa, não necessariamente ao que hoje conhecemos como sertão.

**”religião”: refere-se às Regras adotadas pelo clero regular, não ao que hoje entendemos por religiões.

 

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‎”Foi Sempre privilégio da Igreja, Vencer quando é ferida, Progredir quando é abandonada, e Crescer em ciência quando é atacada.” (Santo Hilario de Potiers, Dr. da Igreja).

‎"Foi Sempre privilégio da Igreja, Vencer quando é ferida, Progredir quando é abandonada, e Crescer em ciência quando é atacada." (Santo Hilario de Potiers, Dr. da Igreja).

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