“Não são os cristãos que se opõem ao mundo. É o mundo que se opõe a eles quando é proclamada a verdade sobre Deus, sobre o Cristo e sobre o homem. O mundo revolta-se quando o pecado e a graça são chamados por seus próprios nomes. Depois da fase das ‘aberturas’ indiscriminadas, é tempo de o cristão reencontrar a consciência de pertencer a uma minoria e de estar muitas vezes em oposição ao que é óbvio e natural para aquilo que o Novo Testamento chama – e certamente não em um sentido positivo – o ‘espirito mundano.”
Recentemente, tenho visto uma onda de católicos (tanto os ‘não-praticantes’ quanto os de verdade) afiliarem-se ou mostrarem grande interesse e simpatia pelo Espiritismo. Com suas palavras e crenças açucaradas, para disfarçar seus erros, o Espiritismo oferece a todos a chance de viver uma vida de moleza com a consciência limpa de estar a caminho dos Céus. Como eu tenho muito trabalho em conseguir responder aos erros dos espíritas, e creio que muitos estão na mesma situação, peguei esse artigo no site Veritatis Splendor para me ‘preparar’ melhor. 🙂
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Psique e alma
Na psicologia moderna e no uso comum, entende-se por psique o conjunto das funções sensitivas, afetivas e mentais graças às quais o indivíduo tem experiência de si mesmo e da realidade externa. Este conjunto de funções se traduzem em representações de eventos, de fatos, de coisas e em necessidades, desejos, atos volitivos e intelectivos. O filósofo católico Jean Daujat evidenciou como foi a concepção cartesiana de alma (herdeira dos erros platônicos) criando uma grande confusão entre a religião e as ciências psicológicas porque considerou o corpo e a alma como duas substâncias entre si ligadas e não como dois princípios constitutivos de uma única substância.
Para Descartes, o homem é constituído por duas substâncias, um corpo material e um espírito puro: a alma habita no corpo, mas é independente e separada do corpo, uma espécie de piloto que guia a máquina – corpo. Esta concepção levou Descartes a dividir o estudo do ser humano em duas ciências: a fisiologia que estuda o corpo e a psicologia que estuda a alma.
Corpo e alma, na verdade, não são duas substâncias que se somam, mas os princípios constitutivos de uma única substância. Por isso, a psique não é o reino no qual age um espírito puro independente do corpo, mas é preciso considerar a existência da parte vegetal e animal da psique da qual se originam sensações e fantasias que fogem ao controle direto da vontade e da consciência e se situam abaixo da consciência (subconsciente). No subconsciente se situam, por exemplo, as imagens sensíveis que se encontram em nós sem que mantenhamos uma memória consciente: automatismos do instinto, automatismos adquiridos com o hábito, sentimentos (atrações, repulsões, agressividade, afetividade) que nos movem e nos influenciam e sobre os quais devemos, com esforço, dirigir a atenção da vontade e da inteligência para podermos tornar-nos conscientes e para poder guiá-los em direção ao que é bom objetivamente. A psique, então, não compreende apenas a parte da consciência e da vontade, mas também a parte do inconsciente – obviamente, entendido em sentido etimológico e não no sentido freudiano – na qual se move tudo o que há em nós de vegetal (vida orgânica) e de animal (funções da sensibilidade): isso constitui propriamente o subconsciente e é o lugar de onde se originam todos aqueles impulsos do comportamento situados abaixo da consciência.
No inconsciente se move também aquilo que há em nós de mais espiritual e do qual origina a manifestação da consciência e da vontade: a natureza imaterial da nossa própria alma e que constitui o supraconsciente.
Assim, há na alma uma estrutura e uma hierarquia extremamente complexa assim como a própria realidade humana, e nesta realidade profunda e misteriosa do ser humano tudo é ligado.
Da concepção cartesiana da alma como espírito puro independente do corpo e que constitui a psique, nasceu uma espécie de rivalidade entre a religião e as terapias psicológicas que, ao contrário, são autônomas e distintas nas suas respectivas esferas de ação. (1)
A distinção entre as realidades espirituais e as físicas, que se manifestam nas funções da psique, não deve, todavia, chegar ao limite da separação e, portanto, é desejável que se chegue a uma colaboração entre psicologia e religião com o objetivo de contribuir para melhorar a saúde da pessoa vista na sua totalidade física e espiritual.
A religião e, portanto, os sacerdotes, os moralistas e os teólogos devem ter em conta o fato de que muitas pessoas sofrem dificuldades no caminho do espírito por uma diminuição da liberdade determinada por mecanismos psicológicos errados e não de todo o consciente.
A psicoterapia deve ter em conta o fato de que nas zonas mais profundas da psique humana existe a memória e a necessidade do sagrado, e que o amor de Deus e a esperança da vida eterna representam a principal e mais potente motivação capaz de iluminar e encorajar o ser humano nas dificuldades da vida, capaz de suscitar e manter nele a vontade de curar, mesmo frente às dificuldades mais graves que superam as forças humanas.
São Tomás de Aquino, recorda Daujat, não caiu no erro de Descartes e, de acordo com Aristóteles, situou a ciência psicológica no campo da física de modo a não confundi-la com a metafísica. Mas o que é exatamente a alma e onde está localizada?
Platão localizava a alma no ponto de conjunção da medula espinhal com o cerebelo; Descartes na glândula pineal; J.C. Eccles – prêmio Nobel para a neurobiologia – nos módulos piramidais do córtex sensitivo-motor.
No entanto, para São Tomás de Aquino e para a doutrina da Igreja Católica – Concílio de Viena – a alma é o princípio vital do qual tem origem cada ação corpórea, a do aparelho locomotor como a da psique. A alma não está em um lugar particular do corpo porque é o arquiteto interior que dá forma à matéria informe, que estrutura a matéria de tal modo a fazê-la um ser vivo, é o princípio vital que unifica, organiza e harmoniza mesmo a menor parte do corpo penetrando na raiz e totalmente: pode-se dizer, com São Tomás de Aquino, que não é o corpo que contém a alma, mas é a alma que contém o corpo e o contém até quando continuem a permanecer em vida aqueles elementos corpóreos indispensáveis a assegurar a manutenção da unidade funcional do organismo.
Atualmente, a ciência médica considera que o organismo não esteja morto até quando reste o tronco cerebral em funcionamento, cuja vida assegura a manutenção da unidade funcional dos órgãos, embora numa condição de tipo vegetativo persistente. (2)
A existência da alma espiritual
Escreve São Pio X no seu Catecismo Maior: “a alma é a parte mais nobre do homem, porque é substância espiritual, dotada de intelecto e de vontade, capaz de conhecer a Deus e de possuí-lo eternamente. […] a nossa alma não se pode nem ver nem tocar porque é espírito. […] a alma humana não morre nunca: a fé e a própria razão provam que ela é imortal”. (3)
Sobre o termo alma, que deriva de ánemos (sopro, vento), se entende o princípio primeiro da atividade de todos os seres viventes.
No homem, a natureza da alma é imaterial, mesmo que ela informe o corpo e constitua com ele uma única substância: o modo de agir manifesta o modo de ser e algumas operações intelectivas e volitivas do ser humano, enquanto procedendo do corpo, transcendem o mundo material demonstrando que não podem ter o corpo como único sujeito.
A existência da alma espiritual é demonstrável por via lógico-dedutiva: ela se deduz da existência de três atividades humanas que transcendem o corpo e a própria matéria. Estas atividades são o conhecimento intelectivo (para não confundir com o simples conhecimento sensitivo), a autoconsciência ou consciência refletida ou reflexão, o desejo da felicidade absoluta e, portanto, da eternidade.
Conhecer no sentido intelectual não consiste no simples pegar, tocar, sentir ou ver as coisas com os sentidos e com o cérebro que é o centro de integração dos sentidos: o cérebro, de fato, é dotado de imaginação reprodutiva (capacidade de reproduzir o objeto visto), imaginação associativa (capacidade de associar as imagens dos objetos vistos) e memória (capacidade de conservar as imagens). Os sentidos têm a tarefa de registrar as coisas como se apresentam, mas somente a inteligência tem necessidade de colocar a pergunta “O que é isso?”.
Esta pergunta é o sinal de que, para o homem, nos dados provenientes dos sentidos resta um objeto a conhecer que os sentidos não podem capturar. Qual é, então, este objeto? Este objeto é a essência de uma coisa, aquilo pela qual uma coisa é o que é: o por quê existe e por que existe deste modo.
Por exemplo, enquanto com o olho vejo muitas plantas particulares, diferentes umas das outras, com o intelecto sou capaz de fazer abstração das diferenças das plantas particulares e de formar o conceito de planta que posso aplicar a todas as plantas, da salada ao pinheiro: primeiro processo abstrativo que capta a unidade extraindo-a da diversidade. O animal vê uma planta particular, mas é incapaz de conceber a característica unitária que junta todas as plantas. Em virtude desta capacidade abstrativa, o homem pode dizer: a planta pertence ao reino vegetal e não ao animal, como o cachorro, nem ao mineral, como o ferro. Ou seja, pode formular juízos que se aplicam a todas as plantas, a todos os animais, a todos os minerais. Para nós, seres humanos, esta operação de abstração intelectual é tão natural que não nos damos conta da existência desta capacidade pelos simples fato de que continuamente a colocamos em funcionamento de um modo todo natural, assim como colocamos para funcionar os nossos cinco sentidos. Esta capacidade abstrativa é mais evidente nos conceitos quantitativos de ordem físico-matemática, isto é, naqueles conceitos onde definimos a mensurabilidade das coisas pela sua grandeza. O comprimento, por exemplo, é uma palavra que serve para indicar uma propriedade comum das coisas (os objetos são mais ou menos longos), mas também para expressar a ideia ou modelo do comprimento que tem a propriedade do comprimento no grau máximo, isto é, infinitamente comprido. Esta medida máxima é uma ideia ou modelo que os sentidos não podem conhecer porque nenhum objeto que nós vemos ou tocamos tem totalmente esta propriedade, mas a recebe somente em parte de algo que transcende as próprias coisas: segundo processo abstrativo que consegue capturar a essência de um objeto sem o objeto particular, isto é, que consegue capturar a ideia diretriz, o projeto do qual teve origem a propriedade de uma coisa.
O nosso intelecto, assim, não somente conhece uma propriedade comum das coisas, pelas quais afirmamos que os objetos são mais ou menos longos – primeiro processo abstrativo que capta a unidade extraindo-a da diversidade – mas consegue também extrair desta propriedade unitária a sua medida máxima.
Depois do conhecimento sensitivo, então, o intelecto é capaz de obter um conhecimento ulterior e consegue ver, por exemplo, não somente que as coisas são mais ou menos belas, mas também conceber a ideia da beleza absoluta; consegue ver não somente que as coisas são mais ou menos compridas, mas também conceber a ideia do infinitamente comprido.
Quando definimos as coisas, a definição apresenta as coisas na sua essência e esta essência vem extraída fora da matéria, liberada da matéria (sem tempo, sem espaço), erradicada do seu contexto material, particular, limitado, finito. Por exemplo, quando digo que o homem é um animal racional, a definição do homem – animal racional – não implica, em si, nem dimensões, nem cores, nem idade, nem língua, ou seja, nada do que caracteriza os indivíduos singulares e que, portanto, não é comum a todos os homens.
Quando definimos as coisas, a nossa inteligência prescinde totalmente da matéria sensível. A definição apresenta as coisas na sua essência e abstrai de tudo aquilo que é sensível e material. Isso prova que a alma humana tira as essências do mundo da natureza e as “destemporaliza” e as “desespacializa”. (4)
Consideremos agora a autoconsciência ou o conhecimento refletido ou a reflexão: nós, seres humanos, não somente entendemos, mas entendemos que entendemos; junto ao scire, há o cum scire, isto é, junto à ciência existe a autoconsciência.
Uma faculdade puramente corpórea é estendida e conhece apenas de modo estendido, como uma parte pode retirar-se sobre outro, mas não o tudo sobre o tudo: o olho, sozinho, sem um espelho não pode ver a si próprio e o dente não pode morder a si mesmo. Ao contrário, a inteligência é consciente de si mesma, se retira completamente sobre si própria de modo a ser junto força cognitiva e objeto conhecido: o intelecto, para poder conhecer a si mesmo, deve se colocar de um ponto de vista diferente daquele do objeto de modo a poder observar-se como um objeto. De acordo com o princípio da não contradição (o qual diz que nenhuma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto), o intelecto, na operação da reflexão, pode ser ao mesmo tempo sujeito conhecedor e objeto conhecido, mas não pode sê-lo sob o mesmo aspecto: isto é, pode ser sujeito conhecedor e objeto conhecido, mas de pontos de consideração diferentes; sujeito conhecedor em algumas operações e objeto conhecido em outras.
A análise da vontade é análoga: também na vontade se verifica uma reflexão sobre si mesma, uma autovolição.
Como o intelecto conhece o seu conhecimento, assim a vontade pode querer a sua volição a qualquer custo: por exemplo, posso deixar de ler esse escrito apenas para querer demonstrar que o quero. (5)
Enfim, consideremos o desejo tipicamente humano da felicidade absoluta e, portanto, da eternidade. O ser humano deseja que os seus momentos de felicidade sejam tais para satisfazê-lo perfeitamente e tais, portanto, para não acabarem nunca. O desejo de felicidade absoluta comporta o desejo da imortalidade porque a felicidade absoluta não seria tal se tivesse que terminar com a morte. O desejo de imortalidade introduz o conceito de um tempo diferente do atual onde a felicidade não tem fim e que chamamos eternidade. São Tomás de Aquino explica que se pode desejar algo – mesmo de novo – mas somente a partir de algo que já se conhece.
Por exemplo, posso desejar caminhar no ar porque conheço a possibilidade de caminhar em terra e conheço a existência do céu; posso desejar a existência de formas de vida no universo porque conheço duas coisas: a vida e o universo.
Posso desejar uma felicidade absoluta, isto é, livre de vínculos e de limitações e tal, portanto, para não terminar nunca porque existe já em mim algo que tende à perfeição e à eternidade. Todo sujeito dotado de conhecimento deseja continuar no ser no modo com o qual conhece o ser: aquele que conhece o ser de um momento deseja somente esta existência momentânea, aquele que conhece o ser perpétuo deseja ser sempre, e enquanto nenhum desejo natural pode ser vão, este sujeito conhecedor deve ser sempre.
O próprio suicídio não é uma negação do desejo de felicidade perfeita e, portanto, imortalidade.
Na maior parte dos casos, o suicídio não é um ato de amor pela morte em si própria, mas uma fuga à dor.
Em alguns casos raros, o suicídio é o fruto da soberba, isto é, da desordenada estima de si mesmo. O soberbo pode chegar a refutar a sua dependência ao Criador até o ponto de querer ser dono do momento de sua morte. O filósofo ateu Friedrich Wilhelm Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, chega a exaltar “a livre morte, que vem a mim, porque eu quero.” Zaratustra não deseja a morte por si mesma, mas procura rebelar-se à sua condição de ser – mortal – dando-se a morte. (6)
A conexão entre a alma espiritual e o corpo
O homem é uma substância feita de alma e corpo; alma e corpo não são duas substâncias ligadas entre si, mas são a forma e a matéria da mesma substância homem.
Matéria e forma, em metafísica, são dois princípios constitutivos de uma mesma substância e não duas substâncias que se somam. Um pedaço de madeira, por exemplo, pode se tornar uma estátua ou uma cadeira, uma mesa. A madeira é a “matéria” que pode ter a “forma” da estátua ou da cadeira ou da mesa: a forma em metafísica não é o perfil externo de uma coisa, mas o princípio do ser de uma coisa, o ato que lhe confere uma determinada propriedade, que a faz ser aquilo que antes não era, que a organiza em um certo modo. A matéria, entretanto, é aquilo que vem organizado, aquilo que é capaz de receber um ato que lhe confira uma determinada propriedade. Depois que o material da madeira foi organizado em um certo modo, ele adquiriu uma forma: a forma de estátua ou de mesa ou de cadeira.
Dizer que a água é composta de oxigênio e de hidrogênio – isto é, de dois átomos que se unem – não é a mesma coisa que afirmar que a estátua é composta do material e da forma de estátua, porque a matéria e a forma da estátua não são duas substâncias que se somam, mas são dois princípios constitutivos de uma mesma substância.
A alma não está em um lugar particular do corpo, mas é forma corporis – a forma do corpo em sentido metafísico – isto é, o primeiro princípio que anima – põe em movimento – um ser de dentro, sem uma intervenção externa a ele, tornando-o um ser vivente. Se se observa um ser vivente em via de formação, tem-se que possui em si mesmo o princípio interior do seu desenvolvimento. Tal princípio interno apresenta, sobretudo, três características:
Põe em movimento a matéria de dentro;
Este trabalho de movimento e de desenvolvimento harmonicamente finalizado revela a presença de um projeto intrínseco ao vivente ou ideia – guia;
Como os diversos órgãos e as diversas partes do corpo são unificadas em um todo perfeitamente organizado, tal característica se chama forma: com este termo se quer indicar não tanto a figura externa, mas o princípio intrínseco de determinação e de unificação. (7)
Por unidade substancial do ser humano, então, deve-se entender aquela situação na qual a alma não está em um lugar particular do corpo, mas é o princípio vital que informa toda a matéria do corpo.
A filosofia que nega a unidade substancial do ser humano (condenada pela Igreja Católica no Concílio de Viena, onde se afirma que a alma é forma corporis) é errada, porque termina, mesmo sem querê-lo, por negar aquilo que afirma, isto é, a existência da alma.
De fato, se a alma e o corpo fossem duas substâncias, cada uma tendo um ser próprio distinto do ser da outra substância, a alma seria como uma espécie de guia e o corpo (cérebro incluso) seria a máquina a se guiar.
Desta maneira, não se entende como o guiador, uma vez que tenha decidido – e se trataria de uma decisão espiritual tomada pela alma – levar a máquina a uma certa direção (por exemplo, de afrontar um perigo), se puxe atrás e não consiga fazê-lo.
Se o guiador (que seria a alma) não consegue guiar a máquina do corpo, uma vez que tenha decidido, isso significaria – e é a consideração do filósofo Baruc Spinoza – que a alma não existe por si mesma, mas seria apenas um atributo do corpo.
A concepção dualista – isto é, a concepção segundo a qual o corpo e a alma são duas substâncias ligadas entre si – termina por negar a existência da própria alma, isto é, o fato de que a alma possa existir por si mesma. (8)
Para as substâncias puramente corpóreas, não pode existir a forma sem a matéria: por exemplo, a estátua não pode existir sem o material que vem organizado em estátua.
Na substância homem, entretanto, por via das operações espirituais do intelecto e da vontade, a alma deve subsistir por si mesma de maneira espiritual, ainda que sem a matéria que informa: subsistir significa existir por si e não em virtude de um outro ser.
Enquanto em todas as substâncias corpóreas quem tem o ser é o composto de forma e de matéria, no homem quem tem o ser é a alma a qual comunica ao composto assim que a substância homem existe em virtude do ser da alma. Para o homem, cujas operações intelectuais e volitivas demonstram a existência de um elemento não corpóreo – que, portanto, tem uma subsistência espiritual – tal elemento, que chamamos alma, deve continuar a subsistir necessariamente, mesmo se vem privada do corpo que é a sua construção, o seu modo de ser.
A natureza espiritual da alma exige que a sua origem seja devida a uma intervenção direta de Deus. De fato, a alma não pode ser produzida por substância material pré-existente sendo-lhe superior; nem pode ser produzida pela substância espiritual pré-existente dos pais. De fato, este tipo de geração exigiria que o espírito dos pais comunicasse uma parte de si, mas isto não é possível, porque o espírito não é divisível como a matéria. A alma por isso é criada diretamente por Deus no mesmo momento no qual acontece a fecundação humana.
A ação imediata de Deus não é uma ação especial de tipo milagroso porque faz parte da ordem e do plano natural do universo criado. (9)
Esta unidade substancial do ser humano – situação em que a alma não está em um determinado local do corpo, mas é o princípio fundamental que informa a matéria do corpo – explica bem as relações que intervêm entre a realidade material e a espiritual.
Com a unidade substancial do ser humano entendem-se os motivos pelos quais o homem não consegue sempre fazer o que quer – e se trataria de uma decisão espiritual do eu dotado de consciência e vontade. Os motivos são dois: os defeitos corporais e as desordens da alma.
Defeitos do corpo: o homem em estado de coma não pode agir, o intelecto de uma criança deve aguardar o desenvolvimento do cérebro para se manifestar. Após a morte, o eu espiritual subsiste necessariamente, mas de um modo que não podemos ter alguma ideia ou experiência. Trata-se de um estado violento não natural a ele enquanto separado do seu modo de ser (o corpo) e por isso não pode agir no mundo dos corpos, porque o seu corpo é o seu meio ordinário de ação: a sua possibilidade de ação pode depender apenas da livre iniciativa de Deus.
Desordens da alma: a rebelião contra Deus produziu a rebelião das potências inferiores da alma (paixões) contra as superiores (razão e vontade) pelas quais o próprio homem não faz o bem que quer, mas o mal que não gostaria.
Escreve Santo Agostinho: “a alma manda que a mão se mova, e a coisa acontece assim imediatamente que mal se distingue o comando da execução: e a alma é espírito e a mão é matéria. A alma depois manda a si mesma querer: se trata da mesma alma, e ainda não obedece. Como isso? Por quê? A alma, digo, ordena querer: não ordenaria se não quisesse, e, no entanto, não executa aquilo que ela mesma ordena. (…)
Não é (…) incrível que aconteça de querer e de não querer ao mesmo tempo, porque é uma fraqueza da alma (…).” (10)
O pecado de Adão e Eva feriu a natureza humana pela qual o projeto interior – a ideia-guia, isto é, a alma criada por Deus – não pode realizar-se de maneira completa e ordenada com a natureza contaminada que se encontra à disposição. O pecado dos progenitores feriu a matéria vivente para transmitir aos filhos. Depois do pecado original, a alma de cada ser humano realiza um trabalho de movimento, de desenvolvimento e de formação sobre uma matéria vivente que foi feita privada dos benefícios particulares dos quais Deus a havia dotado para poder responder às exigências da própria alma: de fato, tal matéria tornou-se corruptível e carrega consigo a marca de um conflito evidente entre os vários componentes psíquicos. Um conflito que faz o apóstolo Paulo dizer que a carne tem desejos contrários ao espírito.
Depois do pecado original, o eu espiritual criado por Deus, dotado de consciência e vontade, animando uma matéria vivente contaminada, submete-se a uma situação de desordem, não em sua essência, mas em suas operações.
O espiritismo e a reencarnação
O espiritismo e a reencarnação pressupõem uma concepção dualística platônico-cartesiana de alma e corpo que nega a unidade substancial do ser humano e leva, como vimos, à posição errada do materialismo.
Somente a oração a Deus é o meio ordinário para poder se comunicar com a alma separada violentamente do seu corpo. A alma privada de seu corpo não pode agir no mundo dos corpos, salvo por iniciativa de Deus: as técnicas do espiritismo são uma evidente forçação do mundo do espírito porque pretendem obter com esforços humanos somente aquilo que Deus pode conceder e, portanto, são negativas do ponto de vista do equilíbrio psicológico e espiritual e, por último, existe a suspeita razoável de que eles não estejam imunes à intervenção diabólica.
Escreve Carlos Aldunate no seu livro – O cristão frente ao paranormal – “Provocar esses fenômenos significa entrar voluntariamente no estado particular de receptividade que se chama TRANSE. Nele, o médium deixa de lado o seu espírito crítico e se faz transportar da sua própria sensibilidade. Por isso, o transe é um estado degradado do homem. (…) O médium em transe suspende as próprias capacidades superiores, por estar permeável às forças do inconsciente inferior (…).
Essas forças são desconhecidas: podem vir do inconsciente do médium, do inconsciente do cliente ou do inconsciente coletivo. Podem vir também de um espírito desconhecido, porque não há nunca plena segurança que venham do espírito invocado. Podem, enfim, vir de um demônio.
Certamente, não podem vir de Deus, porque Deus não pode ser captado e obrigado a responder às nossas perguntas.
Cria-se facilmente uma dependência dos espíritos; dependência que pode resultar bastante funesta.
Conhecemos vários casos nos quais a invocação dos espíritos provocou obsessões com vozes, sensações corporais, impulsos ao suicídio etc. (…) Se uma atividade é essencialmente insalubre para o homem, é sinal de que ela não é conforme à sua natureza, não entra na intenção do Criador. Aquela atividade é simplesmente contra a ética; não se deve realizar.
Os perigos das práticas espíritas, os efeitos perniciosos que frequentemente produzem, nos advertem que eles não devem ser realizados. O transe sempre comporta uma diminuição da clareza intelectual, do espírito crítico e da liberdade humana; portanto, deriva sempre uma diminuição da responsabilidade, que é a característica própria do homem adulto e maturo.
O homem em transe é como um homem mais ou menos drogado, um homem diminuído. Este transe se verifica no médium e também na pessoa que o consulta e que entra na sugestão desencadeada pelo médium. (11)
A doutrina da reencarnação é, na sua realização prática, como uma roda que parte de um ponto para retornar ao lugar de partida. A diversidade dos seres é momentânea, presente apenas nas existências intermediárias que se manifestam entre a partida e a chegada: minerais, depois plantas, depois animais, depois homens entre eles desiguais e enfim a igualdade e isto é um espírito perfeito, idêntico. Segundo tal doutrina, os homens seriam mais ou menos avançados dependendo se estiverem mais ou menos próximos do ponto de chegada, que é similar ao pleroma gnóstico: o pleroma gnóstico é uma espécie de magma originário e indistinto e o gnóstico Basílides o chama abertamente de nada.
Na doutrina da reencarnação:
Os homens não têm um ser próprio, uma identidade pessoal própria: de fato, eles não têm conhecimento das próprias existências anteriores, não podem traçar a própria continuidade e a própria unidade. Esta amnésia das existências precedentes está em contradição mesmo com a teoria da reencarnação, a qual pressupõe a existência de um espírito independente do corpo, isto é, de um espírito que está no corpo como uma substância de natureza completa e que, portanto, guia o corpo como o piloto guia a nave. De fato, se o espírito é uma substância em si mesma completa, no desencarnar deveria levar embora consigo as lembranças e, sem perder a posse delas, deveria entrar no novo corpo do mesmo modo como o piloto não perde as próprias lembranças no passar de uma nave a outra.
A ignorância das existências anteriores torna inútil a reencarnação. De fato, considerando a ignorância das existências precedentes, não se vê de que modo a reencarnação possa servir a favorecer o progresso individual. Para os reencarnacionistas, a doutrina da reencarnação serviria para fazer progredir os indivíduos através das vidas sucessivas correspondentes ao seu estado de avanço espiritual: esta seria a chamada lei do Carma. Para que o avanço do espírito possa ter lugar, ele deveria ser perfeitamente consciente da experiência adquirida em cada uma das existências precedentes, mas como se pode realizar um tal progresso se o espírito perde a lembrança das existências precedentes?
Os homens não têm mais uma verdadeira família: de fato, para a doutrina da reencarnação, os filhos já existiam antes que os genitores lhes concedessem um corpo no qual se encarnar. Antes de serem nossos – segundo tal doutrina – os filhos foram de outros genitores, que foram provavelmente também de outra família, de outra nação, de outra pátria, de outra raça. Os próprios genitores poderão se reencarnar em um corpo concedido a eles pelos filhos.
Os homens não teriam mais uma verdadeira identidade sexual: de fato, a reencarnação pode acontecer num corpo sexualmente diferente do precedente.
E não haveria verdadeira diferença entre o homem e o animal: porque podemos ter sido animais e podemos sê-los no futuro. (12)
Admitida a doutrina da reencarnação, se torna fácil, de um ponto de vista filosófico, justificar comportamentos desviados como o incesto, a homossexualidade, a zoofilia. Além do mais, deste núcleo filosófico reencarnacionista, é inevitável que tenham origem doutrinas contrárias à família e às justas e naturais desigualdades entre os homens.
Da doutrina da reencarnação deriva também uma concepção panteísta: o homem se salva por si através das sucessivas reencarnações e Deus termina por identificar-se com a soma de todas as coisas. Mas se não existe mais um Deus pessoal e transcendente, a natureza não é mais a obra do Criador, não é mais o fruto do logos, o resultado de um projeto racional e, portanto, não existiram mais nem verdade, nem leis, nem direitos absolutos, sagrados, invioláveis. A natureza se tornaria apenas uma espécie de material nascido do acaso, fruto de simples e momentâneas conexões de força, um material sobre o qual o mais forte tem o direito de exercer a sua força: ficaria um só direito e também um só dever, o da força.
Na realidade, o verdadeiro e autêntico domínio do homem sobre a natureza pode atuar somente através do conhecimento e o respeito das leis naturais.
A natureza não pode ser dominada atropelando-se as leis: a natureza se deixa dominar somente conhecendo-se as leis e as aplicando.
“O domínio concedido pelo Criador ao homem não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de ‘usar e abusar’, ou de dispor das coisas como melhor agrade.
A limitação imposta pelo mesmo Criador desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição de ‘comer o fruto da árvore’ (cf. Gn 2,16), mostra com suficiente clareza que, no que diz respeito à natureza visível, estamos submetidos a leis não somente biológicas, mas também morais, que não se podem impunemente transgredir.” (13)
Algumas objeções científicas à reencarnação
A regressão hipnótica seria, para os reencarnacionistas, prova da reencarnação.
Na realidade, no subconsciente acontece uma reelaboração caótica de todos os dados recebidos durante a existência e é possível que haja uma identificação com dados, histórias e acontecimentos depositados e reelaborados no inconsciente, identificação induzida pelo hipnotizador: o influxo do hipnotizador é evidente no fato de que, se sugere ao sujeito um retorno à infância, este age e fala como um menino; se lhe sugere ter sido um animal, este fala e age como um animal; se lhe sugere voltar a uma outra vida, começa a elaborar a história de uma outra vida. Além disso, as histórias dos sujeitos em estado de hipnose são sugeridas mais ou menos conscientemente pelos próprios hipnotizadores.
De fato, os sujeitos hipnotizados por Keeton aceitam o esquema do hipnotizador deles: declaram que todos são reencarnados logo após a morte.
Aqueles hipnotizados por Arnall Bloxham transcorrem longos períodos nas esferas astrais. Aqueles de Helen Wambach escolhem o sexo antes de se reencarnarem e aqueles de Edith Fiore se reencarnam entre parentes que se odeiam.
As famosas experiências do Deja vu são facilmente explicáveis com dados e elaboração dos dados que ressurgem do subconsciente seguidos a associações emotivas induzidas por imagens, sensações, lugares, pessoas, situações que contêm elementos análogos àqueles depositados no subconsciente.
Além do mais, a própria parapsicologia fornece instrumentos analíticos para demonstrar como muitos casos de suposta reencarnação sejam na realidade fenômenos de possessão. (14)
Bruto Maria Bruti
Notas:
1) cfr Jean Daujat, Psycologie contemporaine et pensée chrétienne, Téqui, Paris 1976
2) cfr Pierre Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni studio domenicano, Bologna 1997; cfr Gianfranco Basti, Il rapporto mente-corpo nella filosofia e nella scienza, ed. studio domenicano, Bologna 1991, in particolare da pag 265 a pag 269; cfr Tommaso d’Aquino S. Th., I,76,8c, eccetera; cfr Corrado Manni, Il risveglio dal coma? Attenzione a non dire eresie, Il Medico d’Italia, n.6, 7 marzo 1995, p. 9
3) San Pio X, Catechismo Maggiore, ed. Ares, Milano, sesta edizione 1987, n.50, 51, 52 p.22.
3) cfr San Tommaso D’Aquino, Summa Teologica I, q. 75, a. 5; citazione, Pierre –Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni studio Domenicano, Bologna, 1997, p.71
4) cfr San Tommaso d’Aquino, Summa teologica I, q.75, a.5; citazione, Pierre- Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni Studio Domenicano, Bologna, 1997, p.71
5) cfr San Tommaso d’Aquino II Sent. Dist.XIX q.I, 1, art.1; Summa contra Gentiles lib.II, cap.49; cfr Gabriele Paolo Carosi, Compendio di filosofia, ed. Paoline, Roma 1984, pp.396-397
6) cfr Ramòn Lucas Lucas, L’uomo spirito incarnato, compendio di filosofia dell’uomo, ed. San Paolo, Milano 1993, pag 314-330; cfr San Tommaso d’Aquino, Summa Teologica I, q. 75, a. 6
7) Pierre – Marie Emonet O.P., trad. it., in Pierre Marie Emonet O.P. e Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima Umana, ed. Studio Domenicano, Bologna 1997, pp.10-11.
8) cfr Armando Plebe, Storia del pensiero, vol.II, ed. Ubaldini, Roma 1970, pp.106-107
9) cfr San Tommaso d’Aquino, Summa Teologica I, q. 76, a. 1, q. 90, aa 2 –3; cfr Sofia Vanni Rovighi, Elementi di filosofia, vol. III, ed. La Scuola, Brescia 1963, pag 178; cfr Ramòn Lucas Lucas, L’uomo spirito incarnato, compendio di filosofia dell’uomo, San Paolo, Milano 1993, pp.288-299
10) S Agostino, Le Confessioni, ed. Paoline 1975, trad. di Aldo Landi, , libro VIII, cap. IX , p 257.
11) Carlos Aldunate, Il cristiano di fronte al paranormale, ed. Ancora, Milano, marzo ’94, pag.56-58
12) cfr Fernando Palmés S.J., Gli errori dello spiritismo, I Di oscuri, trad. it., Genova 1989, pp.388-392
13) Giovanni Paolo II, Sollicitudo rei socialis, n.3.
14) J. Head – L. Cranston, Il libro della reincarnazione, Milano 1980; H. Wambach, Life before life, New York 1979; E. Fiore, You Have Been Here Before, New York 1979; H. Sherman, Vivrai dopo la morte, Milano 1984.
A Tradição da Igreja é riquíssima. A Liturgia é prova viva disso. A Liturgia pode ser considerada um processo orgânico, vivo, que teve início com Moisés, e recebeu a sua “coroação” com a Instituição da Eucaristia, a Santa Missa. Atendo-nos a Liturgia da Santa Missa, vamos deixar de lado outros ofícios litúrgicos. Centrando-nos na Missa, vemos nela que “Cristo continua na sua Igreja, com ela e por meio dela, a obra da nossa redenção.” Nela, nós somos inseridos nas realidades dos Mistérios da Nossa Fé, o Mistério Pascal, o Sacrifício salvífico de Cristo. É por isso que, desde o seu início, a Igreja sempre teve a Eucaristia como central, pois se trata do próprio Deus vindo ao encontro dos seus filhos pecadores, para os redimir. Dito isto, fica claro que os ritos litúrgicos são a vida da Igreja.
Todavia, não há um só Rito da Missa. Como disse no começo, nossa Tradição é muito rica. Dada a catolicidade da Igreja, estabeleceu-se mais de um Rito para a celebração da Eucaristia. Todos, é claro, com a mesma fonte, o mesmo sacrifício. Porém, ritos diferentes.
Para começar, uma rápida explicação sobre o que forma a Igreja. A nossa Igreja, Una, Santa, Católica, e Apostólica, é formada por 23 Igrejas autônomas sui juris, todas elas em comunhão completa e subordinadas ao Papa. Muitas vezes se confunde a Igreja Católica com a Igreja Católica Latina, que é a maior delas e que abrange a vasta maioria dos católicos. Eu, por exemplo, e todos os católicos que conheço, somos dela. (atenção: não se confunda com igrejas cismáticas, como protestantes e ortodoxas). As outras 22 Igrejas são conhecidas vulgarmente como “Igrejas Católicas do Oriente”. Na Igreja Latina, por algum tempo houveram vários ritos litúrgicos, mas que foram substituídos por um só Rito Romano no Concílio de Trento, ainda que subsistam alguns ritos menores, como Ambrosiano ou Moçárabe). Já nas Igrejas Orientais, a chamada Divina Liturgia pode ser oficiada em mais de um Rito, como os Ritos Bizantino, o de Antioquia, o Alexandrino, o Caldeu e o Armênio.
Dada a seríssima crise de abusos litúrgicos, acho importante que nós busquemos conhecer mais (e quando possível, participar dessas Liturgias) sobre esse tesouro da Igreja, especialmente nesse tempo tão conturbado em que vivemos, em que a Tradição nunca foi tão perseguida e o Santo Sacrifício da Missa tão profanado.
Comecemos, então, pelo Rito Bizantino. Como meu conhecimento sobre esses ritos não poderia ser mais limitado, prefiro reproduzir aqui o texto de Monsenhor Pedro Arbex, sacerdote e teólogo melquita católico, A Divina Liturgia Explicada e Meditada: Introdução à Liturgia Bizantina. É um texto muito, muito bom, bem escrito, de fácil compreensão, e acho que é interessante até e principalmente para aqueles católicos de Rito Bizantino, porque ele faz uma descrição e análise da Liturgia que abrange todos os pormenores. O texto completo pode ser encontrado aqui: http://pt.scribd.com/doc/56579777/Divina-Liturgia-Explicada-e-Meditada e recomendo MUITO que leiam, especialmente a parte que fala sobre a Missa nos tempos apostólicos, e como chegou ao que temos hoje. Porém, aqui vou colocar somente a partir a parte que fala sobre a Missa Bizantina em si.
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Θεία Λειτουργία (Divina Liturgia)
“O Rito Bizantino tira o seu nome de Bizâncio, cidadezinha situada sobre o Bósforo, aos confins da Europa e da Ásia (na Antiga Ásia Menor, a atual Turquia). Constantino Magno transformou-a em cidade grande e lhe deu seu nome: Constantinopla, cidade de Constantino. Inaugurada em 330, passou a ser a Capital do Império Romano Oriental. Um de seus grandes e santos bispos foi São João Crisóstomo (398-404), morto no exílio em 407.
A Liturgia de Antioquia chegou até ela com as particularidades introduzidas por Cesaréia de Capadócia, sede episcopal de São Basílio Magno, (+379). Em razão da centralização civil e religiosa levada a efeito por Constantinopla, e das prerrogativas que lhe outorgavam os Concílios Ecumênicos de Constantinopla (381) e de Calcedônia (451, cânon 28) dando-lhe o nome de Nova Roma e o primeiro lugar após esta última, a cidade imperial tomou a preeminência no Oriente e as inovações, para serem legítimas, deviam ser aprovadas por ela; o Rito da capital difundiu-se rapidamente pelas províncias mais longínquas do Oriente Cristão, pela Europa e pela Ásia. No século XIII os patriarcados melquitas de Alexandria, de Jerusalém, de Antioquia, abandonaram seu antigo rito para adotar o de Bizâncio.
Em nossos dias seguem este rito mais de 200 milhões de fiéis entre católicos e ortodoxos, espalhados pelo mundo inteiro, até nas Américas. “Pode-se afirmar que, hoje, do ponto de vista da extensão geográfica e do número de fiéis, Rito Bizantino equivale a Rito Oriental, quase como Rito Romano a Rito Ocidental” (Salaville).
“Conhecer, venerar e conservar e fomentar o riquíssimo patrimônio litúrgico e espiritual dos orientais é de máxima importância para guardar fielmente a plenitude da tradição crista e realizar a reconciliação dos cristãos orientais e ocidentais (Decreto sobre Ecumenismo, 1_1)
“Longe de obstar a unidade da Igreja, certa diversidade de costumes e usos … Antes aumenta-lhe o decoro e contribui não pouco para cumprir sua missão” (Decreto sobre Ecumenismo, 16).
Há no Rito Bizantino três liturgias:
1. A Liturgia dos Pré-santificados: é antes um ofício de Comunhão solene. É celebrada às 4as e 6as feiras da quaresma, nas Catedrais.
2. A Liturgia de São Basílio.
3. A Liturgia de São João Crisóstomo.
Esta última seria uma abreviação da de São Basílio. É ela que se celebra quase todos os dias e que vamos tentar explicar.
A Missa de São João Crisóstomo
A Missa de São João Crisóstomo divide-se em 3 partes:
A preparação das oferendas ou da matéria do sacrifício;
A Liturgia dos Catecúmenos ou Liturgia da Palavra;
A Liturgia dos Fiéis ou Liturgia Eucarística.
Simbolismo
As cerimônias da Missa são cheias de simbolismo. E não é de estranhar, pois o próprio Cristo, como vimos, quis que a Eucaristia seja um memorial da sua paixão, morte e ressurreição. E a Igreja ordenou a Divina Liturgia de modo a nos lembrar a pessoa do Salvador e os mistérios da sua vida sobre a terra.
Quanto ao simbolismo, divide-se a Missa em quatro partes:
A primeira vai da preparação até a procissão do Santo Evangelho, e simboliza a vida oculta de Cristo.
A segunda parte vai da procissão do Evangelho até a procissão do ofertório, e simboliza a vida pública de Cristo.
A terceira parte vai da procissão do Ofertório até depois da Comunhão, e simboliza a vida padecente de Cristo (Paixão e morte).
A quarta parte vai de depois da Comunhão até o fim, e simboliza a vida gloriosa de Cristo.
Na Liturgia Bizantina o Celebrante é considerado mais como o guia, o introdutor dos fiéis ao banquete eucarístico, e seu porta-voz na sua audiência com Deus; como o pastor que “caminha diante do rebanho” para conduzi-lo às fontes da graça e da salvação. Ele é Cristo caminhando adiante de seus discípulos, quando subia a Jerusalém ao encontro de sua paixão e morte (Mc 10,32) que vai renovar misticamente sobre o Altar. Por isso não se adotou o uso de celebrar de frente para o povo. A Liturgia é também sacrifício.
Freqüentemente, porém, o celebrante volta-se para a Assembléia para transmitir-lhe os ensinamentos e os preceitos do Mestre e desejar-lhe a paz. Duas vezes anda no meio dela como fazia Cristo (procissão do Evangelho e procissão do Ofertório).
Primeira Parte da Missa
Preparação das oferendas ou Matéria do Sacrifício (Prótese) Esta primeira parte se faz secretamente, dentro do santuário, sem a participação dos fiéis, simbolizando assim os 30 anos de vida oculta que o Salvador passou preparando-se para o seu ministério público.
Após ter rezado as orações chamadas “Oração da porta”, porque se fazem diante da “porta santa”, que dá acesso ao santuário, e dos ícones do Salvador e da Mãe de Deus, o sacerdote entra no santuário, paramenta-se, lava as mãos e se dirige para o altar pequeno, chamado “Altar da Preparação”, ou Prótese, e situado à esquerda do altar-mor. Sobre ele acham-se já colocados os objetos que vão servir para o sacrifício, a saber: o cálice, a patena, o asterisco, os véus (grande e pequenos), o pão, a água e o vinho e uma pequena espátula (em forma de lança).
O pão do sacrifício só pode ser de farinha de trigo pura e com fermento. Chama-se “prósfora”, isto é, oferenda, oblata , porque eram os fiéis que o ofereciam para o sacrifício. Antigamente usavam-se 5 pães, mas hoje um só é suficiente. (E até está-se introduzindo o costume do uso de hóstias pré-cortadas.) De forma redonda, leva no meio a marca de um selo quadrado com as abreviações das palavras gregas que significam: “Jesus Cristo triunfa”. Esta parte carimbada formará a hóstia chamada “Cordeiro”, para lembrar o cordeiro pascal, figura de Cristo, o Cordeiro de Deus que veio à terra para tirar o pecado do mundo.
Com a lança o sacerdote tira da prósfora o “Cordeiro” que põe no meio da patena; e derrama vinho e água no cálice. Depois corta uma partícula (geralmente triangular, chamada “panaghia”), em honra à Virgem Maria, Mãe de Deus; e partículas em honra dos Santos e em intenção dos vivos e dos mortos; cobre o cálice e a patena com os véus; incensa as oblatas e recita a oração da oferenda que cada um dos concelebrantes deve rezar, mesmo se não participou da preparação da matéria do sacrifício.
Simbolismo da Prótese
A Prótese simboliza a manjedoura onde nasceu o Salvador. Mas, como ele nasceu para ser vítima, o sacerdote, representando o Espírito Santo realizando o mistério da Encarnação, extrai o Cordeiro do pão como do seio virginal da Santíssima Mãe de Deus, proferindo as palavras do profeta Isaías, que o mostrava vítima de propiciação para nossos pecados:
“Como uma ovelha foi levado ao matadouro. E como um cordeiro sem mancha diante do que o tosquia não abriu sequer a sua boca. Na sua humildade, o seu julgamento foi exaltado. Quem contará à sua geração? Porque a sua vida é tirada da terra” (Is 3,7s.)
E, entalhando a hóstia em forma de cruz, diz:
“É imolado o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, para a vida e a salvação do mundo”.
Jesus ofereceu-se em oblação desde o primeiro instante da sua vida terrestre: “Eis que venho para fazer a tua vontade”; esta oblação teve sua coroação no Calvário.
Nascimento e morte do Salvador são duas fases de um mesmo ato. Por isso a Liturgia Bizantina considera também a Prótese como o lugar onde se imola em figura o Cordeiro. O vinho é misturado com água, porque do lado do Salvador saiu sangue e água. O sacerdote faz esta mistura depois de abrir com a lança o lado direito do Cordeiro, em cima da palavra IS., dizendo o versículo de São João:
“E um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e imediatamente saiu sangue e água. Aquele que viu deu testemunho, e seu testemunho é verdadeiro “.
A Mãe de Deus é figurada pela partícula especial colocada à direita do Cordeiro como se estivesse no Calvário. Colocando esta partícula, o sacerdote repete o versículo do salmo 44 que diz que o lugar da rainha é à direita do rei:
“A Rainha pôs-se à vossa direita, envolta num manto bordado a ouro.
À esquerda do Cordeiro são colocadas em 3 filas, 9 partículas em honra às legiões de santos: os Anjos; São João Batista, o Precursor; os Profetas; os Apóstolos; os Santos Bispos e Padres da Igreja; os mártires; os santos ascetas; os anárgiros, São Joaquim e Ana, avós de Deus; o Padroeiro da Igreja, São João Crisóstomo ou São Basílio, autores da Liturgia que vai ser celebrada. Por baixo do Cordeiro colocam-se partículas em memória dos vivos e dos mortos: especialmente daqueles pelos quais a missa será celebrada.
E assim, acham-se reunidos em redor do Cordeiro os seus membros místicos que formam a Igreja triunfante no céu, a Igreja militante na terra e a Igreja padecente no purgatório. Voltando a ver no altar da pregação a gruta de Belém e, na patena, a manjedoura, o sacerdote coloca em cima desta um asterisco simbolizando a estrela que guiou os magos e “parou sobre o lugar onde estava o menino”. Depois cobre as oblatas com os véus para lembrar as faixas com as quais Maria envolveu o corpo do Menino Jesus recém-nascido na manjedoura; e os lençóis que serviram para envolver o corpo do Salvador morto após a descida da cruz. Enfim, incensa as oferendas para lembrar os presentes dos Reis magos e também os aromas com os quais as santas mulheres (miróforas) embalsamaram o corpo do Redentor.
“O Deus, ó nosso Deus, que enviastes Nosso Senhor Jesus Cristo, o pão celeste, o alimento do mundo inteiro, como salvador, Redentor e Benfeitor, para nos abençoar e nos santificar; abençoai esta oferenda… e lembrai-vos dos que a ofereceram e daqueles pelos quais foi oferecida e guardai-nos irrepreensíveis no cumprimento dos vossos divinos mistérios”.
Segunda Parte da Missa
Liturgia dos Catecúmenos ou Liturgia da Palavra
Esta parte compreende:
Uma longa oração dialogada chamada Grande súplica (grande sinapti) ou irinica.
Cantos de salmos, antífonas ou típica, com duas pequenas sinaptes.
A pequena entrada ou procissão com o livro dos Santos Evangelhos.
Hinos próprios do dia (tropário).
O Hino do triságion: Santo Deus…
A Epístola com seu prokímenon e Aleluia.
O Evangelho.
O ectení ou súplica insistente.
Oração pelos catecúmenos (e despedida dos mesmos).
Até a procissão com o Evangelho esta parte continua simbolizando a vida oculta de Jesus. Da procissão do Santo Evangelho até a procissão do ofertório, recorda-se a vida pública de Jesus até sua paixão.
O Incenso
O Sacerdote termina a preparação das oferendas e começa a Missa dos Catecúmenos, incensando os dois altares, os ícones, a Igreja e os fiéis. Este é o primeiro grande incensação. O incenso queimado pelo fogo transforma-se em fumaça que sobe ao céu em forma de nuvens, enchendo o ambiente da fragrância de seu aroma. Sua destruição pelo fogo faz dele um holocausto e seu aroma é o fruto desta destruição. Assim os discípulos de Cristo devem oferecer-se em holocausto a Deus e irradiar em volta o bom odor espiritual de sua vida cristã. A fumaça do incenso que se eleva para o alto figura a oração pela qual a alma se eleva a Deus. Por isso ouvimos o Salmista (140,2) clamar: “Que minha oração, Senhor, suba até vós como o incenso” e vimos no livro do Apocalipse (5,8) as orações dos Santos no céu representadas por taças de ouro cheias de perfumes que os 24 anciãos revestidos de branco, oferecem ao Cordeiro de Deus que está de pé no meio do trono, como se tivesse sido imolado. Assim, o incenso cria desde o início da Missa uma atmosfera celeste lembrando ao sacerdote e aos fiéis a necessidade de se prepararem para o sacrifício, para serem, como diz o Apóstolo, “o bom odor de Cristo”, pelo qual difunde em toda a parte o perfume de sua doutrina” (2Cor 2,14-15).
Depois de cobrir as oferendas com os véus, o sacerdote inclina-se 3 vezes diante delas e as incensa, em sinal de adoração para lembrar a adoração dos reis Magos ao Menino Jesus e os presentes (ouro, incenso e mirra), que lhe ofereceram. Dirigindo-se em seguida ao altar-mor, incensa-o nos quatro lados, rezando secretamente: “ó Cristo, estáveis de corpo no sepulcro e com a alma nos infernos, e, como Deus, no paraíso com o ladrão; e no trono com o Pai e o Espírito Santo, ocupando todo lugar, vós o ilimitado”.
Com isto recorda:
O lugar simbolizado pelo altar, isto é, o Gólgota e o sepulcro, onde o Filho de Deus encarnado morreu para a redenção do gênero humano;
Os infernos (ou Mansão dos mortos) (aqui no sentido de limbo), onde desceu depois de morto, para salvar os justos que morreram, antes dele, e estavam à sua espera. Por isso havia habitualmente túmulos debaixo dos altares:
O Paraíso ou Céu, onde fez entrar o bom ladrão;
O trono celeste, no qual sentou-se glorioso, à direita do Pai.
Prosseguindo, incensa os ícones, a Igreja e os fiéis.
O sacerdote incensa o altar porque é o trono de Deus; os ícones, porque o representam e representam seus santos; os fiéis, porque são suas criaturas feitas à sua imagem e semelhança; os objetos de culto porque consagrados a ele; e a Igreja porque é sua casa. Incensando os fiéis no início da missa, o Sacerdote lembra um antigo costume na vida doméstica de todos os povos do Oriente, que ofereciam ao hóspede, desde a sua entrada em casa, com que se lavar e se perfumar (ver Lc 7,44-47). Assim o sacerdote, em sua qualidade de ministro de Deus, incensa o rico e o pobre sem distinção, dando-lhes as boas-vindas a este banquete espiritual, a esta ceia mística, como hóspedes e visitantes convidados a serem comensais do Rei celeste.
É bom também observar que, cada vez que Cristo vai aparecer (ou se manifestar) durante o sacrifício, sua aparição é precedida pelo incensação: no começo da missa, no evangelho e no ofertório. Nestes três momentos que lembram a aparição de Cristo (no primeiro, como recém-nascido; no segundo, como pregando a Boa-Nova; e, no terceiro, como sofrendo por nossa causa), a Igreja convida-nos a recebê-lo com perfumes, e a encher nossos corações do aroma dos bons sentimentos de caridade, fé, humildade e pureza.
“Bendito seja o Reino do Pai… “
Após ter beijado o Evangelho e o Altar, o sacerdote segura o livro dos Evangelhos com as duas mãos, faz com ele uma cruz em cima do Antimênsion, e diz em voz alta:
“Bendito seja o reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, agora…”
O Evangelho é o Verbo, isto é, a Palavra de Deus e sua Boa-Nova. Nele os Evangelistas nos transmitem as verdades da nossa fé reveladas pelo Verbo encarnado. Por isso, liturgicamente, fica sempre colocado em lugar de honra, em cima do Altar, como num trono. Só cede este lugar ao Verbo de Deus feito homem, quando este, a partir do ofertório até após a comunhão, for ali levado para ser imolado. A Igreja, templo e fiéis, é o reino de Deus, isto é, sua morada e seu povo. Abençoando simbolicamente, em forma de cruz, o universo pelos quatro pontos cardeais, o sacerdote pede que este reino de Deus, por meio de sua palavra, seja bendito e propagado pelo mundo inteiro, para a glória da Trindade Santa. A Assembléia, apoiando o pedido do sacerdote, clama: Amém, assim seja (Amém, é palavra aramaica, que significa: assim seja).
“Irinica”
Em seguida, o sacerdote convida os fiéis a repetir as invocações que a Igreja dirige incansavelmente a Deus, desde os primeiros tempos da sua existência. Convida-os inicialmente a rezar em paz: “Em paz oremos ao Senhor”; e a pedir a paz, não qualquer paz, mas a paz que vem do alto, a paz com Deus, com o próximo e com sua própria consciência, condição indispensável para que a oração seja atendida. Por causa desta insistência “na paz”, esta primeira oração dialogada foi chamada irinica (do grego: irini = paz).
Os cristãos devem pedir esta paz não só para si, mas também para o mundo inteiro. Por paz não se entende somente a ordem, o sossego, a tranqüilidade e o bem-estar temporais, mas sobretudo a felicidade sobrenatural proveniente da estabilidade das Santas Igrejas de Deus e da união de todos na fé e na caridade. A oração se faz especialmente pelos fiéis presentes no templo, que nele se comportam com fé, devoção e temor (isto é, respeito) de Deus; pelo pastor e pelo clero da diocese; pelos governantes e seus auxiliares; pelo exército; por todos os povoados do país (grandes e pequenos, cidades e aldeias), especialmente pela cidade onde se celebra o sacrifício; pela salubridade do ar, pela abundância dos frutos da terra necessários à vida, e por tempos pacíficos; pelos viajantes por mar, terra e ar; pelos que sofrem e para que todos sejam livres de aflição, perigo e necessidade.
“Kyrie eleison”
A cada um destes pedidos, a Assembléia dos fiéis, dominada, dizem “As Constituições Apostólicas” do século IV, pela voz das crianças, clama Kyrie eleison, Senhor, tende piedade. Convém aqui ressaltar esta referência às vozes infantis participando, pela fácil repetição, do Kyrie eleison, ao conjunto da oração comum. Assim, desde o séc. IV manifesta-se a preocupação pela participação ativa das crianças no Santo Sacrifício. O próprio São João Crisóstomo insiste, em suas homilias, sobre esta intervenção das crianças inocentes, colocadas à frente da assembléia (diz ele), na oração dialogada, para solicitar a misericórdia de Deus por seu povo (d. Le rôle du diacre, p. 14 e 40). Em vez de ficar conversando ou brincando durante a Missa, as crianças devem, portanto, prestar atenção e responder, juntamente com os adultos, aos pedidos feitos pelo sacerdote. Deus gosta de ouvir sua voz, mesmo desafinada, e se interessa por elas. Não disse ele aos apóstolos: “Deixai vir a mim as crianças?”
O Kyrie eleison é a oração que mereceu elogio do próprio Cristo, na parábola do Fariseu e do Publicano. Não devemos, pois, cansar-nos de repeti-Ia. É o grito do homem humilde, pecador e necessitado que implora a misericórdia de seu Senhor. E Deus, diz-nos o Salmista, “atende à oração dos humildes e não despreza a sua prece” (101,18).
Comemorando…
Para marcar a impotência de nossas orações, às quais faltam a pureza da consciência, a reta intenção e o ardor da fé e da esperança, o sacerdote, dirigindo seus olhares para a Mãe de Deus e os santos, convida os fiéis a comemorar, isto é, a recorrer àqueles que sabiam rezar melhor do que nós e que, agora, rezam por nós no céu; e a nos recomendar, nós mesmos, uns e outros e toda a nossa vida a Cristo, nosso Deus. Ao ouvir aqui o nome de Maria, os fiéis costumam fazer uma inclinação da cabeça em direção ao Ícone da Mãe de Deus, dirigindo-lhe uma das saudações seguintes: “A Ela, a mais nobre das saudações” ou “Em ti deposito toda a minha esperança”, ou ” Santíssima Mãe de Deus, salva-nos!”. Esta saudação não consta nas rubricas, nem está exigida pelo sentido da oração, é antes uma jaculatória saindo espontaneamente do coração de filhos profundamente devotos à sua mãe. Fazem também uma inclinação em direção ao Ícone do Salvador, quando ouvem o nome de Cristo.
Atendendo ao convite do sacerdote e, em união com ele, a assembléia clama: a Ti, Senhor, isto é, Sim, nós nos recomendamos a Ti, Senhor.
O sacerdote termina esta série de súplicas pela glorificação da Santíssima Trindade, glorificação esta que, tal um fio de ouro ligando tudo, corre através da Liturgia, começando e concluindo cada ato e cada oração. Nesta glorificação o sacerdote exprime também os motivos que nos levam a ter confiança que nossos pedidos serão atendidos por Deus: Ele é poderoso, glorioso, misericordioso e amigo dos homens. A Assembléia em oração expressa sua adesão pelo “Amém”, “assim seja”.
Antífonas, Típica e Sinaptes
Entre a grande súplica da paz (grande sinapti ou irinica) e as duas súplicas pequenas (pequenas sinaptes) o coro ou o povo canta as Antífonas, as típicas e o macarismi (Bem-aventuranças).
Sinapti: A palavra sinapti equivale ao termo latino “collecta”: nela o sacerdote recolhe, colige em uma fórmula comum as intenções principais de cada um e de todos os membros da Assembléia. Antigamente a grande sinapti ou irinica era repetida depois da 1 a e da 2a Antífona (e entre as orações pelos fiéis); depois a Igreja contentou-se com o primeiro e o último pedido, a comemoração da Mãe de Deus e dos Santos e a glorificação da Santíssima Trindade, para evitar a repetição cansativa.
Antífonas: São aclamações ou jaculatórias, cantadas pelo coro, em forma de estribilho e intercaladas entre os versículos de certos salmos, escolhidos de acordo com a festa que se celebra, e lidos pelo leitor no meio do coro. Aqui também antigamente lia-se o salmo inteiro; depois, para abreviar, contentou-se com 3 ou 4 versículos; e, em nossos dias, geralmente cantam-se somente as antífonas sem os versículos dos salmos.
Nos dias comuns da semana as antífonas são as mesmas; para as festas do Senhor e da Mãe de Deus, há antífonas e salmos próprios escolhidos de acordo com cada festa. A aclamação, porém, da primeira antífona é invariável para os dias comuns como para as festas: é um apelo à intercessão da Mãe de Deus: pela intercessão da Mãe de Deus, ó Salvador, salvai-nos.
Típica: Aos domingos, em geral, as duas primeiras antífonas são substituídas pelos salmos 102 e 145, respectivamente, chamados “típica”, isto é, marcados; e a 3a pelas “bem-aventuranças” do Sermão da Montanha, conhecidas pela palavra grega que começa cada uma “Macarismi” ”Bem-aventurados”. É pena que as típicas e sobretudo os macarismi estejam sendo postos de lado: serviam tão bem para lembrar o que alguém chamou de “Carta Magna do Cristianismo”, e para anunciar a aparição do Salvador como pregador da sua nova doutrina, a ser simbolizada pela pequena entrada: Bem aventurados os pobres, os que choram, os mansos, os misericordiosos, os puros, os pacíficos, os perseguidos…
O Monogenis (á Filho Unigênito). No fim da 2a Antífona ou do 2° Salmo das típicas, canta-se o hino: “Ó Filho Unigênito” (em grego o Monogenis). Este hino, composto provavelmente em Antioquia (pelo patriarca Sevério) e introduzido na Liturgia pelo imperador lustiniano 11 em 535 é de grande teor teológico: em poucas palavras, enuncia os mistérios fundamentais da nossa fé: a Santíssima Trindade, a Encarnação do Filho de Deus, a Redenção do gênero humano pela morte de Cristo na cruz; a maternidade divina de Maria e sua virgindade perpétua. Uns liturgistas consideram-no como uma profissão de fé para os catecúmenos como o Credo para os fiéis.
A Pequena Entrada
Enquanto o coro canta a 3ª Antífona ou as Bem-aventuranças, o sacerdote precedido pelo diácono segurando o Evangelho, e pelos acólitos segurando a cruz, as tochas e o turíbulo, desce do altar e sai, não pela porta Santa, mas pela porta lateral norte, atravessa em procissão a Igreja, passando no meio do povo, e entra no santuário pela porta Santa ou Real. Qual é o sentido desta procissão chamada a procissão do Evangelho ou “pequena entrada” para distingui-la da entrada do ofertório? “A entrada do Evangelho, diz São Germano, patriarca de Constantinopla, simboliza a vinda do Filho de Deus e sua entrada no mundo.” O diácono, segurando o Evangelho, figura o Precursor que devia mostrar o Filho de Deus ao mundo. “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, disse João Batista ao ver Jesus aproximar-se dele. O sacerdote representa Nosso Senhor Jesus Cristo vestindo a nossa natureza humana e descendo do céu (o santuário) sobre a terra (a nave), no meio dos homens. Os ceroferários precedem com tochas acesas, porque o Cristo é a luz do mundo “Eu sou a luz do mundo”, e São João Batista foi qualificado pelo próprio Cristo como “lâmpada ardente e brilhante”, da luz da qual os judeus quiseram gozar apenas por pouco tempo (10 5,35). A cruz que segue lembra o modo e o instrumento que Cristo escolheu para salvar os homens.
Os fiéis, considerando o Evangelho, levado pelas mãos de humildes ministros da Igreja, como o próprio Salvador aparecendo pela primeira vez em público para a sua pregação divina, ficam de pé e inclinam-se diante dele, porque, como diz São Paulo, “Quando Deus Pai introduz o seu Primogênito na terra diz: e todos os Anjos de Deus o adorem” (Hb 1,6).
A procissão pára no meio da Igreja, a uma pequena distância da porta Santa. O Sacerdote, inclinando a cabeça, pede secretamente a Deus, que estabeleceu nos céus, legiões e exércitos de anjos e arcanjos para o serviço da sua glória, que faça com que esses mesmos exércitos, unidos aos fiéis na glorificação da sua bondade, o acompanhem até o altar.
Antigamente, nas cerimônias oficiais profanas, um arauto anunciava a chegada do Imperador, clamando: “O Imperador!” para que todos os presentes se levantem e o recebam com respeito. Assim também, o diácono (ou o sacerdote) anuncia a presença do Verbo de Deus, sabedoria infinita e eterna, representado pelo Evangelho, clamando: “A Sabedoria!”, e convida os fiéis a ficarem de pé por respeito.
A entrada dos justos no céu foi obtida pela Santa Cruz: o sacerdote benze as portas santas, em forma de cruz, e, elevando o Santo Evangelho, faz com ele no ar uma grande Cruz e canta: “Vinde, adoremos e prostremo-nos ante o Cristo!…” O povo repete a 2a parte do canto da entrada para manifestar que está de acordo com tudo o que foi dito e feito: – “Salva-nos, ó Filho de Deus…” Entrando no santuário pelas portas santas, o sacerdote recoloca sobre o altar o evangelho, que é a palavra da verdade e da vida.
Nota: Na liturgia pontifical, celebrada pelo bispo diocesano, o bispo se paramenta e permanece até a pequena entrada, sentado num trono colocado no centro da Igreja no meio do povo, representando Cristo que, pela encarnação, se fez homem e morreu no meio dos homens que vinha salvar, ouvindo-os e ensinando-os. Com a procissão do Evangelho, sobe ao altar.
Tropário
Terminada a procissão do Evangelho, sacerdote e diácono entram no santuário cantando o isodicon (ou canto de entrada), que o coro repete. Em seguida, cantam-se os tropários ou hinos do dia.
Os tropários são hinos ou composições poéticas sobre a festa do Senhor, da Mãe de Deus ou dos santos que a Igreja comemora naquele dia. Podem ser qualificados como a “pregação pelo exemplo precedendo a pregação pela Palavra”. No domingo, dia do Senhor, comemora-se o ano todo a Ressurreição de Cristo. Por isso o primeiro hino a ser cantado é o “apolitikion da Ressurreição”, segundo um dos oito tons litúrgicos, e que recorda este grande acontecimento, base e razão da nossa fé, visto que, como diz São Paulo aos Corintios: “Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, e vã também a vossa fé” (lCor 15,14).
Nas festas do Senhor, da Mãe de Deus e dos Santos, os tropários enaltecem os mistérios da vida de Jesus e de sua Mãe, e as virtudes e feitos dos cristãos que seguiram os passos do Salvador renunciando a tudo neste mundo e sacrificando-se por ele até a morte. E cantam-se logo depois da entrada do Evangelho, justamente para nos apresentar o exemplo daqueles que puseram em prática os ensinamentos contidos neste mesmo Evangelho e assim mereceram entrar no reino dos céus, conforme disse Jesus a seus discípulos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas. Aquele que crer e for batizado será salvo. Aquele que não crer será condenado” (Mt 16,15-16).
Esses hinos têm nomes diferentes de acordo com o lugar que ocupam e o assunto que desenvolvem na composição poética, chamada “Cânon”, da qual fazem parte: Tropário, Apolitikion, kondakion, Hirmos…
As grandes festas do ano são anunciadas, aos domingos, com várias semanas de antecedência, pelo kondakion final; e seus tropários continuam a ser cantados durante a oitava que segue a festa. O kondakion do Padroeiro da Igreja é sempre o penúltimo.
Triságion
“Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós.”
Existe uma lenda relativa à origem deste hino do triságion (três vezes santo) e a sua introdução na liturgia. É a seguinte: No século V, no tempo do Patriarca São Prodo, sucessor de São João Crisóstomo, a cidade de Constantinopla foi abalada por terremotos durante quatro meses. Um dia, enquanto o povo, dominado pelo medo, implorava fora das muralhas a misericórdia divina, gritando Kyrie eleison (Senhor, tem piedade), um menino foi arrebatado aos céus e lá ouviu os anjos cantarem o triságion, diante do trono de Deus, e uma voz ordenando ao bispo que organizasse procissões nas quais se cantaria esse hino. Voltando à terra, o menino contou o que viu e ouviu. O patriarca mandou fazer de acordo com a ordem recebida, e o terremoto parou. Este hino se reza também no início e no fim de todos os ofícios públicos.
A Igreja bizantina sempre considerou este hino dirigido à Santíssima Trindade, cada uma das partes referindo-se a uma das 3 pessoas divinas:
Santo Deus, Pai eterno
Santo Forte, seu Filho, que é sua força e seu verbo criador.
Santo Imortal, seu Espírito Santo, isto é, o amor que não morre, e sua vontade sempre viva e vivificante.
Para comprovar esta atribuição temos o fato seguinte: Em 470, um patriarca de Antioquia (Pedro, o Pisoeiro) acrescentou após “Santo Imortal”, que foi crucificado por nós. Este acréscimo provocou grandes discussões teológicas e acabou sendo proibido, com o seguinte argumento: Santo Imortal refere-se ao Espírito Santo; ora, quem foi crucificado por nós foi o Filho: portanto, este acréscimo não se pode fazer depois da terceira parte.
Esta atribuição é claramente expressa no hino seguinte:
“Vinde, povo, adoremos a Divindade em três pessoas: o Pai no Filho com o Espírito Santo. Porque o Pai, de toda eternidade gera um Verbo co-eterno e coreinante e o Espírito Santo está no Pai, glorificado com o Filho, poder único, única essência, única divindade; é ela que adoramos quando dizemos: Santo Deus, que criou tudo pelo Filho com a colaboração do Espírito Santo; Santo Poderoso, por quem conhecemos o Pai e por quem o Espírito Santo veio ao mundo; Santo Imortal, Espírito Consolador que procede do Pai e repousa no Filho: Trindade Santa, glória a Ti”.
Pentecostes, Grandes vésperas
Pelo mesmo motivo ele se canta três vezes seguidas; e nas Missas Pontificais solenes, cinco vezes: as três primeiras vezes em louvor ao mistério da Santíssima Trindade; e as duas outras em honra do mistério da Encarnação, isto é, a existência de duas naturezas em Cristo.
Vamos dar mais detalhes sobre o canto do triságion nas Missas Pontificais do triságion: nas Missas Pontificais usam-se o dikírion e o trikírion, que são dois castiçais pequenos, suportando um (o dikírion) duas velas cruzadas; outro (o trikírion) três velas cruzadas. O primeiro simboliza a encarnação, isto é, (duas naturezas e uma pessoa em Cristo); o segundo, a Santíssima Trindade = uma só natureza divina em três pessoas distintas.
Na hora do triságion o bispo dá uma bênção solene com o dikírion e o trikírion, da seguinte maneira:
Pela terceira e quinta vez o triságion é cantado pelos sacerdotes, no santuário, enquanto o Bispo faz uma cruz em cima do altar com o trikírion (quando do 3° triságion) e com o dikírion (quando do 5°). Em seguida, de frente para o povo, segurando com a mão direita o trikírion e com a esquerda o dikírion, o Bispo ouve o coro cantar a primeira parte do triságion, isto é, “Santo Deus”, e dá a bênção aos fiéis que estão no centro da igreja, dizendo: “Senhor, Senhor, olhai do alto do céu e cuidai desta vinha e fazei-a crescer porque foi vossa mão direita que a plantou”. Depois do canto da segunda parte, “Santo Poderoso”, dá a bênção aos fiéis do lado direito com a mesma fórmula; e faz o mesmo para o lado esquerdo, após o canto da terceira parte: “Santo Imortal”. Cada vez o bispo pode usar uma língua diferente: por exemplo, grego, latim e vernáculo.
Substituição do “triságion”
1. Nos dias em que na Antigüidade se administrava o Batismo com solenidade, o triságion é substituído pelo versículo seguinte tirado de São Paulo e dirigido àqueles que foram batizados: “Vós todos que fostes batizados no Cristo, vos revestistes do Cristo. Aleluia”. Estes dias são o dia do Natal, da Epifania, Sábado de Lázaro (antes do Domingo de Ramos), Vigília Pascal (noite de sábado santo para domingo de Páscoa), a Semana da Páscoa, e o dia de Pentecostes.
2. Nos dias em que se venera a Santa Cruz, substitui o triságion a aclamação seguinte: “Adoramos vossa Cruz, Senhor, e glorificamos vossa santa Ressurreição. Aleluia”. Estes dias são: 30º domingo da quaresma, 10º dia de agosto, 14 de setembro (Exaltação da Santa Cruz).
Epístola e Evangelho
Terminado o canto do triságion, faz-se a leitura da Epístola e do Evangelho. A Epístola é lida pelo leitor e o Evangelho pelo diácono ou pelo sacerdote. Na Missa há somente leituras tiradas do Novo Testamento. As do Antigo Testamento se fazem nos outros ofícios litúrgicos, sobretudo no Ofício de Vésperas.
Os Evangelistas na Arte Cristã
Desde a origem e talvez enquanto ainda viviam os Apóstolos, considerava-se o número de quatro Evangelhos como um fato providencial, para o qual procuravam uma razão mística. A explicação mais comum que se dava no tempo de Santo Irineu ( + 202 ou 203) era o paralelo com os querubins alados do Profeta Ezequiel: No primeiro capítulo de sua profecia, Ezequiel descreve a visão que teve e na qual viu quatro seres que aparentavam possuir, cada um, num só corpo, a figura de um homem, de um leão, de um touro (boi) e de uma águia. De cada uma destas figuras, os Santos Padres fizeram o emblema de um evangelista, atribuindo o homem a São Mateus, o leão a São Marcos, o touro a São Lucas, e a águia a São João.
São Jerônimo explica esta atribuição do seguinte modo: São Mateus é representado por uma figura de homem, porque começou seu Evangelho dando a genealogia humana de Jesus, demonstrando assim que Cristo é homem.
São Marcos é representado pela figura do leão porque começou seu Evangelho pela enérgica pregação de João Batista, “voz que clama no deserto”, semelhante ao rugido de leão.
São Lucas é figurado pelo touro porque começou seu Evangelho contando a participação do sacerdote Zacarias nas cerimônias do culto no templo onde o boi era a vítima usada nos sacrifícios da Antiga Lei.
São João é simbolizado pela águia porque iniciou seu Evangelho pela eterna origem de Cristo “no começo era o Verbo” e por causa das alturas espirituais e divinas a que se elevou.
A mesa do altar nas igrejas bizantinas tem como suporte quatro colunas nos quatro cantos, e uma coluna maior no centro. As quatro colunas laterais simbolizam os quatro Evangelistas; e a do centro (chamada Cálamos = caniço), a pena com que escreveram (ou melhor, Jesus Cristo, pedra angular da Igreja).
Homilia
Os fiéis ouvem a leitura do Evangelho de pé, com atenção e respeito, como fariam discípulos dedicados ouvindo os ensinamentos de seu mestre e servos fiéis recebendo as ordens de seu Senhor e chefe e dispostos a executá-las. Terminada a leitura, o povo, movido pelo sentimento de gratidão por ter sido julgado digno de ouvir a palavra de vida, clama: “Glória a Ti, Senhor, glória a vós”. O sacerdote recoloca o Evangelho sobre o Altar e faz a homilia ou prática. […] A homilia é uma parte integrante da Missa. O sacerdote tem por missão e obrigação pregar a Palavra de Deus. “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas”, disse Jesus a seus Apóstolos (Mc 16,15). E São Paulo recomenda a Timóteo, seu discípulo predileto (2Tm 4,1-3): “Diante de Deus e de Jesus Cristo… eu te peço: prega a palavra, insta oportuna e inoportunamente, repreende, roga, exorta com toda a paciência e doutrina”. Se uma das missões do sacerdote é pregar a Palavra de Deus, a obrigação dos fiéis é ouvi-la para fazer dela a regra de sua vida: “Quem vos ouve a mim ouve, e quem vos despreza a mim despreza. E, quem me despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16).
Nem todos os pregadores têm o dom da eloqüência. Não é também a beleza do discurso o que mais importa, mas a verdade; não é a eloqüência e a retórica que se devem procurar antes de tudo, mas a doutrina. “Quando fui ter convosco”, escreveu São Paulo aos Corintios (1 Cor 2,1), “para vos dar testemunho de Cristo, não fui com a sublimidade da eloqüência ou da sabedoria… Meu ensino e minha pregação não se baseavam nas palavras persuasivas da sabedoria humana, mas na manifestação do Espírito e do poder (de Deus), para que vossa fé não se funda na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”. “Os pregadores plantam e regam, mas só Deus faz crescer” (1Cor 3,6).
Ectenia ou Súplica Insistente
Depois da homilia o sacerdote proclama, de novo, as intenções pelas quais a assembléia é convidada a rezar: “Digamos todos de toda nossa alma e de; todo nosso espírito, digamos:Senhor tem piedade (Kyrie eleison)”. O Kyrie eleison da assembléia completa a frase iniciada pelo sacerdote, e repete-se três vezes após cada um dos pedidos feitos pelo celebrante. Esta repetição do tríplice Kyrie eleison, assim como a intensidade progressiva das súplicas, e também certa liberdade deixada ao presidente da assembléia para acrescentar pedidos à vontade, de acordo com as necessidades do momento e dos fiéis, levou a dar a esta série de pedidos o nome de “ectenia” que quer dizer “súplica insistente”. Alguns lhe deram a qualificação de “Católica”, no sentido de oração coletiva universal. A ela corresponde a oração comum ou dos fiéis ou “prece da comunidade” [ … ]: os pedidos que a compõem abrangem todas as classes da sociedade, pois nela se pede:
Pelos chefes hierárquicos responsáveis diante de Deus pelo bem espiritual da comunidade: bispo, sacerdotes, diáconos e religiosos.
Pelos membros da comunidade presentes na Igreja ou residentes na cidade, implorando para eles as graças espirituais e temporais úteis à sua salvação.
Pelos fiéis (pais e irmãos) mortos, não somente da paróquia ou da cidade, mas também de todo o universo.
Pelos fundadores da igreja onde se celebra o Santo Sacrifício. Assim, todos aqueles que contribuíram, de um modo ou de outro, para a construção da casa de Deus, serão para sempre lembrados em cada Missa que nela se celebrar.
Pelos benfeitores do templo santo, que lhe ofertam o que é necessário à sua manutenção e conservação e ao serviço divino: pão, vinho, óleo, velas, incenso, toalhas para o altar, vasos sagrados como cálice e patena, castiçais etc.
Em certas igrejas acrescenta-se a esta ectenia comum a ectenia dos defuntos, quando a Missa se celebra por um morto (cf. Le rôle du diGere, p. 62). Após a ectenia universal, fazem-se orações dialogadas e secretas pelos catecúmenos. Para bem entender a razão destas orações que parecem anacrônicas, convém recordar uns fatos históricos. Na Igreja primitiva havia duas leis ou disciplinas que desapareceram no decorrer dos séculos: a Lei do Arcano ou segredo e a disciplina do catecumenato.
A Lei do “Arcano”
A Lei do Arcano, que a Igreja estabeleceu por medida de prudência no tempo das perseguições, proibia revelar os mistérios da religião cristã àqueles que não tinham ainda sido admitidos em seu seio pelo batismo. Além do símbolo da fé, a Lei do Arcano abrangia também os sacramentos e particularmente o sacramento da Eucaristia. Numerosos símbolos cristãos, como o peixe, a âncora, a barca, o Cordeiro etc… são vestígios e testemunhos dessa lei. Podemos considerar também como reminiscência do Arcano a oração preparatória à comunhão, na qual dizemos: “Recebei-me, hoje, participante da vossa ceia mística, ó Filho de Deus, porque não revelarei vosso mistério aos vossos inimigos…”
Disciplina do Catecumenato
Na origem bastava fazer profissão de fé em Cristo para ser logo batizado; a instrução se dava depois. Mais tarde, no tempo das perseguições, a Igreja teve de proceder com mais cautela para admitir novos membros em seu seio, exigindo deles um período mais longo de preparação e de prova; este período chamava-se catecumenato. Durante o catecumenato, os que se preparavam para entrar na Igreja pelo batismo podiam assistir somente à primeira parte da missa, chamada por isso “missa dos catecúmenos”, isto é, dos que estavam ainda sendo catequizados.
Havia também várias classes de catecúmenos. A primeira delas eram os audientes, que deviam sair logo após a pregação; e a última, os competentes ou eleitos (em grego: fotizomeni), que já estavam para receber, em breve, o Batismo. Trinta ou quarenta dias antes da recepção do batismo, os competentes preparavam-se mais intensamente pela penitência, pela confissão de seus pecados e por uma instrução especial sobre os mistérios da fé. O catecumenato durava dois ou três anos, às vezes mais. O batismo era administrado nas vigílias da Páscoa e de Pentecostes; e, no Oriente, também na Epifania. A confirmação e a comunhão eram conferidas logo após o batismo. Até hoje, no rito bizantino, o sacerdote administra a confirmação juntamente com o batismo, e pode dar a comunhão até às crianças sob a espécie do vinho.
Na missa, pois, depois da homilia, faziam-se orações pelos catecúmenos e pelas várias categorias de pessoas que deviam abandonar o recinto da celebração eucarística, como os penitentes e os energúmenos (possessos). E em seguida eram despedidos por intermédio dos diáconos que clamavam: “Saiam todos os catecúmenos; catecúmenos, saí; saiam todos os catecúmenos; nenhum dos catecúmenos fique!”
Esta disciplina do catecumenato desapareceu. No século VII, São Máximo, o Confessor, revela-nos que, já em seu tempo, a despedida dos catecúmenos e dos fiéis indignos fazia-se como mera formalidade. E em nosso tempo não se exclui mais ninguém da assistência à missa toda. As orações pelos catecúmenos, porém, foram conservadas, ainda que, em nossa Igreja, não há mais catecúmenos no sentido próprio. Qual o motivo?
A Igreja reza pelas necessidades de todos os homens, e também pelas suas próprias necessidades em todos os países e continentes, e não somente em alguma região determinada. Ora, os catecúmenos (adultos preparando-se para o batismo) são numerosos nos países de missão (África e Ásia) e sua fé está em perigo, ameaçada pelas novas ideologias anticristãs e atéias que procuram conquistá-los. Há também os catecúmenos no sentido mais amplo: os não-cristãos, os incrédulos, os materialistas e os pagãos espalhados pelo mundo inteiro e, talvez, vizinhos nossos, que esperam ainda de nós a palavra de verdade e o banho da regeneração. Oremos, pois, por eles, “para que o Senhor lhes revele o Evangelho da justiça e os una a sua Igreja Santa Católica e Apostólica”.
Quanto aos próprios fiéis, eis o que Gogollhes sugere para poderem tirar proveito destas orações:
“Cada um dos fiéis, entrando em si e vendo quão longe está ainda em relação à fé e às boas obras daqueles cristãos que, nos primeiros séculos do Cristianismo eram admitidos a participar da ceia de amor; e como, para assim dizer, contenta-se em se declarar seguidor de Cristo, sem associá-lo ainda a sua própria vida; como só ouve e até compreende o sentido dos ensinamentos do Mestre mas não os vive; quão fria e superficial está ainda a sua fé; como não nutre para com seu irmão o fogo do divino amor que perdoa tudo e faz derreter a dureza de seu coração; cada fiel, vendo em si tudo isto, considera-se humildemente ainda catecúmeno. E quando ouve o sacerdote dizer aos fiéis: “Fiéis, oremos pelos catecúmenos, convencidos de ser tão pouco dignos do nome de fiel”, ao rezar pelos catecúmenos, reza por si mesmo. E quando ouve o sacerdote dizer: “Catecúmenos, saí!” treme em seu íntimo e pede ao Salvador que um dia expulsou do templo os vendedores inescrupulosos, que de casa de orações o haviam transformado em covil de ladrões, que lhe ilumine a inteligência e lhe dê coragem para expulsar, ele também, do templo de sua alma, o homem carnal que o faz indigno de participar de seu sacrifício imaculado, e de conceder-lhe pureza de coração, humildade, mansidão e fidelidade para que mereça ser incluído no rebanho dos eleitos e dos verdadeiros fiéis” (N. Gogol).
Durante as orações pelos catecúmenos, o sacerdote faz com o Evangelho uma cruz em cima do Antimênsion e, ao pedir a Deus que “lhes revele o Evangelho da justiça”, eleva-o e coloca-o de lado. Assim, o lugar do Verbo de Deus escrito fica livre para receber o Verbo de Deus vivo, prestes a ser levado para ali ser sacrificado. Em seguida, abre o Antimênsion no qual geralmente são desenhados os instrumentos da paixão e a descida da cruz com a Virgem Maria segurando o corpo de Jesus.
Terceira Parte da Missa
Liturgia dos Fiéis ou Liturgia Eucarística
E logo começa a Liturgia dos Fiéis, com o sacerdote dizendo: “Nós todos, fiéis, ainda e novamente em paz, oremos ao Senhor”.
Após a despedida dos catecúmenos e dos penitentes, os fiéis devem dar graças a Deus por terem sido considerados dignos de permanecer na Casa de Deus para participar de seus santos mistérios e, como o publicano, repetir humildemente: “Senhor, tende piedade de mim que sou pecador”.
A Liturgia dos Fiéis compreende o Ofertório, a Anáfora ou Cânon e a Comunhão.
Ofertório
Orações pelos fiéis
Canto dos querubins
Procissão da Grande Entrada
Segunda oferenda do Pão e do Vinho no altar
Ecténia pequena
Eticis
Ósculo da paz
Credo
O ponto culminante do ofertório é o que se chama de “Grande Entrada”, que é também um dos momentos mais solenes da missa. O Sacerdote, numa bela oração secreta, pede humildemente a Deus a graça de desempenhar, sem incorrer em condenação, o ministério a ele confiado, visto que: “Nenhum dos que são escravos dos desejos e dos prazeres da carne é digno de comparecer diante de vós, de aproximar-se de vós e de vos servir, ó Rei da Glória, porque o vosso serviço é grande e temível, mesmo às potências celestes”.
Depois, a fim de preparar um ambiente digno e agradável para o Rei de todas as coisas, incensa com profusão o altar, o santuário, e toda a Igreja, enchendo-a de aroma em forma de densas nuvens, no meio das quais serão transladados, da prótese até o altar, o pão e o vinho destinados a se tomarem Corpo e Sangue de Cristo. Lembra também aos fiéis que suas orações devem subir até Deus como o incenso e que para serem, segundo a recomendação do Apóstolo, o bom odor de Cristo, terão de se tornar tão puros quanto os Querubins.
Durante a incensação o sacerdote reza, de coração contrito, o Salmo 50 e hinos penitenciais, e o coro canta grave e solenemente o magnífico Hino dito dos Querubins: “Nós que, misticamente, representamos os Querubins, e cantamos o hino três vezes santo à Trindade vivificadora, ponhamos de lado toda preocupação temporal para que possamos acolher o Rei do universo, que as legiões dos anjos acompanham invisivelmente. Aleluia, Aleluia, Aleluia”.
Este hino resume todo o significado da Grande Entrada: Cortejo de Cristo, Rei, Sacerdote, e Vítima. Enquanto isso, o sacerdote dirige-se ao Altar da preparação, toma o cálice e a patena e, precedido pelos acólitos segurando as tochas, a cruz e o turíbulo, passa em procissão no meio do povo através da nave central, repetindo várias vezes: “Que o Senhor Deus se lembre de nós todos em seu reino…”
Simbolismo da Grande Entrada
Os liturgistas deram várias explicações para o valor simbólico desta procissão. São Germano de Constantinopla diz que lembra o cortejo triunfal que conduziu Jesus de Betânia a Jerusalém, no domingo de Ramos, enquanto os filhos de Israel clamavam “Hosana!” e os Querubins no céu cantavam o hino três vezes santo. Outros vêem nele o Salvador carregando a sua cruz e dirigindo-se ao Calvário para ali morrer por nós. Para outros, ela simboliza o sepultamento de Cristo, isto é, José de Arimatéia e Nicodemos transportando o Corpo do Calvário para o sepulcro. É este simbolismo que sugerem as orações secretas rezadas no altar, quando nele estão depositados o pão e o vinho. “O nobre José desceu do madeiro o vosso corpo imaculado, envolveu-o num lençol puro, cobriu-o de aromas e o depositou com cuidado num túmulo novo.” A prótese seria o Calvário e o altar, o sepulcro no qual “o nobre José depositou o corpo imaculado”.
Os fiéis, em sinal de veneração e respeito, fazem uma inclinação da cabeça e se benzem, quando o cortejo passa perto deles. Não é raro ouvi-los pedir humildemente em voz baixa: “Lembrai-vos de mim, Senhor, em vosso reino”. O sacerdote, transmitindo seu pedido a Deus, diz: “Que o Senhor Deus se lembre de nós todos em seu reino”… Essas manifestações de veneração dirigem-se a Cristo; não ainda a Cristo presente sob as espécies do pão e do vinho, pois estes não foram ainda consagrados, mas a Cristo representado já por estas oferendas, destinadas a se transformar em breve em seu corpo e em seu sangue.
Simeão de Tessalônica diz: Essas honras tributadas às oblatas que vão se tornar Corpo e Sangue de Cristo são iguais às honras que se tributam ao príncipe que vai ser coroado rei: era conduzido com pompa para o lugar da coroação, cercado pelos grandes do reino e ovacionado pelo povo.
O hino de Cheruvikon foi composto por um imperador de Bizâncio (Justino II, sobrinho de Justiniano) que, apesar do poder terreno que detinha, prostrou-se diante do Rei dos céus. E antigamente em Constantinopla, o próprio imperador, para maior solenidade, tomava parte na procissão. No começo do Cheruvikon, o primeiro diácono ia buscar o imperador, que o acompanhava até a prótese: lá o soberano vestia, em cima dos trajes imperiais, um rico manto de ouro incrustado de pedras preciosas. Segurando na mão direita uma cruz e, na esquerda, o cetro, andava na frente da procissão, rodeado pelos membros do governo imperial. Diante das portas santas, o patriarca e o imperador saudavam-se mutuamente, com uma inclinação de cabeça. O diácono incensava o Imperador, inclinando-se diante dele e dizendo: “Que o Senhor Deus se lembre da tua dignidade imperial em seu reino…” Fazia o mesmo para o Patriarca. O Patriarca, em seguida, tirava o manto que o imperador havia vestido para a procissão, entregando-o a um dos diáconos. O imperador voltava a seu lugar e a missa prosseguia.
Em certas circunstâncias o sacerdote nas portas santas, de frente para o povo, faz menção especial das intenções pelas quais vai oferecer o santo sacrifício. O coro diz “amém”, e termina o canto do Cherubin, interrompido pela procissão: “Que as legiões dos anjos acompanhem invisivelmente. Aleluia, Aleluia, Aleluia”. Para ter idéia da solenidade realmente impressionante que é a Grande Entrada, é preciso ter visto esta cerimônia…
No rito bizantino, mais do que em qualquer outra tradição, a impressão, o impacto estético deste cerimonial imponente, é de uma importância fundamental. Segundo a narração da antiga “Crônica de Nestor”, este elemento foi o fator primordial na conversão da Rússia. Os emissários de Vladimiro, quando voltaram de Constantinopla, contaram: “Os gregos conduziram-nos para onde tributam o culto a seu Deus. E não sabíamos mais se estávamos no céu ou na terra. Porque não há sobre a terra semelhante espetáculo, nem semelhante beleza; e somos incapazes de explicá-la. Sabemos somente que é ali que Deus habita com os homens, e não podemos esquecer esta beleza. Qualquer homem que provou algo doce não suporta mais a amargura. Assim não podemos ficar aqui” (cf. POC T 22, j. 3-4, 1972, p. 247, nota 15).
Éticis
Terminada a Grande Entrada, o sacerdote prossegue o diálogo de orações com os fiéis, interrompido pela procissão das oblatas, dizendo: “Completemos nossa oração ao Senhor”. E faz uma série de pedidos, o primeiro dos quais “pelos preciosos dons que foram oferecidos”.
Enquanto no início da missa pelas “Irinica”, e após o evangelho pela “ectenia” rezou-se por várias classes de pessoas enumeradas separadamente: bispo, clero, governantes, habitantes da cidade, viajantes, doentes, fundadores da igreja e seus benfeitores, cantores, vivos e mortos etc…, nesta série de pedidos chamada “éticis”, rogam-se a Deus graças úteis a todos e a cada um dos presentes no templo: um dia pacífico e santo; um anjo de paz que nos acompanhe durante o dia e nos guie no caminho da salvação; o perdão de nossos pecados; a paz para todos os homens; a paz e o espírito de penitência nos dias que nos restam para viver; uma morte cristã, sem dor nem remorso de consciência; e, depois da morte, uma sentença favorável no tribunal de Cristo, supremo Juiz. E, como sempre, conclui-se pela bela fórmula de recomendação à Virgem Maria, Mãe de Deus, aos Santos e às orações mútuas dos fiéis, isto é, pela oportuna recordação das garantias sobrenaturais, provenientes do dogma da Comunhão dos Santos.
Na oração secreta correspondente à segunda da oferenda, o celebrante pede a Deus para “torná-lo apto a oferecer-lhe dons e sacrifícios espirituais pelos seus próprios pecados e pelos erros do povo”.
Ósculo da Paz
O ponto central da sinaxe eucarística está se aproximando. O sacerdote procura levar os fiéis a uma preparação mais imediata e mais profunda para este ato sublime, principal motivo da sua presença no templo. A isto visam suas proclamações e exortações sucessivas, anunciando o ósculo da paz com o sentido de concórdia e de caridade; o credo, manifestações públicas da fé; e o início da Anáfora, exigindo respeito e recolhimento.
O Divino Mestre, no decorrer da última ceia, disse a seus discípulos: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz”. O sacerdote, em nome deste mesmo Mestre, saúda os fiéis, desejando-lhes esta paz do Senhor: “Paz a todos”. Os fiéis retribuem a saudação: “E a teu espírito”.
Na última ceia Jesus deu também a seus discípulos um mandamento novo: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, vós vos deveis amar uns aos outros. Por este sinal todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34). Por isso, como se faz desde o tempo dos primeiros cristãos, o sacerdote exorta os fiéis a se amarem mutuamente: “amemo-nos uns aos outros para que confessemos em unidade de espírito”… A Assembléia completa a frase começada pelo celebrante, dizendo: “O Pai, o Filho e o Espírito Santo, Trindade consubstancial e indivisível”. Esta conclusão da frase iniciada pelo sacerdote mostra claramente o acordo e a intimidade do diálogo de orações que devem existir entre a Assembléia e seu Presidente.
O sacerdote faz três inclinações diante do altar, dizendo cada vez em voz baixa: “Amar-te-ei, Senhor, Tu que és a minha força…”, beija a patena e o cálice por cima do véu que os cobre, e também o altar. Os concelebrantes fazem o mesmo, beijando o altar, e todos se dão mutuamente o ósculo da paz. O ósculo da paz na celebração litúrgica é muito antigo. No Oriente sempre foi colocado antes da Anáfora, como preparação para a consagração; no Ocidente transferiram-se para antes da comunhão.
No documento “Tradição Apostólica”, de Hipólito de Roma (3° século), lemos: “Os catecúmenos não devem dar o ósculo da paz, porque o seu ósculo ainda não é santo”. Era, portanto, um gesto reservado aos fiéis; depois de os catecúmenos terem sido despedidos, os fiéis saudavam-se mutuamente. “Os fiéis dêem-se o ósculo, prossegue Hipólito, os homens aos homens e as mulheres às mulheres.” Quando os fiéis se tomaram mais numerosos e menos coerentes, para evitar abusos, o ósculo da paz restringiu-se primeiro aos comungantes e depois aos celebrantes. Atualmente, no rito bizantino, somente nas missas pontificais, o bispo, os sacerdotes concelebrantes e os diáconos, se dão o ósculo da paz do seguinte modo: cada celebrante beija o altar e depois o ombro direito do bispo, dizendo: “Cristo está no meio de nós”. O bispo responde: “Está e estará”. E fazem o mesmo entre si. “Cristo está no meio de nós” é uma referência às palavras de Jesus: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou no meio deles” (Mt 18,20).
A caridade fraterna é indispensável para poder presenciar a realização dos santos mistérios e neles participar; se esta caridade, este amor mútuo, estiver ferido pelo desentendimento, ou pelo rancor ou ódio, devemos o quanto antes restabelecê-lo pela reconciliação. Senão não lucraremos nada do sacrifício de Cristo, que em vão morrerá de novo por nós. Deus não aceitará nossa oferta: “Se estás diante do altar para entregar a tua oferta e aí te recordares que teu irmão tem algum motivo de queixa contra ti, deixa tua oferta ali diante do altar; vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e depois voltarás para entregar tua oferta” (Mt 5,23-24). Baseado neste preceito do Senhor, disse o Apóstolo que Jesus amava: “Se alguém disser: eu amo a Deus, e odiar seu irmão, é um mentiroso. Pois quem não ama seu irmão a quem vê, como pode amar a Deus a quem não vê?” (l Jo 4,20).
Nunca é demais recordar as exigências da nova lei a esse respeito. Ouçamos como São Paulo canta a caridade que chama “o caminho mais excelente” (1 Cor 13,1-7): “Se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse a caridade, seria como o metal que soa ou o címbalo que tine. E se tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e se tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas , se não tivesse a caridade, nada seria. E se distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, entregasse o meu corpo para ser queimado, mas não tivesse a caridade, de nada me aproveitaria. A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não age inconveniente, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus interesses, não se irrita, não pensa mal, não se regozija com a iniqüidade, mas se regozija com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca terá fim”.
No rito armênio o significado do ósculo da paz é ainda mais explícito. O diácono diz: “Saudai-vos mutuamente pelo ósculo da paz, e que aqueles que não são aptos a participar destes santos mistérios se retirem e vão rezar fora”. Todo o povo se saúda dizendo: “Jesus Cristo está entre nós”. O coro canta um hino muito breve, mas que sintetiza admiravelmente o sentido infinitamente rico da ação que se passa neste momento: “A Igreja tornou-se um só corpo, e nosso ósculo é o penhor desta união; a inimizade foi afastada e a caridade penetrou em toda parte” (cf. P. Evdokimov, La priere de L’Eg!ise d’Orient, p. 178).
“As portas! As portas! Com sabedoria fiquemos atentos!”
Esta exclamação dirigia-se outrora aos porteiros encarregados de guardar as portas da igreja para que nela não entrassem os que não podiam assistir à missa dos fiéis. A Antigüidade cristã sentiu a necessidade de um serviço de porteiros, encarregados de acolher e indicar o lugar aos fiéis, de afastar aqueles que não têm direito a tomar parte da liturgia, de obter a boa ordem na assembléia, sobretudo no momento da Comunhão eucarística. Este serviço foi, por vezes, confiado a diáconos (ou subdiáconos); Roma contudo teve, durante vários séculos, clérigos com a ordem menor de porteiro. Estas funções, porém, foram depois deixadas aos leigos. Hoje estas palavras dirigem-se a todos os presentes no templo, advertindo-os para que vigiem as portas de seu coração, para dentro do qual o amor mútuo acaba de ser convocado; a fim de impedir que, no interior deste santuário espiritual, se introduza qualquer sentimento de rancor, ódio ou inimizade. Os fiéis, ao ouvirem a proclamação do sacerdote, devem também abrir, com sabedoria, atenção e recolhimento, as portas de seus lábios e de seu ouvido à profissão de fé que de todas as bocas vai ressoar no recinto sagrado.
Credo
Depois que se deram, se não exteriormente, pelo menos mentalmente, o ósculo da paz, sinal da caridade que Cristo exigiu como condição primeira e indispensável para o direito de participar de sua oblação pura, os fiéis são agora convidados a confessar publicamente sua fé, como demonstração da adesão de sua inteligência à revelação divina e da aceitação de todas as verdades ensinadas por sua Igreja e resumidas no símbolo da fé. O que chamamos “Credo” (palavra latina que significa “Creio”) é a “regra de fé” que recebemos dos Apóstolos e que, como breve resumo das verdades e dos fatos relativos à salvação, tinha dupla importância: servia externamente como barreira contra os mestres das falsas doutrinas e, internamente, constituía o fundamento da fé e da vida dos fiéis. Neste último sentido tomou mais tarde, no símbolo, a forma de um compêndio de doutrina.
A Antigüidade unia o Credo ao Batismo: os catecúmenos acabavam a sua preparação recebendo a comunhão do símbolo da fé, que deviam aprender de cor e depois recitar ao bispo numa reunião litúrgica pública. Este símbolo batismal era, pois, a expressão solene da fé apostólica. Esta fé, jurada pelo cristão no batismo, é o seu tesouro mais precioso e, no mesmo tempo, sua palavra de ordem, a senha que o faz conhecer por toda parte, como filho da Igreja, como discípulo de Cristo. “Ele pode”, diz Santo Irineu, “nascer e crescer em Esmirna, viver em Roma, evangelizar nas Gálias, e encontrará por toda parte a mesma fé, será por toda parte iluminado pelo mesmo sol de Deus”.
O símbolo que se reza na missa é conhecido como símbolo Niceno-Constantinopolitano, ou símbolo dos Santos Padres, por causa dos dois Concílios Ecumênicos de Nicéia (325) e primeiro de Constantinopla (381). O Concílio de Nicéia, para combater a heresia de Ário (arianismo) que negava a divindade do Filho, acrescentou ao símbolo dos Apóstolos tudo o que concerne à divindade de Jesus Cristo. Mais tarde, o Concílio de Constantinopla, para combater a heresia de Macedônio (Macedonismo), que negava a divindade do Espírito Santo, introduziu nele os artigos que se referem à divindade do Espírito Santo, “que procede do Pai” e “que falou pelos Profetas”.
Foi no decorrer das lutas confusas contra o Arianismo que o credo entrou na Missa. No começo do século VI o Patriarca Timóteo de Constantinopla (511-518) “decidiu que seria recitado de futuro em cada sinaxe”, como nos informa um historiador contemporâneo, Teodoro, o Leitor (que atribui a introdução do credo na Missa a Pedro Foulon de Antioquia, em 471). No Ocidente, sua introdução na Missa (logo após o Evangelho) se fez no século nono. Mas enquanto os latinos juntaram-lhe, mais tarde (século XI), o inciso “Filioque = e do Filho” após “que procede do Pai”, que nenhum texto grego continha, os Orientais conservaram-no como os concílios o haviam promulgado, isto é, sem o “Filioqüe”, professando, no entanto, a fé dos Santos Padres: que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho.
O símbolo de Constantinopla é uma expressão teológica da fé, de uma teologia antiga e sóbria, cujas fórmulas favorecem, verdadeiramente, a contemplação dos mistérios. Sua recitação torna-se ainda mais comovente quando é feita por todo o povo. É dele que escreveu o saudoso Papa João XXIII, em seu testamento: “Entre as diversas formas e símbolos, por intermédio dos quais a fé procura expressar-se, prefiro o Credo da Missa sacerdotal e pontifical, da mais ampla e audível elevação, em união com a Igreja universal de todos os ritos, todos os séculos, todas as regiões, deste ‘Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso’ até ‘e a vida do mundo que há de vir”‘.
Não deixemos o comodismo, a indiferença, o respeito humano ou uma falsa concepção de progresso científico e intelectual impedir-nos de confessar nossa fé. Em voz alta, juntamente com nossos irmãos em Cristo, porque esse mesmo Cristo disse: “Quem me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus; mas quem me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus” (Mt 10,31).
Simbolismo
Enquanto o povo reza o credo, o sacerdote levanta o véu maior que cobre o cálice e a patena e o agita em cima das oferendas até “e subiu ao céu“. São Germano de Constantinopla diz que “o sacerdote levanta o véu descobrindo assim as oblatas para simbolizar o Anjo que revolveu a pedra que vedava a entrada do sepulcro, quando Cristo ressuscitou; e o agita para figurar o tremor de terra que houve naquela hora”. Este simbolismo é mais claro nas Missas pontificais: o bispo inclina a cabeça em cima do altar e dois sacerdotes agitam o véu em cima dela como se fosse Cristo no túmulo. E quando o povo diz: “E ressuscitou ao terceiro dia e subiu ao céu”, param de agitar o véu e o bispo levanta a cabeça figurando a ressurreição de Cristo. Outros dizem que a agitação do véu simboliza a descida do Espírito Santo no cenáculo e o vento que abalou a casa onde estavam reunidos.
Rezemos o credo de coração alegre e cheio de gratidão porque a graça da fé é um dom inestimável: “A nossa fé! Eis a vitória que vence o mundo”.
Anáfora ou Cânon
Diálogo de introdução
Oração Eucarística (Prefácio)
Santo
Narração da última Ceia e Consagração
Anamnese
Terceira Oferenda
Epiclése
Comemorações
Conclusão: Doxologia e Bênção
Com o credo termina o Ofertório e logo começa a anáfora. Anáfora, palavra grega que significa “elevação”, “oblação”, é a parte central, a parte sacrifical por excelência da liturgia; seu correspondente no rito romano é o “cânon”. Inicia-se por um diálogo solene: “Fiquemos respeitosamente de pé…” e acaba por uma bênção antes da preparação para a comunhão: “E que a misericórdia de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo esteja com todos vós”.
Na origem a anáfora não comportava nenhum elemento variável, mas constituía-se de uma oração eucarística fixa, na qual enumeravam-se todos os títulos pelos quais, segundo os dados da antiga Lei, Deus tinha direito a nossa gratidão. Esta enumeração dos benefícios da Providência terminava pelo maior deles, a Encarnação do Verbo que, antes de morrer, instituiu ele próprio o sacramento da Eucaristia. Aqui se fazia a narração da última Ceia.
No Ocidente, provavelmente no fim do século IV, em Roma e nas Igrejas onde sua influência se fazia logo sentir, o Cânon começou a admitir variações de acordo com as estações do ano e as festas dos santos. Como havia leituras (Epístolas e Evangelhos) diferentes para cada dia, houve sobretudo prefácios variados para cada época do ano litúrgico: prefácios para o Natal, a Epifania, a Páscoa etc.
No Oriente, ao contrário, conservou-se o antigo sistema de anáfora única e invariável no ano todo. O tema da anáfora (Oração Eucarística por excelência) é a Ação de Graças à Santíssima e Divina Trindade por todos os benefícios recebidos e recapitulados, de certo modo, no augusto sacrifício.
Ação de Graças a Deus Pai que nos deu o ser e nos chamou a uma vida eterna e bem-aventurada. Ação de Graças a Deus Filho que se fez homem, como nós, para nos resgatar e que “na noite em que se entregou a si mesmo para a salvação do mundo instituiu o grande mistério da Eucaristia; e do qual comemoramos tudo o que fez por nós: a cruz, o túmulo, a ressurreição, a ascensão ao céu, a entronização à direita do Pai, a segunda e gloriosa vinda”.
Ação de Graças a Deus Espírito Santo, implorando sua descida sobre o pão e o vinho para consagrá-los, e sobre os fiéis, sobretudo os comungantes, para santificá-los (esta é a epíclese)
A anáfora inicia-se por um diálogo solene, cuja presença, com algumas variantes, em todas as liturgias cristãs, sem exceção alguma, mostra bem a sua Antigüidade e importância: ele representa com o Amém final, o testemunho de que toda a Assembléia está incorporada na oração por excelência, a Eucaristia.
O sacerdote começa com a seguinte recomendação: “Fiquemos respeitosamente de pé, fiquemos de pé com temor; sejamos atentos para oferecer em paz a santa oblação”. Fiquemos como convém ao homem diante de Deus, com respeito e temor mas também com esta coragem e dignidade espiritual que honra a Deus e nos honra; com a união dos corações, restabelecida pela paz mútua, sem a qual não se pode elevar até Deus.
Como resposta a este convite, a Igreja inteira, trazendo em sacrifício o louvor de seus lábios e o amor de seu coração, diz: “A misericórdia de paz, o sacrifício de louvor”.
Insiste-se de novo na necessidade da paz antes da realização do mistério eucarístico. A esse respeito, disse São João Crisóstomo, na terceira homilia sobre a Epístola de São Paulo aos Colossenses: “O presidente da Assembléia, entrando na Igreja, diz logo: ‘Paz a todos’; abençoando, diz: ‘Paz a todos’; quando prega a hora do ósculo, diz: ‘Paz a todos’; no fim do sacrifício, nas igrejas, nas procissões, nas conversas, diz: ‘Paz a todos’, uma, duas, três vezes e mais…” Da doce boca de Jesus não saia senão a palavra “PAZ”, “Eu vos deixo a paz. Eu vos dou a minha paz”. Aqui não basta que estejamos em paz, mas o sacrifício, a oferenda que devemos oferecer é a própria paz não somente entre os homens, mas sobretudo com Deus.
Em seguida, o sacerdote saúda o povo com uma fórmula tirada do Apóstolo Paulo (2Cor 13,13): “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós”.
Ao Pai atribui-se o amor, a caridade, porque, diz São João (Do 4,8), “Deus é Amor”. A caridade de Deus para conosco manifestou-se em ter enviado ao mundo o seu Filho Unigênito, para por ele vivermos. Esta caridade consiste nisto: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que primeiro nos amou, e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
A graça relaciona-se com o Filho, segundo estas palavras de São Paulo (Rm 5): “Se pelo pecado de um (Adão) morreram muitos, muito mais abundantes se derramou sobre muitos a graça e o dom de Deus, pela graça de um só homem, Jesus Cristo”. E São João, falando do Verbo (Jo 1,14) diz: “Nós vimos a sua glória, glória do Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade… Todos nós recebemos da sua plenitude, graça sobre graça. Porque a Lei foi dada por Moisés mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”.
Do Espírito Santo deseja-se a sua comunhão, a sua descida em nós como desceu sobre os discípulos reunidos no cenáculo em forma de línguas de fogo. “Eu derramarei do meu Espírito sobre os meus servos e sobre as minhas servas, diz o Senhor” (At 2,17). E São Paulo diz aos Corintios (1 Cor 6,19): “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós e que recebestes de Deus?”
Estas manifestações externas, mesmo atribuídas separadamente a cada uma das três pessoas divinas, são de todas elas juntas, pois as três pessoas são um só Deus.
Retribuída a saudação pelos fiéis com a fórmula “e com teu espírito”, o sacerdote exorta-os a “elevar os corações ao alto” e eles respondem: “nós os temos para o Senhor” .
Antes do ofertório fomos já convidados a deixar de lado toda preocupação temporal para poder acolher o rei do universo. Agora que este rei está prestes a descer do céu para ser imolado misticamente por nós, sobre o altar, esqueçamos tudo da terra e levemos nossos corações para junto de nosso tesouro, Cristo nosso Salvador. “Que ninguém”, dizia São Cirilo de Jerusalém, “esteja aqui de modo a dizer de boca: ‘temos o coração para o Senhor’, enquanto seu espírito é tomado pelas solicitudes deste mundo. Sem dúvida, devemos pensar em Deus em todo momento. E se isto é impossível à fraqueza humana, procuremos fazê-lo, pelo menos, com mais concentração e intensidade durante o sacrifício do altar”.
“É digno e justo”
A exemplo do Salvador que na última Ceia, antes de partir o pão e benzer o Cálice, “deu graças”, o sacerdote conclama os fiéis a darem graças ao Senhor; em grego: Eucaristicomen to Kirio, de onde derivou a palavra “Eucaristia”.
A Assembléia reconhece logo e proclama que isto é digno e justo. Cumprindo o que pediu que os fiéis fizessem, o sacerdote dá graças a Deus Pai, em nome do povo, “por todos os benefícios conhecidos e ignorados, manifestos e ocultos”, recebidos da sua bondade; sobretudo pelo envio de seu Filho Unigênito que, enquanto esteve entre nós, tudo fez para nos levar ao céu a fim de participar de seu reino futuro. Agradece-lhe, também, a condescendência de aceitar das nossas mãos o sacrifício que vai oferecer, apesar de ter a seu serviço milhares de arcanjos e miríades de anjos, os Querubins, e os Serafins…
E em voz alta: “Cantando o hino da vitória, clamando, bradando e dizendo: ‘O povo, completando a frase do celebrante, canta: ‘Santo, santo, santo…'”
Aqui convém ressaltar a perfeita união, o íntimo entrosamento dos fiéis com o sacerdote nos mesmos sentimentos e convicções, a ponto de espontaneamente e com ânimo completarem o que ele lhes sugere.
“Santo, Santo, Santo”
O “Santo” é um hino que reúne o que o Profeta Isaías ouviu no céu os anjos cantarem quando da visão em que Deus o chamou para desempenhar sua função de Profeta (Is 6,3) e o que as crianças e os filhos dos hebreus gritaram no dia da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém: Bendito seja o que vem em nome do Senhor… .
Neste hino o céu e a terra se unem para louvar Cristo prestes a descer do céu, para se imolar misticamente na terra: o céu o acompanha, descendo, cercado pelos exércitos celestes, cantando: “Santo, Santo, Santo, é o Senhor dos exércitos; o céu e a terra estão cheios de vossa glória”. A terra recebe clamando: “Bendito seja o que vem em nome do Senhor”.
Nenhum texto sublinha tão bem quanto o “Santo” que a Missa é, antes de tudo, “o sacrifício de louvor”. O que oferecemos a Deus, com Cristo, não são as nossas obras terrenas às quais pudéssemos atribuir um valor próprio; é sim o louvor, pelo qual mergulhamos na adoração da divina Majestade, una e trina, esquecendo-nos de nós mesmos e da nossa vida perecível, para só exaltar a glória de Deus do qual o céu e a terra estão cheios.
Os quatro verbos usados pelo sacerdote, no Ecfonema que introduz o hino do “Santo”: “Cantando, clamando, bradando e dizendo”, lembram, segundo São Germano, os “quatro seres vivos” descritos por Ezequiel na sua profecia por São João Evangelista no Apocalipse. Tinham cada um, além das 6 asas e dos múltiplos olhos, a face de uma águia, de um boi, de um leão e de um homem; e “não cessavam de clamar dia e noite àquele que estava sentado no trono: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus…” (Ap 4,8). Cada verbo exprimia o som de voz próprio a cada um desses seres.
Aqui o sacerdote tira o asterisco em forma de abóbada que cobre a patena, e que ali foi colocado no momento da preparação das oblatas, para lembrar a estrela dos magos que parou em cima do lugar onde estava o menino recém-nascido. Faz com ele o sinal da cruz em cima da mesma, beija-o e o coloca de lado.
Após o “Santo” seguiam, no rito romano, quatro orações de intercessão. Da Ação de Graças a oração do celebrante passava à petição. No rito bizantino, o que corresponde a estas orações se reza depois da consagração e da epíclese: comemorações dos santos, dos mortos, dos vivos e da hierarquia eclesiástica. Esta ordem foi adotada na nova liturgia romana.
Continuando, pois, a dar graças, o sacerdote faz a narração da instituição da Eucaristia, na última ceia, de modo que as palavras da consagração serão apresentadas como sendo ditas pelo próprio Senhor Jesus.
Convém aqui ressaltar a maneira com que as palavras sagradas do Salvador são postas em relevo, em destaque: o sacerdote (que até este momento havia orado em silêncio, levanta a voz) canta a consagração em meio ao recolhimento atento da assembléia. Em certos ritos, o parentesco dos idiomas (o siríaco e o árabe são da mesma família lingüística que o aramaico) permite ouvir estas palavras numa forma análoga àquela em que historicamente foram pronunciadas.
Em todos os ritos orientais, depois de cada fórmula consacratória, a assembléia unida clama: “Amém”, proclamando assim a sua fé na transubstanciação que acaba de se realizar.
dizendo “Amém”, renovamos a nossa fé e agradecemos o grande milagre de amor que, pelas palavras pronunciadas por um homem fraco como nós, transforma o pão e o vinho no corpo e sangue do homem-Deus que, todos os dias, desde cerca de 20 séculos, se oferece em sacrifício por nós sobre os nossos altares.
Anamnese
A anamnese (= recordação) é uma oração secreta que segue a consagração e pela qual se lembra o Senhor e seus mistérios, conforme o mandamento que ele mesmo nos deu ao instituir a Eucaristia: “Faze i isto em memória de mim” (Lc 22,19).
Em todas as liturgias a narrativa da instituição e a anamnese são duas coisas intimamente ligadas: o fim da assembléia não é realmente fazer a memória do Senhor, num rito que o torna presente a ele e aos seus mistérios? Apoiada nas próprias palavras do Salvador, a Igreja proclama solenemente a realização destes mistérios. Na Liturgia de São Basílio, a anamnese é mais explícita que na de São João Crisóstomo, pois começa por reproduzir o próprio mandamento do Senhor: “Faze i isto em memória de mim. Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a minha morte, e confessareis a minha ressurreição” (1 Cor 11,26), para em seguida acrescentar: “Lembrando-nos, pois, deste mandamento do Senhor e de tudo o que se realizou por nós”, e imediatamente enumeram-se os mistérios redentores: a morte na cruz, a sepultura, a ressurreição, a ascensão ao céu, a entronização à direita do Pai e a segunda e gloriosa vinda.
Em razão destes mistérios redentores tornados presentes, a Igreja pode oferecer ao Pai, como proveniente de seus dons mais preciosos “a vítima espiritual”, como diz a liturgia de São João Crisóstomo, ou “o sacrifício perfeito e santo”, segundo as expressões do novo cânon romano.
Aqui o sacerdote eleva o cálice e a patena formando com eles uma cruz em cima do altar e diz em voz alta: “O que é vosso do que é vosso, nós vos oferecemos em tudo e por tudo”, querendo dizer com isto que Jesus Cristo presente no cálice e na patena é, ao mesmo tempo, quem oferece, quem está oferecido e quem recebe a oferenda; é a vítima e o sacrificador que a oferece por todos, em nome de todos e nas intenções de todos. O que é vosso, isto é, o Corpo e o Sangue de vosso Filho; do que é vosso, isto é, do pão e do vinho; nós vos oferecemos em tudo, isto é, em nome de todas as vossas criaturas; e por tudo, isto é, nas intenções de todas as vossas criaturas.
Na oração secreta do ofertório, o sacerdote tinha já expressado este mesmo pensamento: “Aceitai, Senhor, que estes dons vos sejam oferecidos por mim, vosso servo pecador e indigno; pois sois vós quem ofereceis e sois oferecido, quem recebeis e sois distribuído, ó Cristo, nosso Deus” .
Esta fórmula foi gravada em volta do altar que o Imperador Justiniano colocou na sua basílica de Santa : “Ó Cristo, vossos servos Justiniano e Teodora, vos oferecem vossos dons de vossos próprios dons”.
A resposta do coro dirige-se à Santíssima Trindade e foi assim comentada por São Germano de Constantinopla. “Nós vos louvamos, ó Pai, vos bendizemos, ó Filho, vos rendemos graças, ó Espírito Santo; e vos suplicamos, ó Trindade Santa, nosso Deus.”
Epíclese
A epíclese, tal como se encontra na liturgia bizantina e em todas as liturgias orientais, é uma invocação a Deus Pai, para que envie seu Espírito Santo a fim de que este Espírito Santo transforme os dons e que estes dons santifiquem os fiéis que os receberão.
O lugar normal da epíclese é aqui mesmo, após a anamnese, pela qual o sacerdote lembra os mistérios redentores do Salvador: paixão, morte, ressurreição e ascensão ao céu. Este último mistério leva naturalmente a recordar o Pentecostes, com a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e sua ação invisível nas almas por meio dos sacramentos instituídos por Cristo.
Por outro lado, na oração eucarística o sacerdote dirigiu-se a Deus Pai, a quem o sacrifício é oferecido; quanto ao Filho, ele se ofereceu em vítima a seu Pai, renovando, pela boca do celebrante, o mistério da última ceia que tomou com seus discípulos; resta o Espírito Santo, cuja intervenção se invoca, na epíclese, para completar este mistério, transformando as oblatas e por elas santificando os fiéis.
Aliás, o Espírito Santo manifesta-se sempre com o Filho e completa sua obra. No dia da anunciação, desceu sobre Maria e fez o Filho se encarnar no seio da Virgem. No Batismo de Cristo, desceu sobre ele em forma de pomba e, com sua descida, ouviu-se a voz do Pai credenciando o Filho para sua missão: “Este é meu Filho muito amado em que pus as minhas complacências”. No dia de Pentecostes, desceu em forma de línguas de fogo sobre os discípulos reunidos no cenáculo e completou a obra do Filho na fundação da sua Igreja.
Em todos os sacramentos destaca-se a ação a ele atribuída: no Batismo, somos regenerados pela água e pelo Espírito Santo; na confirmação, recebemos o “Selo do dom do Espírito Santo”; na ordem, o Bispo pede a Deus que encha o futuro sacerdote da grande graça de seu Espírito Santo; na penitência, o confessor absolve em virtude do poder recebido do Salvador, quando, depois da sua ressurreição, soprou sobre os Apóstolos e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Os pecados serão perdoados àqueles a quem os perdoardes e serão retidos àqueles a quem os retiverdes” (Jo 20,22); no matrimônio, é a graça do Espírito Santo que une os nubentes por um vínculo de amor que só a morte pode desatar; na unção dos enfermos, o doente é ungido com o óleo santificado pelo Espírito Santo, enviado pelo Pai; na eucaristia, sua ação não é menor: é ele que, por sua descida sobre os dons sagrados, os torna fonte de graça e de santificação. Por isso as palavras da Consagração não se devem separar da invocação ao Espírito Santo.
A Igreja ortodoxa, baseada em certos textos dos Santos Padres, afirma que a transubstanciação se efetua pela epíclese, e não pela consagração. E para reforçar a importância da primeira acrescentou no século XIII, logo após a consagração, o tropário ao Espírito Santo: “Senhor, que na hora terça enviastes…” que se reza habitualmente na quaresma na terceira hora do ofício.
Eis como P. Evdokimov resume a doutrina da Igreja ortodoxa a esse respeito:
“Antes da epíclese propriamente dita: ‘Enviai o vosso Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons aqui presentes… transformando-os pelo vosso Espírito Santo’ . A liturgia apresenta, desde o início, epicléses prévias, elevando-se gradualmente até a palavra final. Com efeito, a prótese começa pela oração: ‘Rei Celeste, consolador, Espírito da verdade… vinde e habitai em vós’; a mesma oração está no limiar da liturgia dos catecúmenos. A oração sobre os fiéis chama ‘a graça do Espírito Santo sobre os dons que vão ser oferecidos’, e a oração do Ofertório: ‘Que o bom Espírito de vossa graça desça sobre nós, sobre estes dons oferecidos e sobre todo o vosso povo“‘.
Assim, é impossível isolar o instante preciso no qual se opera a transformação, pois todo o cânon eucarístico, pode-se dizer até, a liturgia, desde a prótese representa um só ato que termina na epíclese… Não se pode fixar senão o momento após o qual o sacramento é considerado como cumprido: “Eis consumado e cumprido, segundo nosso poder, ó Cristo, nosso Deus, o mistério de vossa Economia… vimos a verdadeira Luz…”
Comemorações
O sacerdote, que invocou o Espírito Santo pedindo-lhe que a participação no sacrifício não seja para os comungantes causa de condenação, faz a comemoração dos Santos, que por ele foram santificados, e pede que, pela sua intercessão, este mesmo Espírito Santo olhe para nós e santifique nossas almas.
Consumado o sacrifício, o celebrante, vendo diante de si, em cima do altar, o Cordeiro de Deus, prova e garantia do amor divino para conosco, toma-o como mediador; e, animado pela presença amiga deste todo poderoso advogado, apresenta a Deus suas petições e dirige-lhe suas preces com maior e mais firme esperança. Renova agora diante dos divinos mistérios, já agradáveis a Deus, o seu pedido para que as intenções comemoradas na preparação das oblatas, e pelas quais orou no momento do ofertório, sejam atendidas.
A oblação do sacrifício, porém, não é somente imperatória, mas também eucarística. Por isso, como no início da liturgia, quando ofereceu a Deus as oferendas, o sacerdote exprimiu ao mesmo tempo a ação de graças e a súplica, assim também, agora que estas mesmas oferendas já foram santificadas e consagradas, por meio delas dá graças e impetra súplicas, expondo os motivos e os objetos de umas e outras.
Para a Igreja são os santos que constituem os motivos de sua gratidão; é para agradecer a Deus ter-lhe dado filhos santos que ela oferece este sacrifício espiritual; sua gratidão manifesta-se especialmente e acima de tudo em honra da Bem-aventurada Mãe de Deus, a Theotókos, cuja santidade, por um privilégio todo especial, ultrapassa toda outra santidade criada. Eis porque o sacerdote não pede nada para os santos; ao contrário, pede-lhes que se unam a ele para reforçar suas súplicas.
Convém aqui ressaltar a diferença que existe entre os dois elementos da oração de intercessão que segue a epíclese na liturgia de São João Crisóstomo, a saber: ação de graças dadas a Deus, por sua obra santificadora na alma dos santos apresentados como intercessores e a súplica pelos vivos e pelos mortos.
O que demonstra que as orações referentes aos santos não são de petição mas de ação de graças, é a presença de Maria no meio deles e de modo destacado; ao contrário de todos os outros santos, sua comemoração se faz em voz alta e com a participação da assembléia: “Especialmente a nossa Santíssima, puríssima, bendita e gloriosa Senhora Mãe de Deus e sempre Virgem Maria”.
Não teria sido ela mencionada ali, se este cortejo sagrado (profetas, apóstolos, pregadores, evangelistas, mártires etc.) necessitasse de mediação, pois ela está acima de toda mediação não somente humana mas até dos Anjos, sendo incomparavelmente mais santa que os mais santos espíritos puros.
Para realçar ainda mais o lugar de Maria na hierarquia dos dons divinos e para melhor indicar suas grandezas e suas perfeições, o coro ou a assembléia, ao ouvir o nome da Mãe de Deus, enlevado pela alegria, canta-lhe um hino de louvor, chamado “Hirmos”. Na Liturgia de São João Crisóstomo, este hirmos é o “axion estin” (as duas primeiras palavras é (verdadeiramente) justo – pelas quais começa) na liturgia de São Basílio, o “epi-si-cheire” (ó cheia de graça); e nas grandes festas do Senhor e da Virgem, o “megalinarion”.
Estes hinos exaltam de tal modo a Mãe de Deus, a Theotókos, que só eles bastariam para formar uma soma teológica Marial de elevada poesia. Podemos comprovar isto lendo e meditando estes Hirmos no “Liturgikon” na parte referente às festas, fixas e móveis.
O “Axion estin” é composto de duas partes: a primeira, “É verdadeiramente justo glorificar-vos ó Mãe de Deus, que sois bem-aventurada para sempre, isenta de todo pecado e Mãe de nosso Deus”, é objeto de uma bela lenda. A segunda parte: “Sois mais venerável que os Querubins, incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins. Vós que gerastes o Verbo Deus, sem deixar de ser virgem; a vós que sois realmente Mãe de Deus, nós vos exaltamos”, é um tropário, que serve de antífona para ser intercalada (no ofício de orthros-Laudes), entre os versículos do canto da Virgem (o Magnificat = Minha alma engrandece o Senhor).
A lenda a respeito da primeira parte leva-nos à Grécia, ao Monte Atos (A Santa Montanha), onde desde o século X florescem inúmeros mosteiros e eremitérios. Num destes eremitérios, dedicado à Assunção da Virgem, vivia retirado do mundo e do convívio com os outros monges um eremita de grande virtude, com um jovem discípulo. Um dia, o velho monge disse a seu filho espiritual: “Hoje quero ir assistir ao ofício de Vésperas no Grande Mosteiro. Fica aqui e recita o ofício sozinho, como puderes”. Chegada a noite, o jovem noviço ouve bater a porta. Era um venerável ancião,revestido do hábito monacal, que pedia hospitalidade para a noite. Na hora do Orthros (Ofício da Aurora = Laudes), o jovem e seu hóspede foram cantar o Ofício. Quando chegaram ao canto da Virgem, o jovem cantou, depois do primeiro versículo, a antífona: “Sois mais venerável que os Querubins…”, como era costume, na santa Montanha. Mas, depois dos outros versículos, o hóspede cantou, antes da antífona habitual, a primeira parte do “Axion estin” = “é verdadeiramente justo”… Surpreso, o jovem disse ao hóspede: “Aqui nós cantamos só a 2a parte. Nunca, nem nós, nem nossos pais, tivemos conhecimento da primeira. Por favor, escreve para mim estas belas palavras para que possa eu também cantá-las. E como não havia nem papel, nem tinta, apresentou-lhe a tábua para escrever. O hóspede marcou nela com o dedo o que acabava de cantar e disse: “É assim que doravante, vós e todos os Ortodoxos cantareis este hino”. E logo desapareceu. Qual não foi o espanto do jovem ao constatar que as letras estavam gravadas, na tábua, como se fosse numa cera mole. O hóspede, misterioso, só podia ser o mensageiro da Anunciação, o Arcanjo Gabriel.
O acontecimento, acrescenta a lenda, foi logo contado ao velho monge, que o levou ao conhecimento dos anciãos do mosteiro vizinho. E sem demora a tábua foi enviada ao patriarca de Constantinopla, que ordenou que, em todas as Igrejas, o “Axion estin” seja cantado como foi gravado pelo hóspede misterioso.
Freqüentemente nas paróquias, enquanto o sacerdote faz a comemoração da Mãe de Deus, incensando o altar, um dos acólitos apresenta-lhe uma bandeja contendo os pedaços de pão que sobraram da preparação do sacrifício e que serão distribuídos aos fiéis, no fim da Missa. O sacerdote os incensa e benze. Estes pedaços são chamados evlogias ou antídoron. Em certas igrejas esta bênção se dá juntamente com a bênção que conclui a anáfora: “E que a misericórdia de nosso Grande Deus e Salvador Jesus Cristo esteja com todos vós”.
Após a comemoração em voz alta da Theotókos, o sacerdote faz memória, em voz baixa, dos mortos e dos vivos, levantando a voz de novo para a comemoração da Hierarquia Eclesiástica, ou “Os dípticos”.
Os dípticos
1. Etimologia: Palavra grega composta de dis (2 vezes) e PTIX = folha, tábua para escrever. Dípticos = dobrado em dois, duplo.
2. Na Antigüidade pagã: Os antigos chamavam dípticos a duas tábuas de madeira, metal ou marfim, unidas e recobertas de cera no interior, de maneira a permitir tomar notas com um estilete. Na Grécia e na Itália antigas os magistrados, governadores e grandes do Estado usavam os dípticos, para neles inscreverem o seu nome e a data da sua nomeação ou eleição e os distribuírem aos amigos como lembrança. Muitas vezes, a parte externa era enfeitada com desenhos ou esculturas.
3. Na Antigüidade cristã: Os primeiros cristãos adotaram esta antiga praxe e serviram-se dos dípticos para neles inscreverem os nomes dos mártires, dos pontífices, dos reis, dos benfeitores, dos catecúmenos, das viúvas etc. que queriam mencionar publicamente na liturgia para que a assembléia rezasse por eles quando o diácono ou o bispo lia os seus nomes.
O uso dos dípticos correspondia à obsessão muito humana, das intenções particulares, que sempre tiveram lugar na oração cristã. Lembremo-nos de que o mártir São Policarpo rogou aos soldados, quando o vieram prender, que o deixassem acabar a oração, na qual enumerava todos os que havia conhecido durante a sua longa vida de nonagenário, “pequenos e grandes, ilustres e obscuros e toda a Igreja universal espalhada pela face da terra”…; e durante duas horas os soldados não ousaram interrompê-lo (d. Igreja em Oração, p. 432).
Nos dípticos eram escritos três grupos de nomes: os santos, os mortos e os vivos, que o diácono lia em voz alta, ora de perto do altar, ora de cima do ambão (estrado).
A lista dos vivos compreendia, entre outros e sobretudo, os Papas e Patriarcas unidos pela uniformidade da fé e pelo vínculo da caridade, e que se nomeavam mutuamente na liturgia. Os dípticos eram, pois, uma das três maneiras pelas quais se manifestava a comunhão entre os cinco grandes patriarcas da Igreja, a saber, os de Roma (o Papa), de Constantinopla, de Alexandria, de Antioquia e de Jerusalém. As duas outras eram as cartas sinópticas e os apocrisiários.
Quando um patriarca era eleito, enviava aos quatro outros, com as comunicações da sua eleição, a sua profissão de fé: era a carta sinóptica. Respondendo-lhe, os outros demonstravam que reconheciam a legitimidade de sua eleição e o aceitavam em sua comunhão. Seu nome passava então a ser citado na Missa, no momento das comemorações dos vivos: era inscrito nos dípticos. O cancelamento do nome nos dípticos significava a ruptura dessa comunhão.
Quando da sua eleição pelo sínodo dos Melquitas, em 22 de novembro de 1967, o Patriarca Máximos V restabeleceu esta prática antiga de “Comunhão pedida” numa carta enviada ao Papa Paulo VI.
No dia 28 de novembro Paulo VI enviou ao Novo Patriarca um telegrama assinado por ele pessoalmente, dizendo entre outras coisas: “… acolhendo de bom grado o vosso pedido de comunhão eclesial, formulamos votos fervorosos e pedimos ao Senhor que vos acompanhe com suas graças…”
Além disso os Patriarcas (sobretudo os de Roma e Constantinopla) trocavam representantes permanentes, chamados apocrisiários. O Papa São Gregório tinha sido aprocrisiário junto ao Patriarca de Constantinopla.
A extensão das enumerações, variável segundo as Igrejas e as circunstâncias locais, fez, sem dúvida, cair pouco a pouco em desuso esta leitura pública. Atualmente quase todas estas comemorações são feitas em voz baixa pelo celebrante. O povo, porém, toma nelas uma certa parte, duas vezes: a primeira cantando o hirmos “Axion entin” à Virgem Maria, quando da comemoração em voz alta da Mãe de Deus, como vimos acima. A segunda, quando da comemoração da hierarquia eclesiástica. Nesta o celebrante faz em voz alta a memória do Papa, do Patriarca e do Ordinário da diocese (bispo ou arcebispo); e, na liturgia de São Basílio, o diácono faz também memória do sacerdote celebrante: “Lembrai-vos, Senhor, em primeiro lugar de B e A…”
O povo responde: “E de todos e de todas”, isto é, lembrai-vos, Senhor, de todos os que estão sendo mencionados e de todas as intenções pelas quais cada um de nós está rezando.
Unamo-nos ao celebrante para rezar por nossos mortos que “adormeceram com a esperança na ressurreição”, pedindo para eles “o descanso onde brilha a luz da face do Senhor” .
Oremos, também, seguindo a recomendação de São Paulo a seu discípulo Timóteo (ITm 2,1-4) “por todos os homens: pelos governantes e por todos os que ocupam cargos elevados, a fim de que, gozando da sua paz, possamos viver uma vida sossegada e tranqüila, em toda piedade e honestidade. Porque, acrescenta o apóstolo, isto é bom e agradável a Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”.
Em seguida o sacerdote conclui a Anáfora por uma doxologia trinitária particularmente solene, pela qual pede, ao mesmo tempo, a união de todos para a glorificação do santo nome de Deus. “E concedei-nos que, numa só voz e num só coração, glorifiquemos e celebremos vosso nome venerável e magnífico, Pai, Filho e Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos.”
Pelo “Amém” a assembléia reforça o pedido do celebrante para que, na Igreja, não haja senão “uma só fé e um só batismo”, como não há senão “um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que se entregou como resgate por todos” (1 Tm 2,5).
Preparação para a Comunhão
Toda a parte da liturgia que se desenrola depois da Anáfora até os atos manuais simbólicos da elevação, fração e imisção, inclusive o Pai-nosso, é considerada como preparação para a comunhão.
Uma pequena ectenia a introduz e um ecfonema concluindo a “oração da inclinação” a termina. Entre a ectenia e o Pai-nosso foi mais tarde intercalada a repetição da éticis que fora dita após o ofertório.
Pai-nosso
Numerosos são os testemunhos que, desde o fim do século IV, assinalam a recitação do Pai-nosso, entre a Anáfora e a Comunhão. Por causa da importância e da grande dignidade desta oração, precede-a, em todas as liturgias, uma introdução pela qual se pede a Deus que nos torne dignos de ousar rezá-la, pois não é pouca coisa poder chamar o Criador de Pai.
Os fiéis manifestaram já “a unidade na fé”, recitando o credo; responderam ao apelo “Amemo-nos uns aos outros”, pelo ósculo da paz. Assim, todos podem agora, com uma última confiança, ter a “audácia” de confessar sua divina filiação de filhos do Pai.
Pode ser considerado o “Pai-nosso” como uma preparação comum, essencial e perfeita, para a comunhão por vários motivos:
1. Porque o Pai-nosso é a oração dominical, isto é, a oração do Senhor: o próprio Mestre a ensinou a seus discípulos quando estes lhe pediram: “Senhor, ensinai-nos a rezar, assim como João ensinou a seus discípulos” (Mt 6,9 e Lc11, 2).
2. Porque o quarto pedido (“o Pão nosso de cada dia nos dai hoje”), entende-se como se referindo não somente ao pão material, alimento de nosso corpo, mas também e sobretudo ao “pão vivo que desce do céu, para que não morra quem dele se alimentar, mas viva eternamente” (Jo 6,50), alimento de nossa alma, ao pão eucarístico.
3. Porque, não podendo Deus aceitar o sacrifício, daquele que não está reconciliado com seu irmão (“se estás diante do altar, e aí te recordares que teu irmão tem algum motivo de queixa contra ti… vai reconciliar-te primeiro com teu irmão”), o Pai-nosso faz-nos proclamar que “perdoamos a quem nos tem ofendido”.
4. Porque o pedido ligado com esta reconciliação, “Perdoai-nos as nossas ofensas”, constitui uma purificação imediata de corações (desempenhando e melhor, o papel que tomaram em seguida neste lugar, certas fórmulas de contrição ).
Rezando o Pai-nosso, falemos com Deus como os filhos falam com seu pai, porque, conforme diz São Paulo, aos Efésios (2,18), por Cristo, que na sua carne destruiu as paredes da separação entre nós e Deus, e as inimizades, recebemos, no batismo, o Espírito Santo no qual temos acesso ao Pai. E então não somos mais hóspedes nem estranhos, mas concidadãos dos santos, filhos e membros da família de Deus.
Oração da Inclinação
O Pai-nosso não se conclui pelo “Amém”, mas por uma doxologia de louvor à Santíssima Trindade a quem pertence o reino, o poder e a glória pelos séculos.
Em seguida, mais uma vez o sacerdote deseja a paz a todos os fiéis presentes no templo e os convida a inclinar a cabeça ante o Senhor, em sinal de humilde respeito, de entrega e abandono nas mãos de Deus. Por mais forte que seja nossa confiança nele, visto que nos autorizou a chamá-lo de Pai; por mais filial que seja nossa intimidade com ele, não devemos nunca esquecer nossa condição de criaturas e de criaturas pecadoras.
A própria Virgem Maria que Deus elevou à mais alta dignidade que um ser humano pode alcançar, “sendo a Mãe de Deus”, nunca deixou de se proclamar sua serva. “Voltou seus olhos, disse ela em seu Magnificat, para a baixeza de sua serva.”
E nós, a exemplo de Maria, após ter chamado Deus de Pai, inclinemos humildemente nossas cabeças diante dele, e renovemos nossos protestos de submissão e acatamento a seus desígnios insondáveis.
Enquanto isto o sacerdote, pela oração secreta “da inclinação”, lembra ao Senhor que ele é o Criador todo-poderoso que tirou todas as coisas do nada para a existência e pede-lhe que “olhe do alto da sua morada santa para os que inclinaram suas cabeças diante dele, porque não as inclinaram diante de carne e sangue, mas diante dele, o Deus temível; e que repartisse os dons sagrados que estão em cima do altar, entre nós todos, para o bem de cada um, segundo as suas necessidades particulares, movido pela misericórdia de seu Filho Unigênito e por seu amor pelos homens… .
Atos Manuais Simbólicos
Após a inclinação das cabeças e a respectiva oração secreta, o sacerdote conclama os fiéis a “ficarem atentos” como para ouvir e ver algo de importante que está para acontecer. E logo cumpre os atos manuais simbólicos. Dá-se este nome a três atos: elevação, fração e mistura dos dons sagrados, feitos pelo celebrante para manifestar de modo mais expressivo a imolação de Cristo e a unidade de seu sacrifício, realizado sob a dupla espécie do pão e do vinho.
Elevação: O celebrante, segurando com dois dedos da mão direita o “Cordeiro”, isto é, a hóstia grande, eleva-a em cima da patena, bem à vista do povo, fazendo com ela uma cruz vertical e dizendo em voz alta: “As coisas santas aos Santos”.
Esta fórmula, que estava já em uso no século IV, significa que os dons sagrados que estão em cima do altar são santos, pois são o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e, portanto, só podem ser recebidos pelos santos, isto é, pelos cristãos que têm a consciência pura, conforme diz São Paulo: “Examine-se, pois, o homem, e assim coma deste Pão e beba do Cálice: porque quem come e bebe indignamente, sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação” (1 Cor 11,28).
A Assembléia, impressionada por estas palavras, clama: “Um só Santo, um só Senhor, Jesus Cristo, para a glória de Deus Pai. Amém”. Como para dizer que nenhum homem, exceto o “homem Jesus Cristo”, pode alcançar por suas próprias forças a santidade que glorifica o Pai. Eis por que, ainda que pecadores, mas com fome e sede de justiça, ousamos com a graça de nosso Salvador e Senhor, aproximar-nos para receber seu corpo e seu sangue, fonte de santidade.
A elevação do Cordeiro se faz para significar que Jesus Cristo é Rei, Senhor e Chefe; e que Deus “o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todo nome, para que ao Nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, na terra e nos infernos; e toda língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na Glória de Deus Pai” (FI 2,9).
Fração: Em seguida, o sacerdote parte o Cordeiro em quatro partes, segundo os cortes preparados já na prótese, dizendo secretamente: “É partido e fracionado o Cordeiro de Deus, que é partido sem ser dividido, que é sempre comido e nunca consumido, mas santifica os que o recebem”.
A fração não tem por finalidade somente partir o pão consagrado em partículas e facilitar, assim, a comunhão, mas tem um sentido simbólico: lembrar que Cristo partiu o pão antes de dá-lo a seus discípulos na última ceia, figurando a entrega de si mesmo por nós em sua paixão: “Comei, isto é o meu corpo que é partido por vós, para a remissão dos pecados”.
Os primeiros cristãos davam-lhe tanta importância que “fração do pão” designava a própria celebração eucarística (cf. At 2,46; lCor 10,16).
As palavras pronunciadas quando da fração do Cordeiro significam que Cristo é o mesmo ontem, hoje e pelos séculos. Ainda que seu Corpo seja partido todo dia nos altares, não é dividido e não padece mais; de modo que os que o recebem na Comunhão o recebem inteiro em cada partícula.
A fração da hóstia existe em todas as liturgias. Atualmente parte-se somente a hóstia do celebrante; as que se destinam à comunhão dos fiéis, ou são partidas com antecedência (na pró tese) ou são mesmo pré-fabricadas. Antigamente, em Roma, a fração era um ato importante: os bispos, sacerdotes, diáconos partiam todos os pães consagrados com vista à comunhão dos fiéis, enquanto se cantava o “Agnus Dei”.
Num “Ordo Romano” antigo do século VIII, consta o seguinte a respeito da fração da hóstia, na Missa Papal: O Papa eleva o Cordeiro e o primeiro diácono eleva o Cálice; depois, o Papa parte o Cordeiro e distribui as partículas aos servidores do templo que as levam aos sacerdotes das paróquias. E quando estes celebram em suas igrejas, deixam cair esta partícula no cálice antes da comunhão, em sinal de unidade de fé e de sacrifício. Em seguida, o Papa dá o ósculo da paz ao primeiro diácono e este ao primeiro Bispo. Depois distribui-se a cada bispo e sacerdote presente uma partícula do Cordeiro que ele guarda dentro de um lenço de linho, para, quando celebrar, misturá-la com o vinho consagrado no cálice.
Consignação e imisção (Persignação e mistura): Das quatro partes do Cordeiro partido, colocadas na patena em forma de cruz, o sacerdote tira a parte superior, na qual está marcado o monograma de Jesus (formado da primeira e pela última letra lI); faz com ela uma cruz em cima do cálice (consignação) e deixa-a cair nele (imisção ou mistura) dizendo: “A plenitude da fé do Espírito Santo”, simbolizando, assim, a unidade do sacrifício sob as duas espécies.
A mistura, precedida da consignação do cálice, refere-se, sem dúvida, à comunhão. Simboliza também a união do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, quando da sua Ressurreição, efetuada de certo modo no altar.
Água quente ou Zeón
Zeón significa vaso contendo água quente ou a própria água quente da qual o sacerdote, numa colherinha, despeja umas gotas no cálice.
O seu uso neste momento da Missa tem várias explicações: uma delas, inspirada nas palavras do sacerdote benzendo a água: “Bendito seja o fervor de vossos santos, a todo momento…” e, despejando-a no cálice: “O fervor da fé, cheio do Espírito Santo. Amém”, é a seguinte: simboliza a fé ardente que devemos ter na presença de Jesus Cristo, Deus e homem, no Cálice, e o Santo fervor com que devemos, a exemplo dos santos, nos unir a Cristo, pela comunhão.
Comunhão
Quinonicon (ou Canto da Comunhão): Durante os atos manuais simbólicos e a comunhão do celebrante, o coro executa-a lentamente a piedosa melodia do quinonicon (ou canto da comunhão): O tema desta melodia é um versículo tirado da Sagrada Escritura, e variando segundo os dias da semana e as grandes festas. Constata-se nele uma visível adaptação ao mistério ou ao santo do dia.
No rito bizantino, a cada dia da semana, liga-se a comemoração de um mistério particular, de um santo ou de um grupo de santos. Assim, domingo é consagrado à comemoração da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo; 2a feira, aos Santos Anjos; 3a feira, a São João Batista, o Precursor; 4a feira e 6a feira, ao mistério da Santa Cruz; sa feira, aos Santos Apóstolos, Taumaturgos e Bispos (especialmente São Nicolau); sábado, aos Confessores, mártires, todos os Santos e defuntos. Quanto à Virgem Maria, longe de ser esquecida, é comemorada todos os dias, a todos os ofícios, e particularmente domingo, 4a feira e 6a feira, em razão da sua participação no mistério da Redenção (cf. Litúrgica, p. 37).
Comunhão do Celebrante
Enquanto o coro canta o quinonicon, sacerdote e diácono recitam individualmente as orações preparatórias à comunhão, que são de grande beleza e servem também para os fiéis.
Em todos os ritos, o celebrante, bispo ou sacerdote, é o primeiro a comungar. A comunhão do celebrante no Precioso Sangue, distinta da Comunhão do Corpo de Cristo, foi sempre considerada como indispensável à integridade do rito eucarístico (por isso o celebrante deve comungar em todas as Missas que celebra).
Nas Missas Pontificais, os sacerdotes e diáconos concelebrantes recebem a comunhão da mão do Bispo, que lhes entrega, primeiro, a cada um, uma partícula (especialmente consagrada para isto) na palma da mão direita, colocada em forma de cruz, em cima da mão esquerda. Depois de comê-la, bebem cada um, três sorvos diretamente do cálice, segurado pelo bispo.
A fórmula que o celebrante reza ao receber o corpo e o sangue é bastante significativa: “O precioso e santo Corpo (ou sangue) de Nosso Deus e Salvador Jesus Cristo é dado a mim N…, sacerdote, para a remissão dos meus pecados e para a vida eterna”.
Depois de comungar do Precioso Sangue, ao limpar os lábios com o sangüíneo, o sacerdote diz: “Isto tocou meus lábios, apagou minhas faltas e me purifica de meus pecados” .
Esta fórmula é tirada de Isaías. O profeta conta que, quando em visão, viu o Senhor sentado num trono muito elevado e os Serafins cantando: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos, a terra toda está cheia da sua glória”, um dos Serafins voou em sua direção, trazendo na mão uma pedra em brasa que tinha tomado do altar com uma tenaz, aplicou-a sobre sua boca e disse: “Tendo esta pedra tocado teus lábios, teu pecado foi tirado e tua falta apagada”. E logo foi-lhe comunicada a missão que devia desempenhar junto ao povo de Israel (Is 6,1-8).
Simbolismo da Comunhão dos Celebrantes
Os primeiros que comungam ao Corpo e Sangue de Jesus Cristo são os sacerdotes, no santuário. Figuram os Apóstolos a quem o Salvador deu primeiro seu corpo e sangue e comungam sob as duas espécies separadamente. Esta comunhão dos sacerdotes no santuário figura a ceia mística de Jesus com os seus Apóstolos, sua paixão, sua morte e seu sepultamento.
A manifestação da Ressurreição é figurada pela abertura das Portas Santas no momento em que os fiéis são convidados para a comunhão. Quando os celebrantes comungam antes da abertura das Portas Santas, ficam repletos da graça celeste da Ressurreição, pois estão no sepulcro do Senhor representado pelo altar. Lembram os anjos que, antes da abertura do túmulo, foram as testemunhas da Ressurreição e anunciaram o prodígio às santas mulheres.
Estando, pois, como que iluminados pela luz da Ressurreição, transmitem esta graça ao povo, na abertura das portas santas, como na abertura do túmulo (P. Couturier, 189 e Maria… p. 99).
Comunhão dos fiéis
O celebrante, segurando o cálice e a patena, de frente para a assembléia, convida os fiéis para a comunhão, dizendo em voz alta: “Com temor de Deus, fé e caridade, aproximai-vos”. Neste convite exprimem-se as disposições que cada um deve ter ao aproximar-se para receber “o pão vivo descido do céu”, Jesus Cristo, o Salvador: “Temor e respeito, fé e amor”. O povo manifesta logo sua alegria e sua fé na presença real: “Amém, amém, bendito seja o que vem em nome do Senhor. O Senhor é Deus e nos apareceu”. E, no caso de muitas comunhões, acrescenta uma das orações secretas que o sacerdote rezou para se preparar para a comunhão: “Recebei-me, hoje, participante da vossa ceia mística, ó Filho de Deus…”
A comunhão sob as duas espécies vigorou, sempre, como regra nos ritos orientais (não latinizados). Para comungar, os fiéis recebiam outrora uma partícula do pão consagrado na palma da mão direita e bebiam diretamente do cálice. As mulheres costumavam cobrir a mão com um véu.
Razões práticas de conveniência, como o perigo de entornar o precioso sangue, a repugnância, ou a ameaça de uma epidemia proveniente do fato de todos beberem pelo mesmo cálice, foram sugerindo diversas maneiras de comungar sob a espécie do vinho. Assim, usou-se beber do cálice por meio de um canudinho de ouro, ou o celebrante verter, com uma pequena colher, uma gota do cálice na boca do comungante; mais tarde, porém, para evitar todo perigo de profanação, o sacerdote passou a despejar no cálice as partículas consagradas e a dar assim, a comunhão sob as duas espécies misturadas com uma colher de ouro. Atualmente pratica-se geralmente a “intinção”, isto é, o sacerdote embebe no precioso Sangue a extremidade da partícula a ser dada ao comungante.
No Ocidente a comunhão sob as duas espécies manteve-se até o século XIII. Depois pouco a pouco começou a desaparecer.
O Concílio Vaticano II admitiu expressamente a possibilidade do restabelecimento da comunhão também sob a espécie do vinho, reservando à Sé Apostólica a determinação dos casos precisos, aos quais isto poderá ser feito, e ao bispo o juízo da sua oportunidade concreta.
Para os fiéis tomarem verdadeiramente parte na Missa, não deveria ser isto concebível sem a comunhão. A cada Missa os fiéis deveriam poder comungar: assim foi o uso apostólico e assim recomenda a Igreja. Nem a beleza das orações, nem a magnificência das cerimônias substituem a Comunhão. Se, na Missa, Cristo se oferece em vítima, é precisamente para que possamos comungar a seu sacrifício, recebendo-o em partículas consagradas na Missa a que assistimos, conforme a verdadeira tradição, e não em hóstias antecipadamente consagradas e conservadas no sacrário, a não ser em casos especiais.
Para se preparar a Comunhão recomenda-se rezar as comoventes orações litúrgicas que a Igreja faz o celebrante recitar secretamente: encontramos nelas o correspondente aos atos de fé, de contrição, de desejo e de amor.
Os fiéis comungam de pé, aproximando-se em duas filas e fazendo uma reverência acompanhada do sinal da cruz, antes de chegar até ao sacerdote, e depois de receber o corpo e o sangue do Senhor. O uso ocidental de receber a comunhão de joelhos começou no século XIII: correspondia a uma mudança na interpretação das atitudes litúrgicas e possivelmente também, a uma evolução da piedade eucarística. Pelo Concílio Vaticano II, foi autorizado o restabelecimento do antigo uso.
A fórmula usada pelo sacerdote no momento de dar a comunhão aos fiéis requer que ele nomeie cada um pelo nome do Batismo: “O servo (ou a serva) de Deus N… recebe o santo e precioso corpo e sangue de nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo para a remissão de seus pecados e para a vida eterna”. Por isso, visto a impossibilidade de o sacertode saber o nome de todos os comungantes, em certas igrejas cada fiel, ao chegar sua vez de comungar, pronuncia em voz baixa seu nome, de modo a ser ouvido pelo sacerdote que o repete ao lhe dar a comunhão.
Ação de Graças e Despedida
Terminada a comunhão dos fiéis, o celebrante dá-lhes a bênção, dizendo: “á Deus, salvai o vosso povo e abençoai a vossa herança”. Porque, conforme diz São Paulo aos Romanos, todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus… E, se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, se é que padecemos com ele, para com ele sermos glorificados” (Rm 8,14-17).
Recebemos esta bênção como se a nós tivesse sido dada pelo próprio Senhor Jesus, quando ao subir ao céu “levantando as mãos, abençoou seus discípulos” (Lc 24,50). Após ter-lhes dito “recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e dareis testemunho de mim… até as extremidades da terra” (At 1,8).
A resposta da assembléia é uma verdadeira profissão de fé, cheia de grata alegria: “Vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito Celeste, encontramos a fé verdadeira, adorando a Trindade indivisível, porque ela nos salvou”. Enquanto isto, o sacerdote, no altar, rende uma última homenagem de adoração às Santas Espécies, com orações e gestos que parecem querer simbolizar a ascensão do Salvador ao céu: incensa-as dizendo: “á Deus, sede exaltado por cima dos céus, e que vossa glória se estenda por toda a terra”. Em seguida, retoma às Portas Santas, ostentando o cálice e a patena e dizendo: “Bendito seja o nosso Deus a todo momento…” e leva-os para o altar da preparação onde se fará a consumição das hóstias que sobraram e a purificação dos vasos sagrados.
O hino “Sejam nossas bocas, Senhor, cheias de vossos louvores” cantado pelo coro, inicia a ação de graças pela participação nos mistérios santos, imortais, puros e vivificantes, que o sacerdote conclui: “Porque sois nossa santificação e nós vos rendemos glórias, Pai…” Ao pronunciar o nome da Santíssima Trindade, faz com o livro dos Evangelhos uma cruz em cima do altar e coloca-o sobre o Antimênsion, como estava no começo da missa. Ali ficará, dia e noite, como em cima de seu trono, conforme já vimos. E logo procede-se à despedida dos fiéis. O sacerdote convida-os a se retirarem junto com ele do templo: “Vamos em paz”, como fez Jesus a seus Apóstolos, após a última Ceia: “Levantai-vos. Vamo-nos daqui” (10 14,31). E sai do santuário, para, diante do Ícone do Salvador, rezar a oração conhecida pelo nome de “oração atrás do ambão”, porque se rezava antigamente atrás do ambão (estrado) que ficava no meio da Igreja diante da iconostase. Nesta bela oração pede-se a Deus, de novo e pela última vez na liturgia, a santificação e a paz para suas Igrejas e seus ministros, para os governantes, o exército e todo o povo, porque somente dele procedem todos dons e dádivas, e ele abençoa os que o bendizem e santifica os que nele confiam.
(O coro, confirmando as palavras do sacerdote, bendiz e exalta o nome do Senhor.)
Na Missa de São Basílio, enquanto o coro exalta e bendiz o nome do Senhor, o sacerdote, olhando para o altar da preparação, onde agora estão os dons sagrados, reza secretamente a seguinte oração que resume, mais detalhadamente que na Missa de São João Crisóstomo, o que foi feito durante a ação litúrgica que chega a seu fim: “Ó Cristo, nosso Deus, cumprimos, na medida de nossas possibilidades, o mistério de vossa economia divina: renovando o memorial de vossa paixão e contemplando em figura a vossa ressurreição; ficamos repletos de vossa vida infinita e antegozamos vossas inesgotáveis delícias, das quais vos pedimos tornar-nos a todos dignos do século que há de vir”.
E logo dá a bênção à Assembléia. Não tendo nada a apresentar como sendo nosso que nos possa merecer a salvação, voltamos nossos olhos para a paternal bondade daquele que é o único a poder salvar-nos, devido a sua misericórdia e seu amor pelos homens. Recorremos também a escolhidos intercessores capazes de defender a nossa causa, ocupando o primeiro lugar a Santíssima Mãe de Deus, pela intercessão da qual obtivemos já tantas vezes a misericórdia.
Apresentamos a Cristo Jesus, como advogados nossos, santos da sua maior intimidade e até parentes seus pelo sangue: Sua Mãe, Maria, seus avós, Joaquim e Ana, seus Apóstolos que ele chama de “Amigos e filhinhos” (Jo 13,33); e também o padroeiro da Igreja dentro da qual ele acaba de se oferecer em sacrifício; o autor da liturgia, no decorrer da qual ele se tornou presente entre nós. Nada é mais sintomático do lugar que ocupa Maria na piedade bizantina, que as menções que dela se fazem no decurso da liturgia e de modo especial nos momentos mais solenes, como a Anáfora e a Comunhão, o que levou um estudioso liturgista a dizer: “Parece que a Igreja não pode realizar nenhum ato de seu culto sem a ele associar Maria, ou melhor, sem nele se associar a Maria, como Àquela que é, por excelência, a associada de Cristo, Àquele por quem todo o corpo místico, em tudo o que faz, se une a seu chefe” (Maria… p. 98).
Antidórom
Nas liturgias solenes o celebrante distribui aos fiéis, após a despedida, o antidórom, ou pão bento, dizendo: “Que a bênção do Senhor e sua misericórdia desçam sobre vós…”
Literalmente, antidórom significa “em lugar do dom, em substituição ao dom”. O dom aqui é o corpo e o sangue de Nosso Senhor. Este pão bento destinava-se, primitivamente, àqueles que não tinham comungado. Eram partes sobrando dos pães (prósfora), que o sacerdote, na preparação do sacrifício, utilizou para deles tirar as partículas (Cordeiro e pérolas) necessárias para a Comunhão. Cortadas em pedaços pequenos, eram bentas, depois da consagração ou antes do hino à Virgem Maria, “É verdadeiramente justo…”, com um simples sinal da cruz. Todo assistente ao sacrifício da Antiga Lei, assim como aos ritos pagãos, participava do holocausto. A Igreja primitiva permaneceu fiel a esta lei do sacrifício. Mas como a recepção do Cordeiro da Nova Lei requer disposições especiais de pureza e santidade, rapidamente chegou-se à substituição da comunhão ao corpo e sangue de Cristo pela manducação dos pães dos quais o sacerdote tirou a matéria do sacrifício.
Este pão bento lembra, também, as refeições ou ceias fraternais ou de caridade (Ágapes), que os cristãos tomavam juntos, antes ou depois da celebração da Eucaristia. Devemos comê-lo com respeito e piedade e levá-los aos que, por motivo justo, não puderam estar presentes ao Santo Sacrifício, como os doentes e viajantes. Para marcar a diferença entre a comunhão propriamente dita e a manducação deste pão bento, o povo dos campos (na Síria e no Líbano) chama o Antidórom “o corpo de Maria”. Receber o Antidórom é receber o corpo de Maria. Esta concepção popular realça de modo tocante o papel de Maria na Missa e no pensamento dos fiéis, e une num mesmo sacrifício Filho e Mãe, ilustrando tão bem estas palavras de Simeão de Tessalônica a respeito da Prótese: “Nela extrai-se o Cordeiro do pão para recordar que o Verbo de Deus nasceu da Santíssima Virgem” (Maria… p. 101-102).
É costume, enquanto o sacerdote faz as abluções e tira os paramentos, o leitor rezar em voz alta as orações de ação de graças para serem ouvidas pelos que participaram do sacrifício e receberam o corpo e o sangue de Cristo. Em seguida, os fiéis retiram-se em paz, levando em seus corações, e em seu espírito, o alimento da Palavra de Deus e de sua graça, como semente boa que deve germinar, crescer e manifestar-se em sua vida de cada dia, pelas boas obras, pela prática das virtudes e pelo cumprimento de seus deveres de estudo; a fim de que, como disse Jesus, “brilhe a sua luz diante dos homens, para que vejam suas obras boas e glorifiquem seu Pai, que está no céu” (Mt 5,16).
Tríptico dos Sete Sacramentos - Rogier Van Der Weyden
A definição de Sacramento é: “Um sinal visível e eficaz da graça, instituído por Jesus Cristo, para nossa santificação”.
O “sinal visível” constitui a parte material do Sacramento. Nos sinais que constituem a parte material de um sacramento, temos dois elementos: O primeiro é o objeto material que se utiliza, que denominamos matéria do Sacramento; por exemplo: água no Batismo, óleo na Crisma. Essa ação em si, não teria significado se não manifestasse algum propósito. Tem que acompanhá-la algumas palavras ou gestos que lhe dêem significado. Esse segundo elemento do Sacramento chamamos de forma. No Sacramento do Batismo a água é a matéria, as palavras . . . eu te batizo . . . é a forma.
Todos os sete Sacramentos foram instituídos por Jesus Cristo. O poder humano não pode ligar a graça interior a um sinal externo, algo que somente Deus pode fazer. A Ascensão de Nosso Senhor pôs um ‘ponto final’ nos Sacramentos, por isso, não há e não haverá outros sacramentos além dos 7 que nos foram deixados.
O fim essencial dos Sacramentos é comunicar-nos a Graça Santificante.
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Breve observação: Graça não é uma ajuda especial, um socorro, um favor que pedimos a Deus; não significa um “perdão” de Deus, nem uma diminuição de pena; não significa aquele “fervor religioso” que podemos experimentar num momento de oração; essas consolações sensíveis pertencem ao sentimento, que é sempre passageiro, isto é, muda conforme o estado psicológico.
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Graça vem do grego Karis, que significa “o que torna agradável uma pessoa”. É um DOM, não merecido pelo homem e ao qual não tem direito, e que é dado por Deus, que torna essas pessoas agradáveis a Seus Olhos. É um dom sobrenatural dado de graça por Deus, em vista da salvação eterna. Ela apaga todo tipo de pecado, nos faz filhos de Deus, membros da Igreja, herdeiros do Céu.
A Graça é o maior dom que a criatura pode possuir. É a maior riqueza espiritual. Além disso, pode-se dizer que a Graça divina é o único ‘passaporte’ válido para entrar no Reino de Deus. Sem a Graça, o homem não se purifica, e assim não pode ter parte com Deus na sua glória.
Quais são os Sacramentos?
Os Sacramentos são como canais que trazem até nós a Graça divina, são os meios que Deus usa para santificar a Igreja e o mundo. Eles são: Batismo, Crisma, Penitência, Eucaristia, Unção dos Enfermos, Ordem, Matrimônio.
I. SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
Batismo
“Ide pelo mundo inteiro, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” Mt 28,19.
O batismo é o sacramento da iniciação cristã. Ele nos purifica do pecado original, com o qual todos nascemos, e nos comunica o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus. Antes do batismo, pertencíamos ao demônio, e tínhamos a alma pagã. Depois dele, pertencemos a Deus. “Deus nos marcou com seu SELO e colocou o Espírito Santo em nossos corações” (2Cor 1,22)
O Batismo é necessário para a salvação. “Quem crer e for batizado, será salvo” (Mc 16,16). Por isso, é lícito e recomendado receber o Batismo ainda bebês. De fato, Nosso Senhor nos diz: “Deixai vir a mim as criancinhas e nãos as impeçais, porque o Reino dos Céus é para aqueles que se lhes assemelham.” Mt 19,14.
O Batismo é a fonte da vida nova em Cristo, fonte esta da qual brota toda a vida cristã. Com o Batismo, recebemos também as responsabilidades de cristãos, assumidas por nós pelos nossos padrinhos, que serão responsáveis por nos guiar, até que possamos assumiras promessas por nós mesmos, na Confirmação.
Confirmação (Crisma)
“Os apóstolos estavam em Jerusalém, ao saberem que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, para lá enviaram Pedro e João. Estes desceram, pois, para junto dos samaritanos e oraram por eles, a fim de que recebessem o ESPÍRITO SANTO, porque ainda não viera sobre nenhum deles, mas somente tinham sido BATIZADOS em nome do Senhor Jesus. Impunham-lhe as mãos e eles recebiam o ESPÍRITO SANTO” (At 8,14-17).
Nosso Senhor havia prometido o divino Espírito Santo a todos os fiéis. É claro, então, que deu aos apóstolos as instruções de como comunicá-lo aos fiéis batizados. Vemos outras vezes nas Sagradas Escrituras ainda com o nome de imposição das mãos (não confundir com a Imposição das Mãos da Ordem).
Neste Sacramento, pela imposição das mãos, o fiel batizado recebe o Espírito Santo, para testemunhar Jesus Cristo. É conferida normalmente por um bispo, ou, em caso extraordinário, pelo sacerdote.
Receber o Espírito Santo na Confirmação significa tornar-se adulto na fé, e empenhar-se para testemunhá-la diante do mundo, com a palavra, com o exemplo de uma vida séria e cristã. Nos comunica os dons do Espírito Santo de forma plena, que são: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Também os frutos do Espírito Santo: caridade, alegria, paz, paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência e castidade.
Na Confirmação, como o próprio nome diz, também reafirmamos nossas promessas de Batismo, lembrando-nos de nossas responsabilidades e vocação cristã. Mas não devemos confundir, e achar que o Batismo é incompleto ou necessita de complemento. A Crisma também não é absolutamente necessária para a Salvação da Alma.
Eucaristia
(retirado do Catecismo)
271. O que é a Eucaristia?É o próprio sacrifício do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, que ele instituiu para perpetuar pelos séculos, até seu retorno, o sacrifício da cruz, confiando assim à sua Igreja o memorial de sua Morte e Ressurreição. É o sinal da unidade, o vínculo da caridade, o banquete pascal, no qual se recebe Cristo, a alma é coberta de graça e é dado o penhor da vida eterna. 1322-1323 1409272. Quando Jesus Cristo instituiu a Eucaristia?
Institui-a na Quinta-feira Santa, “na noite em que ia ser entregue” (1 Cor 11,23), celebrando com os seus Apóstolos a Última Ceia. 1323 1337-1340
273. Como a instituiu?
Depois de ter reunido os seus Apóstolos no Cenáculo, Jesus tomou nas suas mãos o pão, partiu-o e o deu a eles, dizendo: “Tomai todos e comei: isto é o meu corpo que será entregue por vós”. Depois tomou nas suas mãos o cálice do vinho e lhes disse: “Tomai todos e bebei: este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”. 1337-1340 1365,1406
274. O que representa a Eucaristia na vida da Igreja?
É fonte e ápice de toda a vida cristã. Na Eucaristia, atingem o seu clímax a ação santificante de Deus para conosco e o nosso culto para com ele. Ela encerra todo o bem espiritual da Igreja: o mesmo Cristo, nossa Páscoa. A comunhão da vida divina e a unidade do Povo de Deus são expressas e realizadas pela Eucaristia. Mediante a celebração eucarística, já nos unimos à liturgia do Céu e antecipamos a vida eterna. 1324-1327 1407
275. Como é chamado esse sacramento?
A insondável riqueza desse sacramento se exprime com diversos nomes que evocam seus aspectos particulares. Os mais comuns são: Eucaristia, Santa Missa, Ceia do Senhor, Fração do pão, Celebração eucarística, Memorial da paixão, da morte e da ressurreição do Senhor, Santo Sacrifício, Santa e Divina Liturgia, Santos Mistérios, Santíssimo Sacramento do altar, Santa Comunhão. 1328-1332
276. Como se situa a Eucaristia no desígnio divino da salvação?
Na Antiga Aliança, a Eucaristia é prenunciada, sobretudo, na ceia pascal anual, celebrada todo ano pelos hebreus com os pães ázimos como lembrança da imprevista e libertadora saída do Egito. Jesus a anuncia em seu ensinamento e a institui celebrando com os seus Apóstolos a última Ceia durante um banquete pascal. A Igreja, fiel ao mandamento do Senhor, “Fazei isto em minha memória” (1 Cor 11,24), sempre celebrou a Eucaristia, sobretudo no domingo, dia da ressurreição de Jesus. 1333-1344
277. Como se desdobra a celebração da Eucaristia?
Desdobra-se em dois grandes momentos, que formam um só ato de culto: a liturgia da Palavra, que compreende a proclamação e a escuta da Palavra de Deus; a liturgia eucarística, que compreende a apresentação do pão e do vinho, a oração ou anáfora, que contém as palavras da consagração, e a comunhão. 1345-1355 1408
278. Quem é o ministro da celebração da Eucaristia?
É o sacerdote (bispo ou presbítero), validamente ordenado, que age na Pessoa de Cristo Cabeça e em nome da igreja. 1348 1411
279. Quais são os elementos essenciais e necessários para realizar a Eucaristia?
São o pão de trigo e o vinho da videira. 1412
280. Em que sentido a Eucaristia é memorial do sacrifício de Cristo?
A Eucaristia é memorial no sentido de que torna presente e atual o sacrifício que Cristo ofereceu ao Pai na cruz, uma vez por todas, em favor da humanidade. 0 caráter sacrifical da Eucaristia se manifesta nas próprias palavras da instituição: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” e “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,19-20). 0 sacrifício da cruz e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício. Idênticos são a vítima e o oferente, diferente é apenas o modo de oferecer: cruento na cruz, incruento na Eucaristia. 1362-1367
281. De que modo a Igreja participa do sacrifício eucarístico?
Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo se torna também o sacrifício dos membros do seu Corpo. A vida dos fiéis, seu louvor, seu sofrimento, sua oração, seu trabalho estão unidos ao de Cristo. Como sacrifício, a Eucaristia é também oferecida por todos os fiéis vivos e defuntos, em reparação dos pecados de todos os homens e para obter de Deus benefícios espirituais e temporais. Também a Igreja do céu está unida na oferta de Cristo. 1368-1372 1414
282. Como Jesus está presente na Eucaristia?
Jesus Cristo está presente na Eucaristia de modo único e incomparável. Está presente, com efeito, de modo verdadeiro, real, substancial:com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Nela está, portanto, presente de modo sacramental, ou seja, sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo todo inteiro: Deus e homem. 1373-1375 1413
283. 0 que significa transubstanciação?
Transubstanciação significa a conversão de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue. Essa conversão se realiza na oração eucarística, mediante a eficácia da palavra de Cristo e da ação do Espírito Santo. Todavia, as características sensíveis do pão e do vinho, ou seja, as “espécies eucarísticas”, permanecem inalteradas. 1376-1377 1413
284. A fração do pão divide Cristo?
A fração do pão não divide Cristo: ele está presente todo e íntegro em cada espécie eucarística e em cada uma de suas partes. 1377
285. Até quando continua a presença eucarística de Cristo?
Ela continua até que subsistam as espécies eucarísticas. 1377
286. Que tipo de culto é devido ao sacramento da Eucaristia?
É devido o culto de latria, ou seja, de adoração reservado unicamente a Deus, seja durante a celebração eucarística, seja fora dela. A Igreja, com efeito, conserva com a máxima diligência as Hóstias consagradas, leva-as aos enfermos e a outras pessoas impossibilitadas de participar da Santa Missa, apresenta-as à solene adoração dos fiéis, leva-as em procissão e convida à freqüente visita e adoração do Santíssimo Sacramento conservado no tabernáculo. 1378-1381 1418
287. Por que a Eucaristia é o banquete pascal?
A Eucaristia é o banquete pascal, porquanto Cristo, ao realizar sacramentalmente a sua Páscoa, nos dá o seu Corpo e o seu Sangue, oferecidos como alimento e bebida, e nos une a si e entre nós no seu sacrifício.
1382-1384 1391-1396
288. O que significa o altar?
O altar é o símbolo do próprio Cristo, presente como vítima sacrifical (altar-sacrifício da cruz) e como alimento celeste que se dá a nós (altarmesa eucarística). 1383 1410
289. Quando a Igreja obriga a participar da santa missa?
A Igreja obriga os fiéis a participar da santa missa todo domingo e nas festas de preceito, e recomenda que dela se participe também nos outros dias. 1389 1417
290. Quando se deve comungar?
A Igreja recomenda aos fiéis que participam da santa missa que recebam com as devidas disposições também a santa Comunhão, prescrevendo a obrigação de comungar pelo menos na Páscoa. 1389
291. O que se requer para receber a santa comunhão?
Para receber a santa Comunhão, deve-se estar plenamente incorporado à Igreja católica e estar em estado de graça, ou seja, sem consciência de pecado mortal. Quem estiver consciente de ter cometido um pecado grave deve receber o sacramento da Reconciliação antes de se aproximar da comunhão. Importantes são também o espírito de recolhimento e de oração, a observância do jejum prescrito pela Igreja e a atitude do corpo (gestos, roupas), em sinal de respeito a Cristo. 1385-1389 1415
292. Quais são os frutos da santa Comunhão?
A santa comunhão aumenta a nossa união com Cristo e com a sua Igreja, conserva e renova a vida de graça recebida no Batismo e na Crisma e nos faz crescer no amor para com o próximo. Fortificando-nos na caridade, cancela os pecados veniais e nos preserva de futuros pecados mortais.
1391-1397 1416
293. Quando é possível administrar a santa Comunhão aos outros cristãos?
Os ministros católicos administram licitamente a santa Comunhão aos membros das Igrejas Orientais que não têm comunhão plena com a
Igreja católica sempre que eles o pedirem espontaneamente e estiverem bem dispostos.
Para os membros de outras comunidades eclesiais, os ministros católicos administram licitamente a santa Comunhão aos fiéis que diante de uma grave necessidade o peçam espontaneamente, estejam bem dispostos e manifestem a fé católica a respeito do sacramento. 1398-1401
294. Por que a Eucaristia é “penhor da glória futura”?
Porque a Eucaristia nos enche de graça e bênção do Céu, fortalecenos para a peregrinação nesta vida e nos faz desejar a vida eterna, unindo-nos já a Cristo, que subiu para a direita do Pai, à Igreja do céu, à beatíssima Virgem e a todos os Santos. 1402-1405
Na Eucaristia nós partimos “ó único pão que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver em Jesus Cristo para sempre” (Santo Inácio de Antioquia).
II. SACRAMENTOS DE CURA
Cristo, médico da alma e do corpo, os instituiu porque a vida nova,
que nos foi dada por ele nos sacramentos da iniciação cristã, pode ser enfraquecida e até perdida por causa do pecado. Por isso, Cristo quis que a Igreja continuasse a sua obra de cura e de salvação mediante esses dois sacramentos.
Penitência
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. (1 João 1,9)
É chamado de sacramento da Penitência, da Reconciliação, do Perdão, da Confissão, da Conversão. Uma vez que a vida nova na graça, recebida no Batismo, não suprimiu a fraqueza da natureza humana nem a inclinação ao pecado (ou seja, a concupiscência), Cristo instituiu esse sacramento para a conversão dos batizados que se afastaram dele peso pecado.
O Senhor ressuscitado instituiu esse sacramento quando, na noite de Páscoa, apareceu a seus Apóstolos e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, serão retidos” (Jo 20,22-23). O apelo de Cristo à conversão ressoa continuamente na vida dos batizados. Essa conversão é um compromisso contínuo para toda a Igreja, que é santa, mas reúne em seu seio os pecadores.
É necessário o “coração contrito” (SI 51,19) movido pela graça divina a responder ao amor misericordioso de Deus. Implica a dor e a repulsa pesos pecados cometidos, o firme propósito de não mais pecar no futuro e a confiança na ajuda de Deus. Nutre-se da esperança na misericórdia divina. A penitência se exprime de formas muito variadas, em particular com o jejum, a oração, a esmola. Essas e muitas outras formas de penitência podem ser praticadas na vida cotidiano do cristão, em particular no tempo da Quaresma e no dia penitencias da sexta-feira.
Os atos do penitente são: um diligente exame de consciência; a contrição (ou arrependimento), que é perfeita quando é motivada peso amor para com Deus,imperfeita se fundada em outros motivos, e que inclui o propósito de não pecar mais; a confissão, que consiste na acusação dos pecados feita perante o sacerdote; a satisfação, ou seja, o cumprimento de certos atos de penitência que o confessor impõe ao penitente para reparar o dano causado pelo pecado. Devem-se confessar todos os pecados graves ainda não confessados de que alguém se lembra depois de um diligente exame de consciência. A confissão dos pecados graves é o único modo ordinário para obter o perdão. Todo fiel, tendo atingido a idade da razão, é obrigado a confessar os próprios pecados graves pelo menos uma vez ao ano, e sempre antes de receber a santa Comunhão. Embora não seja estritamente necessária, a confissão dos pecados veniais é vivamente recomendada pela Igreja, porque nos ajuda a formar uma reta consciência e a lutar contra as tendências más, para nos deixar curar por Cristo e progredir na vida do Espírito.
Cristo confiou o ministério da reconciliação a seus Apóstolos, aos bispos seus sucessores e aos presbíteros seus colaboradores, os quais se tornam, portanto, instrumentos da misericórdia e da justiça de Deus. Eles exercem o poder de perdoar os pecados em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Dada a delicadeza e a grandiosidade desse ministério e o respeito devido às pessoas, todo confessor é obrigado, sem exceção alguma e sob penas muito severas, a guardar o sigilo sacramental, ou seja, o absoluto segredo acerca dos pecados conhecidos na confissão (dizem que o confessionário é um lugar no qual nem os anjos podem penetrar).
Os efeitos do sacramento da Penitência são: a reconciliação com Deus e, portanto, o perdão dos pecados; a reconciliação com a Igreja; a recuperação do estado de graça, se foi perdido; a remissão da pena eterna merecida por causa dos pecados mortais e, pelo menos em parte, das penas temporais que são conseqüência do pecado; a paz e a serenidade da consciência, e a consolação do espírito; o crescimento das forças espirituais para o combate cristão.
Unção dos Enfermos
No Antigo Testamento, o homem experimenta durante a doença o próprio limite e percebe ao mesmo tempo que a doença está ligada, de modo misterioso, ao pecado. Os profetas entreviram que ela podia ter também um valor redentor para os pecados próprios e dos outros. Assim, a doença era vivida diante de Deus, a quem o homem implorava a cura.
A compaixão de Jesus para com os doentes e as suas numerosas curas de enfermos são um claro sinal de que com ele chegou o Reino de Deus e, portanto, a vitória sobre o pecado, sobre o sofrimento e sobre a morte. Com sua paixão e morte, ele dá novo sentido ao sofrimento, o qual, se unido ao seu, pode se tornar meio de purificação e de salvação para nós e para os outros.
A Igreja, tendo recebido do Senhor a ordem de curar os enfermos compromete-se a cumpri-la com os cuidados para com os doentes, acompanhados de oração de intercessão. Ela possui sobretudo um sacramento específico em favor dos enfermos, instituído pelo próprio Cristo e atestado por são Tiago: “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da igreja, para que orem sobre ele, ungido-o com óleo no nome do Senhor” (Tg 5,14).
Pode receber esse sacramento o fiel que começa a se encontrar em perigo de morte por doença ou velhice. O mesmo fiel pode recebê-lo também outras vezes, quando se verifica um agravamento da doença ou quando lhe acontece uma outra doença grave. A celebração desse sacramento deve ser, se possível precedida pela confissão individual do doente. A celebração desse sacramento consiste essencialmente na unção com o óleo, bento possivelmente pelo bispo, sobre a fronte e sobre as mãos do doente (no rito romano, ou também em outras parte do corpo em outros ritos), acompanhada pela oração do sacerdote, que implora a graça especial desse sacramento. Ele confere uma graça particular, que une mais intimamente o doente à Paixão de Cristo, para o seu bem e o de toda a Igreja, dando-lhe conforto, paz, coragem e até o perdão dos pecados, se o doente não pôde confessar-se. Esse sacramento permite às vezes, se Deus o quiser, até a recuperação da saúde física. Em todo caso, essa Unção prepara o doente para a passagem à Casa do Pai.
III. SACRAMENTOS A SERVIÇO DA COMUNHÃO E DA MISSÃO
Dois sacramentos, a Ordem e o Matrimônio, conferem uma graça especial para uma missão particular na Igreja a serviço da edificação do povo de Deus. Eles contribuem em particular para a comunhão eclesial e para a salvação dos outros.
Ordem
“Somente Cristo é o verdadeiro sacerdote; os outros são os seus ministros” (Santo Tomás de Aquino).
É o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo aos seus Apóstolos continua a ser exercida na Igreja, até o final dos tempos. Ordem indica um corpo eclesial de que se passa a fazer parte mediante uma especial consagração (Ordenação), a qual, por um particular dom do Espírito Santo, permite exercer um sagrado poder em nome e com a autoridade de Cristo a serviço do Povo de Deus. Na Antiga Aliança, são prefigurações desse sacramento o serviço dos Levitas, bem como o sacerdócio de Aarão e a instituição dos setenta “Anciãos” (Nm 11,25). Essas prefigurações encontram seu cumprimento, em Cristo Jesus, o qual, com o sacrifício da sua cruz, é o “único […] mediador entre Deus e os homens” (1Tm 2,5), o “sumo Sacerdote à maneira de Melquisedec” (Hb 5,10). 0 único sacerdócio de Cristo se torna presente pelo sacerdócio ministerial.
O sacramento da Ordem compõe-se de três graus, que são insubstituíveis para a estrutura orgânica da Igreja: o episcopado, o presbiterado e o diaconato. A Ordenação episcopal confere a plenitude do sacramento da Ordem, faz do bispo o legítimo sucessor dos Apóstolos, insere-o no Colégio episcopal, partilhando com o papa e os outros bispos a solicitude por todas as igrejas, e lhe confia os ofícios de ensinar, santificar e reger. O bispo, a quem é confiada uma igreja particular, é o princípio visível e o fundamento da unidade dessa Igreja, em relação à qual exerce, como vigário de Cristo, o oficio pastoral, ajudado pelos próprios presbíteros e diáconos.
Sobre a ordenação presbiteral, marca o presbítero comum com um caráter espiritual indelével, configura-o a Cristo sacerdote e o torna capaz de agir no Nome de Cristo Cabeça. Sendo cooperador da Ordem episcopal, ele é consagrado para pregar o Evangelho, para celebrar o culto divino, sobretudo a Eucaristia de que tira força o seu ministério, e para ser o pastor dos fiéis. Todos os presbíteros (chamados de ‘padres’) estão submetidos a um bispo. Mesmo sendo ordenado para uma missão universal, ele a exerce numa Igreja particular, em fraternidade sacramental com os outros presbíteros que formam o “presbitério” e que, em comunhão com o bispo e em dependência dele, têm a responsabilidade da Igreja particular. Já o diácono, configurado a Cristo servo de todos, é ordenado para o serviço da Igreja, que ele exerce sob a autoridade do próprio bispo, a respeito do ministério da Palavra, do culto divino, da orientação pastoral e da caridade.
Para cada um dos três graus, o sacramento da Ordem é conferido mediante a imposição das mãos sobre a cabeça do ordenando por parte do bispo, que pronuncia a solene oração consagradora. Com ela o Bispo invoca de Deus para o ordenando a especial efusão do Espírito Santo e dos seus dons, em vista do ministério. Cabe aos bispos validamente ordenados, como sucessores dos Apóstolos, conferir os três graus do sacramento da Ordem. Pode recebê-lo validamente apenas o batizado de sexo masculino: a Igreja se reconhece ligada a essa escolha feita pelo próprio Senhor. Ninguém pode exigir receber o sacramento da Ordem, mas deve ser considerado apto ao ministério pela autoridade da Igreja. Para o episcopado é sempre exigido o celibato. Para o presbiterado, na Igreja latina, ordinariamente escolhem-se homens crentes, que vivem como celibatários e que têm intenção de manter-se no celibato “pelo reino dos céus” (Mt 19,12); nas Igrejas Orientais não é permitido casar-se depois de ter recebido a ordenação. Ao diaconato permanente podem ter acesso também homens já casados.
Esse sacramento dá uma especial efusão do Espírito Santo, que configura o ordenado a Cristo na sua tríplice função de Sacerdote, Profeta e Rei, segundo os respectivos graus do sacramento. A ordenação confere um caráter espiritual indelével de ministros e sacerdotes de Deus, assim como o Batismo nos faz seus filhos e o Crisma seus soldados. Os sacerdotes ordenados, no exercício do ministério sagrado, falam e agem não por autoridade própria nem por mandato ou por delegação da comunidade, mas na Pessoa de Cristo Cabeça e em nome da Igreja. Portanto, o sacerdócio ministerial se diferencia essencialmente e não apenas por grau do sacerdócio comum dos fiéis, a serviço do qual Cristo o instituiu.
Matrimônio
Deus, que é amor e criou o homem por amor, chamou-o a amar. Criando o homem e a mulher, chamou-os no Matrimônio a uma íntima comunhão de vida e de amor entre si, “assim, eles não são mais dois, mas uma só carne” (Mt 19,6). Ao abençoá-los, Deus lhes disse: “Sede fecundos e prolíficos” (Gn 1,28). A união matrimonial do homem e da mulher, fundada e estruturada com leis próprias pelo Criador, por sua natureza está ordenada à comunhão e ao bem dos cônjuges e à geração e educação dos filhos. A união matrimonial, segundo o originário desígnio divino, é indissolúvel, como afirma Jesus Cristo: “Não separe, pois, o homem o que Deus uniu” (Mc 10,9). Por causa do primeiro pecado, que provocou também a ruptura da comunhão dada pelo Criador entre o homem e a mulher, a união matrimonial é muitas vezes ameaçada pela discórdia e pela infidelidade. Todavia, Deus, na sua infinita misericórdia, dá ao homem e à mulher a sua graça para realizar a união das suas vidas segundo o originário desígnio divino.
Deus, sobretudo por meio da pedagogia da Lei e dos profetas, ajuda seu povo a amadurecer progressivamente a consciência da unicidade da indissolubilidade do Matrimônio. A aliança nupcial de Deus com Israel prepara e prefigura a Aliança nova realizada pelo Filho de Deus, Jesus Cristo, com a sua esposa, a Igreja. Jesus Cristo não só restabelece a ordem inicial querida por Deus, mas dá a graça para viver o Matrimônio na nova dignidade de sacramento, que é o sinal do seu amor esponsal pela Igreja: “Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja” (Ef 5,25).
O Matrimônio não é uma obrigação para todos. Em particular Deus chama alguns homens e mulheres a seguir o Senhor Jesus na via da virgindade e do celibato pelo Reino dos céus, renunciando ao grande bem do Matrimônio para se preocupar com as coisas do Senhor e procurar agradar-Lhe, tornando-se sinal da absoluta primazia do amor de Cristo e da ardente expectativa da sua vinda gloriosa. “Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor, mas quem é casado cuida das coisas do mundo, em como há de agradar a sua mulher.” (1 Cor 7, 32-33).
O consenso matrimonial é a vontade expressa por um homem e por uma mulher de se doar mutuamente e definitivamente, com o objetivo de viver uma aliança de amor fiel e fecundo. Uma vez que o consentimento faz o Matrimônio, ele é indispensável e insubstituível. Para tornar válido Matrimônio, o consenso deve ter como objeto o verdadeiro Matrimônio ser um ato humano, consciente e livre, não determinado por violência ou constrangimentos. O sacramento do Matrimônio gera entre os cônjuges um vínculo perpétuo e exclusivo.
O próprio Deus sela o consenso dos esposos. Portanto, o Matrimônio concluído e consumado entre batizados jamais pode ser dissolvido. Além disso, esse sacramento confere aos esposos a graça necessária para atingir a santidade na vida conjugal e para o acolhimento responsável dos filhos e a educação deles.
A família cristã é chamada também de Igreja doméstica porque a família manifesta e realiza a natureza de comunhão e familiar da Igreja como família de Deus. Cada membro, segundo o próprio papel, exerce o sacerdócio batismal, contribuindo para fazer da família uma comunidade de graça e de oração, escola das virtudes humanas e cristãs, lugar do primeiro anúncio da fé aos filhos.
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O cristão que morre em Cristo chega, no término da sua existência terrena, ao cumprimento da nova vida iniciada com o Batismo, fortalecida pela Confirmação e nutrida pela Eucaristia, antecipação do banquete celeste. O sentido da morte do cristão manifesta-se à luz da Morte e da Ressurreição de Cristo, nossa única esperança; o cristão que morre em Cristo Jesus vai “morar junto do Senhor” (2Cor 5,8).
Após o batismo segue o sacramento do Crisma (ou Confirmação), do qual podemos tirar motivos para viver justamente, não menos poderosos que aqueles deduzíveis do Batismo; ainda que o Batismo seja um sacramento mais necessário que o Crisma, este é mais nobre que o primeiro. Isto é evidente pelo ministro, a matéria e o efeito.O ministro normal do batismo é um padre, ou em caso de necessidade, qualquer um; já o ministro do Crisma é um Bispo, e por dispensa do Papa, somente um padre. A matéria do batismo é a água comum, já o Crisma é uma mistura de óleo sagrado com bálsamo, consagrado pelo Bispo. O efeito do batismo é a graça e o caráter, como requeridos para criar uma criança espiritual, de acordo com as palavras de São Pedro: Como crianças recém-nascidas desejai com ardor o leite espiritual que vos fará crescer para a salvação (1Pe 2,2). O efeito do Crisma é também a graça e um caráter, tais como necessários para um soldado lutar contra inimigos invisíveis; como diz São Paulo: Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares(Ef 6,12).
No batismo, um pouco de sal é colocado na boca do infante, no Crisma um leve sopro nos é dado, tal que o soldado cristão aprenda a lutar, não pela força, mas pela temperança. Para facilmente entendermos qual o dever de uma pessoa marcada pelo Crisma, ou seja, um soldado cristão devemos considerar o que os apóstolos receberam na sua Confirmação no Domingo de Pentecostes. Eles não foram confirmados com o crisma, mas receberam de Cristo, nosso mais alto sacerdote, o efeito do sacramento sem o sacramento. Receberam três dons: sabedoria, eloquência e caridade, no mais alto grau, e também o poder dos milagres, muito útil para converter nações de pagãos para a verdadeira fé. Estes dons foram significados pelas “línguas de fogo” vistas naquele dia, enquanto o som de um poderoso vento era ouvido ao mesmo tempo. A luz do fogo significa a sabedoria, o calor a caridade, a for de línguas o dom da eloquência, e o vento o dos milagres.
O sacramento da nossa Confirmação não outorga os dons de falar em línguas nem o dos milagres, uma vez que eram necessários, não como uma vantagem dos Apóstolos, mas em favor da conversão dos pagãos. Mas nos outorga os dons da sabedoria espiritual e caridade, que são a paciência e gentileza, e como um sinal da mais rara e preciosa virtude da paciência.
O Bispo dá ao crismando um suave sopro para que lembre-se que está se tornando um soldado de Cristo, não para agredir, mas para persistir; não para atacar aos outros, mas para suportá-los. Na guerra dos cristãos, ele luta não contra o visível, mas inimigos invisíveis; para tanto Cristo, nosso comandante e conquistador, foi pregado na cruz e lutou contra as forças do inferno. Então os apóstolos também lutaram, tão logo confirmados, foram severamente açoitados pelo conselho dos judeus, e saíram de lá cheios de alegria, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus(At 5,41). A graça da confirmação tem este efeito, que um homem injustamente acusado, não pensa em vingança, mas agradece pelo sofrimento.
Deixemos então que quem tenha sido confirmado entre na câmara do seu coração e diligentemente inquira se tem mantido os dons do Espírito Santo, especialmente a sabedoria e fortaleza. Deixemos que examine, eu repito, se possui a sabedoria dos santos que estimavam os bens eternos e desprezavam os terrenos; se tem a fortaleza de soldados de Cristo, que suporta mais injúrias do comete contra outros. E para que eventualmente não seja engando, deixemos que examine sua consciência. Se entender que está sempre pronto para atos de caridade, não desejando riquezas; e se tiver sido caluniado, pensa prontamente em perdão, não em vingança; pode exultar em seu coração por ter uma alma de filho adotado por Deus.
Mas se, após ter recebido a Confirmação, perceber ser avarento, passional e impaciente; ter dificuldades para distirbuir dinheiro para aliviar a necessidade dos pobres; ao contrário, se ver que está sempre pronto para em cada oportunidade lucrar, pronto para a vingança e não perdoar ofensas, terá ele recebido o sacramento, mas não as suas graças?
O que tenho dito é voltado para quem aproxima-se do sacramento quando adulto. Estes devem permanecer temerosos, para que o pecado não os domine gradualmente, adiando a penitência por um longo tempo, até que extinga-se o espírito recebido, perdendo a graça do Espírito Santo. Assim deve ser entendido o que disse o apóstolo: Não extingais o Espírito (1Ts 5,19). A pessoa exingue o Espírito Santo, que nele habita, destruindo em si mesmo a graça de Deus.
Que, portanto, deseja viver justamente, e após, morrer justamente, deve estimar profundamente a graça dos sacramentos, que são vasos que carregam tesouros celestiais; e devem estimar estes sacramentos, pois uma vez perdidos, não podem ser recuperados. Assim é com o Crisma, quando recebemos tesouros incomparáveis. Ainda que o caráter deste sacramento não possa ser destruído, este caráter sem as graças não traz nenhum conforto, apenas aumenta nossa confusão.
— Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
Se a Bíblia é o único documento deixado por Deus aos homens, quem garante que os escritos adversos de qualquer igreja, vem da parte de Deus?
Antes de responder a este questionamento, proponho uma breve reflexão: O cânon da Igreja ao fim do terceiro século definiu quais eram os livros inspirados e quais não eram considerados Sagrada Escritura. Ou seja, para a Igreja católica o Velho Testamento constitui-se de 46 livros, enquanto para os protestantes 7 livros do VT foram excluídos. Assim, podemos argumentar do seguinte modo: Se os protestantes acatam a autoridade do cânon da Igreja para definir o que é inspiração Divina no Novo Testamento, por que então se recusam a aceitar o cânon do Velho Testamento? Ora, todo cristão concorda que a Bíblia Sagrada, ou seja, Velho + Novo Testamento, foi definida por inspiração do Espírito Santo. Por que, pergunta-se o católico, o Espírito Santo de Deus iria permitir que a Igreja incluísse 7 livros não inspirados na Sagrada Escritura, causando com isso fontes de ‘erros’, como por exemplo a doutrina do purgatório – exposta no livro 2 Macabbeus – para somente séculos mais tarde corrigir o ‘erro’ através de Martinho Lutero? Se o cânon do Velho Testamento estava incorreto, o que garante ao protestante que o cânon do Novo Testamento também não esteja? Eis um desafio que a ser respondido pelos opositores da Igreja e não por ela mesma.
Voltando ao questionamento, esclareço em primeiro lugar que a Igreja católica reconhece a bíblia com única fonte de revelação Divina escrita. E ela o faz de modo consistente, diferentemente dos Protestantes, pois manteve todos os livros incluídos no cânon pelos Patriarcas da fé Cristã. A igreja afirma ainda que Deus em Seu Verbo ( Jesus Cristo ) disse tudo. Ora, o argumento católico não é se a bíblia esta completa ou não, mas sim se ela afirma ser auto-explanatoria ou não. Em outras palavras, a questão é se a bíblia em si é a única autoridade disponível ao cristão bem intencionado aprender a fé Cristã ou não. A Igreja católica afirma que não.
Como eu já apontei aqui, a própria bíblia afirma que a Igreja é o sustentáculo da Verdade. Afirma também que Jesus não disse tudo aos Seus apóstolos e que o Espírito Santo revelaria no tempo certo todo o conhecimento necessário para a salvação dos homens: ” 12“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. 13Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Jo 16:12-13
Sendo assim, a Igreja entende que o Espírito da Verdade não Revelou tudo em uma só parcela aos Santos apóstolos num determinado ponto da historia, mas sim conduziu os cristãos e a Igreja, através dos séculos, ao amadurecimento da fé. Não com NOVAS revelações, mas no ENTENDIMENTO daquilo que Deus havia Revelado em Cristo. Um claro exemplo disso é a formulação da Doutrina da Santa Trindade. A Igreja, portanto, tem como missão anunciar o evangelho a todos os homens tal e qual foi ensinado por Jesus e seus apóstolos. Isso equivale dizer que não é a bíblia por si só que ensina a fé, mas a Igreja através da bíblia.
A bíblia fala ainda claramente que não devemos desprezar a Sagrada Tradição, ou seja, não tradições humanas – aquelas podem ser mudadas e deixar de existir sem causar danos ao ensinamento da fé – mas a Tradição Apostólica, da qual São Paulo fala em suas epístolas.
15Assim, pois, irmãos, estai firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa. 2 Tessalonicenses 2:15
O povo de Deus não questionava a autoridade de Moisés porque não existia a bíblia.
De fato, este argumento refuta a doutrina da bíblia como única autoridade, pois os cristãos dos primeiros quatro séculos também não tinham uma bíblia compilada e portanto, tal e qual os judeus bíblicos – que na verdade foram os primeiros cristãos – a idéia de uma autoridade humana, no caso a dos apóstolos e mais tarde seus sucessores, não era alienígena aos fieis primitivos. Por esse motivo, a autoridade do bispo era de extrema importância no ensino da fé, pois mesmo depois da bíblia ter sido compilada, apenas com a invenção da imprensa escrita – que ocorreu somente durante o chamado Santo império Romano em 1440 – os cristãos do mundo todo tiveram acesso a uma bíblia. Até então as bíblias existentes do mundo eram manuscritas pela igreja católica. Apesar da invenção da imprensa escrita, a disseminação da bíblia doméstica só foi ocorrer somente muitos séculos mais tarde, por duas razoes primordiais: o alto índice de analfabetismo na mundo e o alto preço de um exemplar bíblico. Por esse motivo, era senso comum que o cristão acatasse a autoridade da Igreja, bem como a da bíblia Sagrada no ensino da fé. A doutrina da Sola Scriptura e em sua essência é uma doutrina criada apenas com o protesto de Martinho Lutero. Portanto, não determina ou comprova o que era aceito e praticado nos primeiros 15 séculos de Cristianismo.
Assim, é conveniente citar o exemplo de Moisés, para abrir os olhos daqueles que criticam a Igreja católica para um fato de que Deus é coerente e não mudou o Seu propósito. Ou seja, garantir que toda criatura obtenha a salvação. No passado, Deus usou os profetas, sendo o maior deles Moisés por meio de quem Deus escolheu falar com seu povo até a vinda Seu filho Jesus Cristo. Cristo, por sua vez, antes de subir ao céu ordenou aos apóstolos, primeiros membros da Igreja, que proclamassem em todo o mundo o que Ele lhes havia revelado. A igreja apostólica tem essa missão desde o principio, ou seja, anunciar , ensinar e proteger o evangelho revelado em Cristo e por Cristo. E justamente dai que vem sua autoridade.
Jesus nunca usou de sua própria autoridade, mas sim, dizia que nada fazia de si próprio, mas o que recebia do seu Pai. João 10:37 – Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis;
Este entendimento de João 10:37 é incorreto. Esta passagem não trata da autoridade, e sim sobre a obediência de Cristo ao Pai. Tampouco ela afirma que Jesus ‘nunca usou de Sua própria autoridade’, mas que Jesus veio para fazer as Obras do Pai, porque era obediente aquele que O enviou. Na verdade, Jesus tinha TODA autoridade do Pai e não era como os profetas do Antigo Testamento que diziam: “Assim diz o Senhor”. Pelo contrario, Cristo sempre fazia referencia as Escrituras quando ensinava e pregava o Reino de Deus, pois era pelas escrituras e pelos profetas que Deus havia se Revelado ao Seu povo. E foi por meio delas que Deus antecipou ao seu povo a vinda do Salvador. Quanto a autoridade de Jesus, Ele mesmo nos disse:
18E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo:Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Mateus 28:18. 28Ao concluir Jesus este discurso, as multidões se maravilhavam da sua doutrina; 29porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas. Mateus 7:28-29
Ou seja, Ele SEMPRE falou com a autoridade recebida do Pai, mas que era Dele.
A partir de hoje em diante, vá para as missas e todos os outros eventos religiosos, com uma bíblia na mão, e abra-a, e leia-a, a vista de todos. Depois de algum tempo, volte aqui e dê o seu próprio testemunho disso.
No decorrer de 3 anos todo católico que frequenta a Santa Missa assiduamente, em qualquer parte do mundo, lê a bíblia inteira. Isso porque a Santa Sé, selecciona as leituras da Missa para todo o ano litúrgico. A seleção das passagens não é feita de modo aleatório, mas coerente com o calendário litúrgico. Sendo assim, na Liturgia da Palavra, quando são lidas as passagens da bíblia, temos uma sequência coerente de passagens cuidadosamente selecionadas para transmitirem a mensagem que se culmina com a aclamação do Evangelho, sobre o qual a homilia – ou sermão – é pregada. Porém, a Missa católica não se constitui apenas pela Liturgia da Palavra. Temos também a Liturgia da Eucaristia, a Seia do Senhor, onde cumprimos a ordem de Cristo: “Fazei isto em memoria de mim”. O culto católico não se configura como um encontro de estudo da bíblia, mas de adoração extrema a Deus! O católico adora a Deus no cantos dos Salmos, nos cantos de Louvor como o Gloria in Excelsis Deo – Gloria a Deus nas Alturas – ou ainda Sanctus, Sanctus, Sanctus… A missa católica constitui-se de uma liturgia feita para a adoração perfeita do Criador do Universo e Seu Filho Jesus Cristo. A Bibilia e apenas um elemento importante do Culto, mas o foco esta em Deus, desde o ofertório, o ato de contrição, quando os católicos admitem em publico que são pecadores e pedem o perdão de Deus, porque reconhecem que o perdão vem Dele. Nesse momento da Missa cantamos o Kyrie Eleison, Christe Eleison – Senhor, tende piedade; Cristo, tende piedade…
O católico durante a missa ouve uma passagem do antigo testamento. Canta pelo menos um Salmo e escuta a leitura de duas passagens do Novo Testamento. Tudo isso pode ser acompanhado por meio do missais, ou seja, um livro que contem as passagens devidamente organizadas de acordo com as leituras de cada Missa diária.
Portanto, recomendar que um católico leia a bíblia durante a Missa não passa de uma redundância, que eu imagino se deva a falta de conhecimento do que seja uma Missa católica!
Roma sempre foi solo fértil para heresias. Ao contrário do que muitos católicos pensam, Jesus nunca colocou os pés em Roma para evangelizar.
A Igreja católica JAMAIS em nenhum momento da historia afirmou que Jesus tivesse ido pessoalmente pregar em Roma. Se alguem lhe disse isso, ignore!
Hoje em dia, a maioria dos fiéis já não conhece nem entende o significado, a utilidade, e o valor dos objetos litúrgicos. A maioria das pessoas que ainda o sabe são os próprios sacerdotes, os coroinhas e (alguns) catequistas. É importante conhecê-los para que a participação na Liturgia renda mais frutos. Por isso, aqui listo os principais objetos litúrgicos da Igreja:
Crucifixo: Fica sobre o altar ou acima dele, lembra que Cristo é o centro da nossa vida, da Igreja, e principalmente da Missa, que é a renovação do Sacrifício da Cruz.
Cálice: Taça onde se coloca o vinho que será consagrado. Deve ser feita de material nobre, normalmente ouro. Se o exterior não for de ouro, ao menos o interior deve ser.
Âmbula ou Cibório ou Píxide: Recipiente onde é colocado o pão (as hóstias). Também deve ser feita de material nobre, e também o interior deve ser de ouro. Após a Missa, é guardada no sacrário, junto com as hóstias. Quando é guardada no sacrário, é colocado ainda um ‘véu’ ou ‘pano’ sobre a âmbula, chamado conopeu.
Patena: É onde a hóstia maior é colocada, para a consagração. Também é feita de ouro. É usada também na comunhão dos fiéis, colocando-se abaixo do queixo deles, para que nenhuma partícula caia.
Jarra e Bacia: Usada para a purificação das mãos do sacerdote, para que ele possa fazer a consagração.
Manustérgio: pequena toalha que o sacerdote usa para enxugar as mãos.
Galhetas: recipientes onde são colocados o vinho e a água. O vinho representa, e depois será, Deus, e a água representa o Povo de Deus, e depois, a agonia e as dores que Jesus sofreu por nossos pecados. Representam, ainda, o sangue e a água que jorraram do coração perfurado de Nosso Senhor.
Naveta e Turíbulo: Na naveta é colocado o incenso, e no turíbulo, a naveta. É usada para incensar nas diversas ocasiões da Liturgia
Caldeira e Aspersório: Na caldeira, deposita-se a água benta, e o aspersório, como diz o nome, é usado para aspergi-la, seja nos fiéis, seja em objetos, seja em lugares. A aspersão da água benta nos fiéis serve também para relembrar-nos de nosso Batismo e suas promessas, e para purificarmos para participar dos santos mistérios.
Sineta: É usada para chamar a atenção da assembléia e anunciar a parte mais importante da Missa, a consagração.
Círio Pascal: vela que representa a Luz de Cristo. É usada em todas as celebrações do Tempo Pascal, e também em solenidades fora desse tempo, como batizados, crismas, etc. Símbolos: O alfa ou a letra A: Cristo é o Princípio. O ômega ou a letra Z: Cristo é o Fim. O ano em curso: Ele é o tempo e a eternidade. A Cruz: Ele é o Redentor. O (Chi) ‘Χ’ e o (Rho) ‘ρ’ são letras gregas que são anagrama de Cristo (Χριστός). Durante a Vigília Pascal, o sacerdote insere no Círio cinco grãos de incenso no círio, para representas as cinco chagas de Cristo na Cruz:
a coroa de espinhos,
o prego da mão direita,
o prego da mão esquerda,
o prego dos pés, e
o corte feito no lado direito do seu peito pelo soldado romano.
Sacrário ou Tabernáculo: é um pequeno cofre colocado sobre o altar para guardar as partículas excedentes da Eucaristia, seja dentro da âmbula, seja no ostensório. Muitas vezes fica em uma capela própria, a Capela do Santíssimo. Normalmente é feita de ouro. Nos primórdios da Igreja, os sacerdotes, após a fracção do pão (a Missa), guardavam dentro do sacrário os excedentes a fim de dá-los aos irmãos doentes ou que faltaram a celebração. Quando se iniciou a Paz na Igreja, foi estabelecida a prática de manter a Eucaristia sempre no sacrário.
Ostensório ou Custódia: É usado para expor o Santíssimo ou levá-lo em procissão. Manifesta a glória da Eucaristia, e quando está com o Santíssimo, o sacerdote não toca nele com as mãos. Para isso, deve usar o véu umeral.
Pala: tira de papelão ou cartolina em formato retangular, cobrido com tecido (geralmente linho na cor branca), que é utilizado para cobrir o cálice com o vinho, para que não caiam impurezas como poeira ou insetos.
Corporal: é o pano quadrangular de linho, com uma cruz no centro, sobre o qual são colocados o cálice, a patena e a âmbula para a consagração.
Sanguíneo ou Sanguinho: pequeno pano usado para enxugar a boca, os dedos, bem como o cálice, após o rito de comunhão.
Teca: pequeno compartimento onde se leva a Sagrada Comunhão para os doentes.
Bolsa de Viático: Bolsa pequena, quase sempre de pano, onde se coloca a teca.
Acho desnecessário dizer isso, mas por causa de algumas coisas absurdas que ouvi sobre os objetos litúrgicos serem feitos de materiais preciosos, quero frisar que a Igreja deve ter o maior zelo e preocupação com a Liturgia na Santa Missa, que é afinal o centro e o cume da vida da Igreja. Por isso, ela deve dar o melhor de si para que tudo na celebração manifeste a glória de Nosso Senhor e Redentor. São, sim, feitos do melhor que podemos oferecer, e isso em nada prejudica a Igreja em sua atividade caritativa e missionária; pelo contrário, pois meditando melhor os santos mistérios na Liturgia, nós somos mais modificados pela Graça Santificante, e assim, podemos exercer nossa atividade cristã de maneira bem mais produtiva. Para Deus, sempre o melhor!