Nota

Vejo o Seu sangue em cada rosa.
E nas estrelas, o brilho dos Seus olhos.
O Seu corpo cintila entre as neves eternas.
As Suas lágrimas caem dos Céus.
Vejo o Seu rosto em cada flor;
O trovão e o cantar das aves
São apenas a Sua voz – gravadas pelo seu poder.
As rochas, Suas palavras escritas.
Todos os caminhos são trilhados pelos Seus pés.
O Seu coração forte agita o vai e vem das ondas.
A Sua coroa está tecida com todos os espinhos.
Cada árvore é a Sua cruz.

 

– Joseph Mary Plunkett. Este poema se encontra na página final do Manual da Legião de Maria.

Conversas fraternais entre são Bonifácio e a abadessa Bugga

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São Bonifácio foi um monge, bispo e mártir inglês, nascido em 675. Entrou para o mosteiro de Betlex, mas depois foi pregar aos anglo-saxões da Germânia por ordem de Gregório II. Nas cartas a seguir, há conversas de S. Bonifácio com sua amiga Bugga, uma abadessa de Kent, aparentada do rei Ethelbert. É possível perceber nelas, entre outras coisas, a amplitude das redes de relações da aristocracia cristã que costuravam a Europa medieval. Bonifácio foi martirizado em 754, e Bugga morreu entre 759 e 765.

I . Carta de Bugga para Bonifácio, c. 720

A Bonifácio ou Winfred, venerável servo de Deus, dotado com muitos símbolos de dádivas espirituais, digníssimo sacerdote de Deus, Bugga, uma humilde dona de casa, manda saudações de afeto duradouro.

Seja sabido à Vossa graciosa autoridade que eu dou graças sem cessar a Deus Onipotente, pois, como eu soube pela carta de Vossa Santidade, Ele mostrou Sua misericórdia a vós de muitas maneiras, guiando-vos gentilmente através de terras desconhecidas. Primeiramente Ele dispôs o pontífice da Gloriosa Sé a garantir o desejo de vosso coração. Depois, Ele prostrou diante de vós Rathbod, aquele inimigo da Igreja Católica. Após isso, ele revelou a vós em sonho que era vosso dever ceifar a colheita de Deus, reunindo feixes de almas santas no celeiro do reino celestial. Portanto estou muitíssimo confiante de que nenhuma mudança nas condições terrenas poderá afastar-me do abrigo cuidadoso de vosso afeto. O poder do amor cresce aconchegantemente dentro de mim ao perceber que através do auxílio das vossas orações eu alcancei do céu certa paz. E então eu humildemente imploro vos imploro outra vez que possais agradavelmente oferecer a Deus sua valiosíssima intercessão por mim, indigna, para que a Sua graça possa me preservar do mal através da vossa proteção.

Saiba também que o [livro] Sofrimentos dos Mártires que vós pedistes para que vos enviasse ainda não o pude conseguir, mas tão logo o puder vou enviá-lo. E vós, caríssimo, confortai minha insignificância mandando-me, como prometestes na sua querida carta, uma coleção de escritos sagrados.

Imploro também que ofereças algumas santas Missas pela alma de um parente meu que era o mais caro de todos para mim e cujo nome era N.

Estou lhe enviando através deste mesmo mensageiro cinquenta ‘solidi’ e um pano de altar, o melhor que pude fazer. Estas pequenas coisas, eu as mando com grande afeição.

Adeus neste mundo e “com amor sem fingimentos”.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.27; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.34-5. Reprinted by permission of the publisher.

II. Carta de Bonifácio para Bugga, 732-54

À sua venerável e amantíssima irmã, Bugga, Bonifácio também chamado Winfred manda sinceras saudações no amor de Cristo.

Uma vez que estejamos a tanto tempo separados, amada irmã, devido ao temor de Cristo e por meu amor pela vida nômade, por um grande espaço de terra e mar, eu soube por muitas notícias das tempestades de dificuldades que, com a permissão de Deus, tem caído sobre ti em tua velhice. Eu lamento profundamente que depois que tu deixaste os cuidados penosos da regra monástica desejando uma vida de contemplação, problemas ainda mais insistentes e mais pesados vieram sobre ti.

E então agora, minha reverenda irmã, em simpatia com suas infelicidades e atento a tua bondade para comigo e a nossa antiga amizade, lhe envio uma carta fraternal de conforto e exortação. Lembre-se daquela palavra da Verdade: “Controlai vossas almas com paciência”, e o dizer de Salomão o Sábio, “o Senhor corrige o que ama e todo filho a quem quer bem”. E também da palavra do Salmista, “Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas elas”; e em outro lugar “O meu sacrifício é um espírito contrito. Um coração contrito e esmagado Tu não o desprezas.” E lembre-se do dizer do Apóstolo: “Alegramo-nos em nossas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança; a perseverança produz a fidelidade comprovada; e a fidelidade comprovada produz a esperança; e a esperança não engana”.

Nesta esperança, amada irmã, rejubila-te e alegra-te sempre, pois tu não serás enganada. Desprezai julgamentos terrenos com toda tua alma; pois todos os soldados de Cristo de ambos os sexos desdenharam os sofrimentos e tumultos terrenos e tiveram as fragilidades deste mundo como nada – veja a palavra de São Paulo: “Quando estou fraco, aí sou forte”. E também: “Quem deverá nos separar do amor de Cristo? A tribulação?” e assim por diante por “Ele que nos amou”. O mesmo Pai e amante de sua pureza virginal que te chamou para Si mesmo com a voz amavelmente paterna em sua juventude, dizendo com as palavras do Profeta: “Ouve, ó filha, e considera e inclina os teus ouvidos; esqueça também teu próprio povo e a casa de teu pai; pois o rei desejou a vossa beleza”, é Ele que agora, na sua velhice, deseja adornar a beleza da sua alma com trabalho e dor.

Então, amada, regozijando-te na esperança de uma terra paterna celestial, sustentai o escudo da fé e da paciência contra toda adversidade de mente e corpo. Com a ajuda de Cristo seu esposo finalize na sua bela velhice para a glória de Deus a construção daquela torre do Evangelho iniciada em tua juventude, para que quando Cristo voltar te encontre entre as virgens sábias, com uma lâmpada na qual queima o óleo.
Entrementes eu rogo seriamente que tu te lembres de sua antiga promessa de rezar por mim para que o Senhor, que é o Redentor e Salvador de todos nós, possa resgatar minha alma de seus múltiplos perigos para meu proveito espiritual.

Despeço-me em Cristo.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.94; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.148-50. Reprinted by permission of the publisher.

III. Carta de Bonifácio para Bugga, antes de 738

À amada senhora, a abadessa Bugga, irmã e caríssima entre todas em Cristo, Bonifácio, um humilde e indigno bispo, te deseja eterna salvação em Cristo.

Desejo que saibas, caríssima irmã, que com relação à questão que escrevestes pedindo meu conselho, embora indigno, não ouso nem proibir sua peregrinação em minha própria responsabilidade nem precipitadamente persuadi-la a ir. Apenas direi como o assunto se apresenta para mim. Se, por uma questão de descanso e contemplação divina, você deixou de lado o cuidado dos servos e servas de Deus e da vida monástica que um dia tiveste, como poderia agora submeter-te com trabalho e fatigante ansiedade às palavras e desejos dos homens deste mundo? Pareceria-me melhor, se tu não podes de maneira alguma ter liberdade e sossego em casa por causa de homens mundanos, que tu deverias obter liberdade para contemplar através de uma peregrinação, se assim tu desejares e for possível, assim como fez nossa irmã Wiethburga. Ela me escreveu dizendo ter encontrado no santuário de São Pedro o tipo de vida tranquila que ela buscara por muito tempo em vão. A respeito de teus desejos, ela me disse, já que eu escrevera a ela sobre ti, que seria melhor que você esperasse até que diminuam os ataques e perigos dos Sarracenos que recentemente apareceram perto de Roma. Se Deus quiser, ela então te enviará um convite. Para mim este também parece o melhor plano. Aprontai o que tu fores precisar para a viagem, espere pelo comunicado dela, e então aja segundo mandar a graça de Deus.

Com relação aos escritos que tu me solicitaste, tu deverás perdoar o meu descuido, pois eu tenho estado atarefado pelas pressões do ofício e por minhas continuas viagens e não pude terminar o livro que tu me pediste. Quando eu terminá-lo, farei com que te seja enviado.

Em retribuição aos presentes e trajes que tu me enviaste, ofereço minhas orações gratas a Deus para que Ele possa te recompensar com os anjos e arcanjos no mais alto dos Céus. Exorto-te, então, em nome de Deus, minha caríssima irmã – mãe e dulcíssima senhora – para que reze seriamente por mim, pois por meus pecados eu estou esgotado com muitas dores e estou muito mais perturbado pela ansiedade da mente do que pela fadiga do corpo. Que tu possas descansar tendo a certeza de que a experimentada amizade entre nós nunca se verá debilitada.

Despeço-me em Cristo.

Carta extraída de: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.27; translation, Ephraim Emerton, The Letters of Saint Boniface (New York: Columbia University Press, 1940, repr.2000), pp.34-5. Reprinted by permission of the publisher.

Carta de São Bernardo de Claraval à Melisende, rainha de Jerusalém

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Remetente: S. Bernardo de Claraval, abade

Destinatário: Melisende, rainha de Jerusalém

Data: 1143-44

Contexto: Melisende é rainha latina de Jerusalém, após as Cruzadas, e acaba de ficar viúva. São Bernardo lhe envia uma carta de motivação no início da sua regência.

À ilustríssima rainha de Jerusalém, Melisende, Bernardo abade de Claraval, para achar graça diante do Senhor.

Dados os múltiplos assuntos e afazeres da corte real, pareceria deveras inapropriado escrever se eu estivesse preocupado somente com a glória de teu reino, teu poder e a linhagem de tua nobreza. Todas estas coisas são vistas pelos olhos dos homens, e aqueles que não as possuem invejam os que possuem, e chamam estes que as possuem de abençoados. Mas o que é essa benção de possuir coisas que secam rapidamente como a grama e caem rapidamente como os frutos das árvores? Estas coisas são boas, mas são instáveis, mutáveis, passam e perecem como os bens da carne. Está dito sobre a carne e seus bens: toda carne é grama e toda a sua glória é como a flor da grama.

Não era necessário escrever-te para que não venerasse demasiadamente estas coisas, cuja graça é traiçoeira e a beleza é vã. Aceite este pequeno conselho; pois embora eu tenha muito a lhe dizer, sou breve por causa das muitas preocupações minhas e tuas. Aceite este pequeno porém útil conselho, de uma terra distante, como se fora uma pequena semente que poderá gerar uma enorme colheita; aceite, lhe digo, o conselho das mãos de um amigo que procura não o bem dele mas a sua honra. Pois ninguém pode ser um conselheiro mais fiel a vós do que alguém que ama não o que tu possuis, mas tu mesma.

Com o rei teu marido morto e o pequeno rei ainda não apto para suportar os negócios do reino e executar o ofício de rei, os olhos de todos se voltam para ti e sobre ti somente recai todo o peso do reino. Tu deves cuidar de coisas árduas e mostrar-se um homem em uma mulher, fazendo o que deve ser feito no espírito do conselho e da fortaleza. Tu deves dispor todas as coisas com tanta prudência e moderação que todos que a vejam pensarão pelos seus atos que és um rei mais do que uma rainha, a fim de que talvez as pessoas digam, “onde está o rei de Jerusalém?”. “Mas eu não sou”, tu dizes, “capaz disto. Estas são grandes coisas, além da minha força e do meu conhecimento. Esses são feitos de homens, enquanto eu sou uma mulher, fraca de corpo, instável de coração, sem prudência no conselho, não acostumada a afazeres”. Eu sei, filha, eu sei que são coisas grandiosas [a fazer], mas eu também sei que a intensidade do mar é assombrosa, e o Senhor é maravilhoso nas alturas. São coisas grandiosas, mas nosso Senhor é grande e seu poder é grande.

Referência: Sancti Bernardi Opera, ed. J. LeClercq and H. Rochais (Rome: Eds. Cisterciennes, 1979), v.8, ep.354

Fonte com o original em Latim

Carta entre duas abadessas do séc. VIII

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Ficheiro:Whitby abbey1.jpg

Ruínas do último mosteiro de Whitby, destruído por ordem de Henrique VIII. Entretanto, o mosteiro da carta já havia sido destruído antes por dinamarqueses, no séc. IX.

 

Contexto da carta: Adolana, abadesa do mosteiro de Pfalzel, próximo a Trier, aparentemente tinha uma reputação de santidade e poderes proféticos. Nesta carta, Elfreda, abadessa de Whitby, pede orações a Adolana e recomenda a seus cuidados uma abadessa (cujo nome aparece substituído por N.) que iria visitá-la em sua viagem para Roma. A carta sugere uma rede de abadessas, que cruza a Europa indo desde Inglaterra até Roma.

Remetente: Elfreda, abadessa de Whitby.

Destinatário: Adolana, abadessa de Pfalzel.

Data: antes de 713

À santa senhora, honrada por Deus, a abadessa Adolana, serva da família eclesiástica, Elfreda, [manda] saudações de eterna segurança no Senhor.

Desde que soubemos da vossa fama de santidade através daqueles que vieram de sua região, que relataram ocorrências bem conhecidas, eu confesso que um amor por vós apossou-se das profundezas do meu ser, segundo o mandamento do Senhor: “O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros” [João XV, 12]. É por isso que pedimos suplicantes que vos digneis defender-nos no Senhor Onipotente com seus oráculos sagrados e flamejantes; de fato nossa humildade há de perturbá-la pouco nesta troca já que o apóstolo Tiago ordena e diz: “Oreis uns pelos outros, para que sejais salvos” [Tiago V, 16].

Além disso, nós recomendamos à vossa altíssima santidade e piedade usual, tenazmente com toda diligência, N., a devota serva do Senhor e religiosa abadessa, nossa queridíssima e fidelíssima filha dos anos de sua juventude – que por amor a Cristo e pela honra dos apóstolos Pedro e Paulo deseja ir visitar ao santo limiar destes [apóstolos], mas retida até o momento por nós devido às necessidades e ao serviço das almas confiadas a ela – e nós rogamos que ela seja recebida por vós com a afeição da verdadeira caridade num seio de piedosa misericórdia com aqueles que a acompanham, para que ela possa finalmente executar a viagem tão desejada e amiúde iniciada, para que ela seja direcionada à maternal cidade de Roma em um trajeto favorável com vossos catálogos e com o favor do santo portador do sinal, Pedro príncipe dos apóstolos; e, se Deus quiser, ela chegar até vós, que ela vos encontre preparadas com o que quer que ela peça em pessoa, de acordo com a ocasião, para as necessidades de sua viagem.

Que a divina graça se digne proteger vossa santidade que roga por nós.

Referência: MGH, Epistolae Merovingici et Karolini Aevi, 6, S.Bonifacii et Lulli Epistolae, ep.8

Fonte com o texto original em Latim

Bula In Nomine Domini

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(Proclamada no Sínodo romano de abril de 1059, durante o Pontificado de Nicolau II)

            Em nome do nosso Senhor Deus, Jesus Cristo, Nosso Salvador, no ano de 1059 de sua Encarnação, na duodécima indicção, perante os santos evangelhos, sob a presidência do reverendíssimo e beatíssimo papa apostólico, Nicolau, na patriarcal basílica lateranense, chamada basílica de Constantino, com todos os reverendíssimos arcebispos, bispos, abades e veneráveis presbíteros e diáconos, o mesmo venerável pontífice, decretando com autoridade apostólica, disse:

Vossas Eminências, diletíssimos bispos e irmãos, conhecem, e igualmente o sabem os membros de categoria hierárquica inferior, quanta adversidade esta Sé Apostólica, à qual sirvo por vontade divina, desde a morte de Estevão, nosso predecessor de feliz memória, suportou; quantos golpes e ofensas os traficantes simoníacos lhe infligiram, até ao ponto em que a coluna do Deus vivo, sacudida, parecia quase vacilar, e Sé pontifícia aparentava estar prestes a mergulhar nas profundezas do abismo. Por isso, que seja do agrado dos meus irmãos, o dever de enfrentar os eventos futuros, com a ajuda de Deus, e fazer uma constituição eclesiástica que resista aos males que acaso venham a ocorrer, a fim de que nunca prevaleçam. Por conseguinte, apoiando-nos nas autoridades dos nossos predecessores e na de outros sumos pontífices, decretamos e estabelecemos o seguinte: quando o bispo desta Igreja romana universal vier a falecer, os cardeais bispos decidam entre si, com a devida atenção, chamando posteriormente os cardeais presbíteros, e igualmente se associem aos outros membros do clero e ao povo, com vista a proceder a uma nova eleição, evitando assim que a triste moléstia da venalidade não tenha oportunidade de se perpetuar.

Portanto, que os varões mais insignes promovam a eleição do futuro pontífice, e que todos os demais os sigam. Sendo este procedimento eleitoral considerado justo e legítimo, visto que ele observa as regras e os procedimentos de inúmeros santos padres e se resume naquela frase do nosso bem-aventurado antecessor Leão, que disse: “Nenhum motivo autoriza que se considerem como bispos aquelas pessoas que não foram eleitas pelos clérigos, aclamadas pelo povo e consagradas pelos bispos sufragâneos com a aprovação do metropolitano”. Já que a Sé Apostólica está acima de toda a igreja espalhada pela orbe, e não pode ter nenhum metropolitano sobre si própria, não há dúvida de que os cardeais bispos desempenham a função de metropolitano, levando o sacerdote eleito ao cume da dignidade apostólica. Se encontrarem alguém digno, que o escolham dentre os seus próprios membros; caso contrário, tomem-no de outra igreja qualquer. Que guardem a reverência e a honra devidas ao nosso querido filho Henrique, que agora é rei e que, assim se espera, será, com a ajuda de Deus, o futuro imperador; e igualmente aos seus sucessores que impetrarem pessoalmente este privilégio à Sé Apostólica. Se prevalecer a perversidade dos homens iníquos e mais, a tal ponto que seja impossível realizar uma eleição livre, justa e genuína, na Urbe, os cardeais bispos, com os sacerdotes e os leigos católicos, legitimamente podem escolher o pontífice da Sé Apostólica onde julgarem mais oportuno. Concluída a eleição, se uma guerra ou qualquer tentativa dos homens se opuser a que o escolhido tome posse da Sé Apostólica, segundo o costume, não obstante isso, o eleito terá toda a autoridade pontifical para dirigir a santa igreja romana, dispondo plenamente das suas prerrogativas, como sabemos que o bem aventurado Gregório o fez antes da sua consagração.

Mas se alguém, contrariando este nosso decreto, promulgado em sínodo, for eleito, consagrado e entronizado mediante a audácia, e revolta ou qualquer outro meio, seja excomungado perpetuamente pela autoridade divina e dos santos apóstolos Pedro e Paulo; e juntamente com seus instigadores, partidários e sequazes, deve ser expulso da santa igreja de Deus, como anticristo, inimigo e destruidor de toda a Cristandade. E não lhe seja concedida credibilidade alguma, mas permaneça eternamente privado da dignidade eclesiástica, não importando o grau a que pertença. Por outro lado, qualquer pessoa que lhe render homenagem, considerando-o como pontífice verdadeiro, ou tentar defendê-lo como tal, será castigado com a mesma sentença. Quem, temerariamente, se opuser a esta decretal e tentar prejudicar a Igreja romana, violando o que foi estabelecido, que seja condenado com um anátema perpétuo e excomungado, e seja contado entre os ímpios que não ressuscitarão no Juízo Final. Sinta sobre si a ira do onipontente Pai, Filho e Espírito Santo e, nesta e na outra vida, sofra a indignação dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, cuja igreja tentou perturbar. Que sua habitação se torne deserta e que ninguém vá manter-se junto a seu tabernáculo. Que seus filhos sejam feitos órfãos e sua esposa viúva. Que seja removido com indignação e que seus filhos mendiguem e sejam jogados para fora de suas habitações. Que o usurário atravesse toda a sua substância e que desconhecidos destruam os frutos de seus trabalhos. Que a terra inteira lute contra ele e que todos os elementos se oponham a ele; que os méritos de todos os santos em repouso o confundam e que nesta vida a vingança aberta seja tomada contra ele. Que os observantes deste nosso decreto sejam protegidos pela graça de Deus onipotente e absolvidos do vínculo de todos os seus pecados pela autoridade dos bem-aventurados bispos e apóstolos Pedro e Paulo.

Fonte: RUST, Leandro. Colunas de São Pedro: política papal da Idade Média Central. São Paulo: Annablume, 2011.

Seria a Igreja Ortodoxa anterior à Igreja Católica?

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Eu recebi um e-mail de um cristão ortodoxo que dizia:

>>>>>>Além disso, você fala da Igreja Ortodoxa como “quase tão antiga quanto a Igreja Católica.” Uma vez que a Cristandade começou no Oriente, e os patriarcados de Jerusalém, Antioquia, e Alexandria foram estabelecidos antes de Roma (o apóstolo Pedro até mesmo serviu, segundo algumas fontes, como bispo auxiliar em Antioquia) e já que estes patriarcados defendiam as visões teológicas de Constantinopla nas contendas que surgiram entre a Nova e a Antiga Roma, não seria simplesmente mais justo ver a Igreja Ortodoxa como a mais antiga? […] E como o cisma dos pré-calcedonianos antecede o cisma entre os quatro antigos Patriarcados e a Sé de Roma, tecnicamente não seriam também eles [pré-calcedonianos] mais antigos que a Igreja Romana?

Embora seja na Igreja de Jerusalém que o Cristianismo começou, aquela igreja (uma igreja judaico-cristã) deixou de existir entre 70 d.C. e 130 d.C. Depois de 130 d.C., todos os judeus (inclusive judeus cristãos) foram proibidos de entrar na cidade de Jerusalém, que foi renomeada como Élia Capitolina pelo Império Romano. Neste tempo, a Igreja de Jerusalém consistia em um corpo simbólico de cristãos gentios, que estava submetido à Sé metropolitana de Cesareia. Foi só no tempo de Constantino (dois séculos depois) que, novamente, foi dado a Jerusalém um lugar de importância honorífica. Entretanto, isso se deu por ser aquele um lugar de peregrinação. O reconhecimento como Patriarcado só aconteceu no Concílio da Calcedônia (451 d.C.), mas ela continuou sob a autoridade do metropolitano de Cesareia, que por sua vez respondia ao Patriarca de Antioquia. É por isto que o Concílio de Niceia (325 d.C.) declarou, no Cânon 7:

“Já que mandam o costume e a antiga Tradição que o Bispo de Élia (i.e., Jerusalém) seja honrado, que ele tenha a sucessão de honra, no entanto SEM o direito interno da metrópole (i.e., Cesareia).”

Isto está de acordo com o Cânone anterior (Cânone 6), que define os direitos patriarcais de Alexandria e Antioquia BASEANDO-SE no reconhecimento destes direitos pelo Bispo de Roma. Diz o Cânone 6:

“Prevaleçam os antigos costumes de que, no Egito, Líbia, e Pentápolis, o Bispo de Alexandria tenha jurisdição sobre todas estas, já que este também é o costume do Bispo de Roma. Igualmente, na Antioquia e nas outras províncias, que as igrejas retenham seus privilégios.” (Concílio de Niceia, Cânone 6)

Então, a autoridade patriarcal de Jerusalém é uma invenção do Concílio da Calcedônia. Não existia antes de 451.

O mesmo vale para a chamada autoridade patriarcal de Constantinopla. Apesar de lendas medievais, oriundas do Estado (e que não possuem nenhuma base histórica), Bizâncio não tinha nenhuma ligação com André ou qualquer Apóstolo, mas na verdade era uma igreja menor sob a jurisdição da Sé metropolitana de Hercúlea, na Trácia, que por sua vez era diretamente submetida a Roma. Foi com o I Concílio de Constantinopla que primeiramente tentou-se dar a autoridade patriarcal a Bizâncio (somente por ser a cidade imperial). Todavia, tanto Roma quanto Alexandria rejeitaram este decreto, e ele foi retirado. De acordo com a Tradição Apostólica, Roma tinha a primazia na Igreja universal, e Alexandria era a segunda após ela, esta última tendo a primazia no Oriente. Isto é afirmado por todos os padres que abordam o assunto, e mais claramente pelo Papa São Dâmaso I, que expediu o seguinte decreto em 382 – a fim de defender a posição de Alexandria como primaz no Oriente, que fora usurpada pelos bizantinos no Concílio de Constantinopla no ano anterior.

“Embora todas as igrejas católicas espalhadas pelo mundo formam uma só câmara nupcial do Cristo, não obstante, a santa Igreja romana foi colocada à frente não por decisões conciliares das igrejas, mas recebeu o seu primado pela voz evangélica de nosso Senhor e Salvador, o Qual diz: “Tu és Pedro…” (Mat 16:18-19). Além disto, tem também dentre sua companhia na barca dos eleitos, o beatíssimo Apóstolo Paulo que, junto com Pedro na cidade de Roma no tempo do César Nero, igualmente consagrou a sobredita santa Igreja Romana a Cristo Senhor; e por sua própria presença e por seu venerável triunfo, eles colocaram-na à frente de todas as outras de todas as cidades do mundo. A primeira Sé, portanto, é aquela do Apóstolo Pedro, a Igreja de Roma, que não tem mancha ou defeito, nem nada similar. A segunda Sé é a de Alexandria, consagrada em nome do apóstolo Pedro por Marcos, seu discípulo e Evangelista, o qual foi mandado ao Egito pelo Apóstolo Pedro, onde ele pregou a Palavra da Verdade e consumou seu glorioso martírio. A terceira Sé é a de Antioquia, a qual pertenceu ao beatíssimo Pedro, onde ele primeiro habitou antes de ir a Roma, e onde o nome de “cristãos” foi primeiro usado, como a um novo povo.” (Decreto de Dâmaso#3, 382 d.C.)

Essa é a antiga ordem – Roma, Alexandria e Antioquia, na ordem de primazia e autoridade. Foi somente em 700 d.C. – depois que Alexandria e Antioquia caíram nas mãos dos muçulmanos –, que Roma reconheceu o primado de Constantinopla no Oriente. Antes disso, a reivindicação era consistentemente negada, tanto por Roma quanto pelos outros patriarcas (embora Antioquia ocasionalmente aceitasse). Nada é tão contundente para mostrar isto quanto a condenação do Papa São Leão Magno ao Cânone 28 de Calcedônia, na qual diz:

“… nós também ordenamos e decretamos o mesmo em relação aos privilégios da santíssima Igreja de Constantinopla, a Nova Roma. Pois os Padres acertadamente garantiram privilégios ao trono da antiga Roma, porque esta era a cidade real. E os cento e cinquenta piíssimos Bispos deram iguais privilégios ao santíssimo trono da Nova Roma, julgando justamente que a cidade é honrada pela Autoridade Soberana e o Senado e goza de iguais privilégios como a antiga Roma imperial…” (Cânone 28, Calcedônia).

No entanto, o Papa Leão se recusou a concordar com este Cânone; e fazendo uso de um tipo de “veto parcial”, excluiu-o dos documentos conciliares. Aqui, o Bispo Anatólio de Constantinopla escreve ao Papa Leão, desculpando-se e explicando como o cânone veio a ser, dizendo…

“Quanto àquilo que o Concílio Ecumênico da Calcedônia recentemente ordenou em favor da igreja de Constantinopla, Sua Santidade esteja assegurada de que não tive culpa nisso, eu que desde a minha juventude sempre amei a paz e a quietude, mantendo-me na humildade. Foi o reverendíssimo clero da igreja de Constantinopla que estava ansioso por isto, e eles eram igualmente amparados pelos reverendíssimos sacerdotes daquelas partes, que concordavam com eles. Mesmo assim, toda a força de confirmação dos atos foi reservada à autoridade de Sua Beatitude. Portanto, que Sua Santidade tenha por certo de que eu não fiz nada que contribuísse no assunto, sabendo sempre que eu deveria evitar os luxos do orgulho e da cobiça.” – Patriarca Anatólio de Constantinopla ao Papa Leão, Ep 132 (sobre o Cânone 28 de Calcedônia).

Deste modo, o assunto estava encerrado; e, pelos próximos seis séculos, todas as Igrejas do Oriente falavam somente em 27 cânones de Calcedônia – o 28º Cânone foi anulado e invalidado pelo “veto parcial” de Roma. Isto é embasado por todos os historiadores gregos, como Teodoro o Leitor (escreve em 551 d.C.), João Escolástico (escreve em 550 d.C.), Dionísio Exíguo (também por volta de 550 d.C.); e por Papas como São Gelásio (c. 495) e Símaco (c. 500) – todos os quais falam somente em 27 cânones da Calcedônia.

Quanto à igreja de Antioquia, é verdade que a comunidade gentia de Antioquia é mais antiga que a comunidade gentia de Roma. Porém, a igreja de Roma em si (que começou como igreja judia) foi estabelecida por judeus peregrinos que se converteram ao Cristianismo no dia de Pentecostes (ver Atos 2:9-10), e tinha ministros judeus que lhe pertenciam e que se converteram muito antes de São Paulo (ver Romanos 16:7). Além disso, a primeira estadia de São Pedro em Roma teve lugar entre 42 d.C. (quando ele fugiu da Judeia – Atos 12:17) e 49 d.C., quando o Imperador Cláudio expulsou todos os judeus de Roma por causa de um tumulto acerca de alguém que o historiador romano Suetônio chama de “Chrestus” – claro mal-entendido de “Christus” (“Cristo”). Foi por isso que Pedro voltou a Jerusalém em Atos 15 para o Concílio de Jerusalém, que ocorreu em 49 d.C. Foi somente DEPOIS do Concílio de Jerusalém (ver Gálatas 2) que Pedro estabeleceu-se em Antioquia e tornou-se o primeiro Bispo de Antioquia (ele não era algum tipo de bispo “auxiliar”, como foi dito acima). Porém, uma vez que os judeus são readmitidos em Roma, Pedro volta para lá, e é aqui que ele e São Paulo confrontam o arqui-herege Simão o Mago, e onde eles juntos constroem a Igreja de Roma, síntese da igreja judia com a igreja gentia, e onde eles terminaram suas vidas como mártires. No entanto, só Pedro era a autoridade primacial ali – isto é, o bispo de Roma de facto. Assim, seu episcopado em Roma foi mais longo do que (e anterior) ao seu episcopado em Antioquia. Todos os Padres (Hipólito, Eusébio, Jerônimo, etc) o dizem. E, como diz Dâmaso acima, é daqui que os três originais patriarcados (Apostólicos) provêm. Por volta de 60 d.C., Pedro deixa Antioquia e volta para Roma. Fazendo isto, ele deixa seu discípulo Santo Evódio na Sé de Antioquia. Santo Evódio foi sucedido por Santo Inácio de Antioquia. Então, enquanto em Roma, Pedro enviou seu maior discípulo São Marcos para Alexandria, para ser o primeiro bispo (e seu próprio “legado”) lá. Ao fazer isto, Pedro, em essência, “triangula” o mundo conhecido. Sua própria Sé de Roma tinha a primazia e era a corte final de apelação, ao passo que administrava a Europa (e o Norte da África) diretamente. Alexandria teria o segundo lugar e o primado no Oriente, enquanto administraria a África Oriental, a Etiópia, a Arábia, e parte da atual Palestina. Antioquia, por fim, teria o terceiro lugar depois de Alexandria, e administraria diretamente a Ásia e o Oriente mais longínquo. Todavia, toda a relação dependia do quão eficientemente uma mensagem poderia ser mandada de Roma para o Oriente; isto porque, como pode ser facilmente visto num mapa romano, o caminho mais rápido de despachar uma mensagem para o Oriente era mandando-a de barco de Roma para Alexandria, e de Alexandria para a costa da Palestina até Antioquia. Este era o arranjo original, e como a Igreja primitiva operava. Os bizantinos perturbaram esta ordem original tentando equiparar a autoridade eclesiástica com a autoridade imperial.

Aqui, deve-se lembrar do fato de que a Cristandade bizantina não é a quintessência da Cristandade Oriental. Na Igreja Ortodoxa, não há representação da tradição copta, ou siríaca, ou maronita (libanesa), ou etíope, ou malankar (índia), ou armênia, ou caldeia (persa). A Igreja Católica, no entanto, possui todas estas tradições, bem como as tradições bizantina e antioquena, junto com as do Ocidente (romana e gálica). Além do mais, a presente teologia Ortodoxa nem sequer representa a totalidade da Cristandade grega, mas subordina a tradição greco-alexandrina à antioquena e à greco-capadócia. Se você aceitasse a sua herança alexandrina, não teria problema com a teologia do Filioque (propriamente dita). Logo, em suma, sua Ortodoxia não fala pelo Oriente inteiro, mas tão somente pela tradição antioquena-bizantina – isto é, uma parte do Oriente. E essa parte do Oriente pela qual você fala não é tão antiga quanto a herança apostólica de Roma.

>>>>>>E já que os Armênios também romperam a comunhão com a Igreja (com isso eu quero dizer a antiga grande Igreja) antes da separação de Roma, não seriam eles também mais antigos?

É verdade que, depois de 1054, Roma (e o resto da Europa Ocidental) deixaram de fazer parte do legado cultural do Império Bizantino, que era o herdeiro cultural direto do Império Romano. Porém, isto tem pouco, quase nada, a ver com a herança cristã e a Tradição Apostólica de Roma, que não depende das inovações de Constantino no século IV ou de seu estabelecimento de um Império cristão, mas antecede consideravelmente esta construção. Foi Bizâncio que rompeu com Roma, e não o contrário. Foi Fócio e seus planos imperiais que fizeram com que os bizantinos ignorassem e distorcessem seu prévio reconhecimento do primado romano, etc. Tente o quanto quiser, é simplesmente impossível reconciliar sua visão moderna, “Fócia”, com aquela dos padres bizantinos mais antigos como São Máximo Confessor, Teodoro Estudita, e outros que eram claramente “papistas” e que reconheciam a completa e total ortodoxia de Roma (ex. Filioque, etc.)

Aparentemente, Tertuliano serviu como sacerdote lá, e Jerônimo também visitou e serviu o Papa de Roma; mas o primeiro era originalmente de Cartago, onde ele também morreu; e o segundo era um monge de Belém, sob a jurisdição de Élia (Jerusalém) e Cesareia.

Como foi dito acima, Tertuliano tornou-se um herege montanista, e então rejeitou TODA autoridade episcopal. Então, não seria surpreendente que ele não defendesse o primado de Roma. No entanto, ele ainda testemunha para todos o primado Romano, através de seus protestos montanistas. Se o primado de Roma não fosse reconhecido, por que Tertuliano escarneceria do Papa Calisto chamando-o de “Pontifex Maximus” (isto é, a cabeça da religião estatal romana) e de “bispo dos bispos”? Além disso, por que eu e você podemos, hoje, receber o Sacramento da Confissão repetidamente, se Roma não tem a reconhecida autoridade de “ligar e desligar”?

Quanto a São Jerônimo, ele não estava sob a autoridade de Élia (Jerusalém), mas sim de Cesareia, que era o metropolitano para a atual Palestina. Cesareia respondia ao Patriarca de Antioquia, que por sua vez reconhecia o primado de Roma. No entanto, nos tempos de Jerônimo, o patriarcado de Antioquia estava dividido pelo cisma interno entre dois aspirantes a Patriarca. Jerônimo não tinha certeza a qual deveria se submeter. Então, ele escreveu o seguinte ao Papa São Dâmaso, em Roma:

“Já que o Oriente, estilhaçado como está pelas longas contendas entre seu povo, está aos poucos rasgando em pedaços a veste inconsútil do Senhor, ‘tecida de cima a baixo’, já que as raposas estão destruindo a vinha de Cristo, e já que entre vasos rachados que não guardam água alguma está difícil encontrar ‘a fonte selada’ e ‘o jardim fechado’, acredito que seja meu dever consultar a Cátedra de Pedro, e voltar-me à igreja cuja Fé fora enaltecida por Paulo. […] Minhas palavras são dirigidas ao sucessor do Pescador, ao discípulo do Crucificado. Assim como eu não sigo nenhum líder além de Cristo, assim eu não comungo com ninguém além de Sua Beatitude, que se assenta na Sé de Pedro. Pois eu sei que esta é a Pedra sobre a qual a Igreja foi construída! Esta é a casa onde só o Cordeiro Pascal pode ser corretamente comido. Esta é a Arca de Noé, e aquele que não se encontra nela vai perecer quando o dilúvio vier. (Jerônimo, Epístola 15 – dirigida ao Papa Dâmaso I, c. 375 d.C.)

Nosso amigo ortodoxo continua:

>>>>>>Além disso, Cipriano de Cartago brigou com o Papa Estevão de Roma. Cipriano foi apoiado por toda a Ásia Menor, toda a África, toda a Grécia, toda a Arábia, e em geral todo lugar fora da diocese de Roma (embora ele também encontrasse apoio ali). O Papa Estevão, por sua vez, ameaçou essas igrejas com a excomunhão. Firmiliano de Cesareia, porém, passou a frente dele e o excomungou em favor de toda a Igreja. Cipriano foi martirizado, como você sabe, mas não estava em comunhão com Roma no momento.

É verdade que Cipriano teve um conflito amargo com o Papa Estevão sobre a questão do Batismo dos hereges – isto é, se os hereges que procuravam a comunhão com a Igreja Católica precisavam ser rebatizados ou não. Cipriano dizia que sim; Estevão dizia que não. Mais que isso, Estevão ensinava que havia “um só Batismo para a remissão dos pecados”; assim como a posição de Estevão (isto é, de Roma) fora adotada pelos padres niceno-constantinopolitanos no Credo! É a isso que esta afirmação do Símbolo de Fé se refere.

Entretanto, embora Cipriano acreditasse que o Papa Estevão estava errado, ele nunca excomungou o Papa Estevão, nem o bispo Firmiliano de Cesareia, na Capadócia. Durante toda a controvérsia, a posição de Cipriano era a de que todos os bispos eram livres para discordar neste ponto. Então, para Cipriano, o desacordo era sobre a soberania local de cada bispo. Em outras palavras, Cipriano via isso como um problema de oikonomia (literalmente, “administração da casa”) e disciplina local, e não como assunto formal da doutrina. É por isso que ele estava tão transtornado com as delcarações do Papa Estevão de que quem rebatizasse seria condenado. Porém, novamente, Cipriano NUNCA chamou Estevão de herege, e NUNCA rompe a comunhão com Roma. Ele apenas acreditava que Roma estava sendo injusta neste ponto, e que o Papa Estevão estava se intrometendo nos direitos próprios de Cipriano como bispo.

Quanto aos apoiadores de Cipriano, nem entre os bispos africanos ele tinha completo apoio. Na verdade, os bispos da Mauritânia que participaram do Concílio de Cartago seguiam o mesmo costume de Roma e não rebatizavam os hereges. É por isso que o concílio formalmente diz que os bispos são “livres para discordar” nesta matéria. E não só isso. Na conclusão do Concílio de Cartago, Cipriano manda legados ao Papa Estevão em Roma, pedindo-lhe para ratificar a decisão Africana. Por que faria isso se ele e seus colegas Africanos não reconheciam a autoridade romana? O Papa Estevão, no entanto, em um ato admitidamente pouco caridoso, recusou-se a receber a delegação africana. E é por ISSO que Cipriano voltou-se ao Oriente, tentando encontrar algum apoio ali.

No entanto, Cipriano não conseguiu encontrar ninguém no Oriente para apoia-lo, isto é, além de Firmiliano na Capadócia. Os dois patriarcados orientais de Alexandria e Antioquia ficaram do lado de Roma! Nós sabemos com certeza que Alexandria (na pessoa de São Dionísio) aceitou a ordem romana, pois, um ano depois da morte do Papa Estevão, o Patriarca Dionísio de Alexandria mandou uma carta para o seu sucessor, o Papa Sixto II, pedindo-lhe sua decisão acerca do caso de um egípcio, que era formalmente um herege, mas que procurara a comunhão com a Igreja, e que pedia para ser rebatizado porque acreditava que o batismo dos hereges não fora feito corretamente. Dionísio perguntou a Sixto se seria correto rebatizar este homem.

Então, Firmiliano na Capadócia era o único bispo oriental que tomou o partido de Cipriano contra o Papa Estevão. E ambos Cipriano e Firmiliano estavam errados! Depois os bispos de Cartago não mais rebatizaram hereges, e São Basílio Magno, sucessor de Firmiliano na Cesareia de Capadócia, também não rebatizou os hereges.

Quanto a Cipriano e Firmiliano, nenhum deles negou o primado de Roma. Por exemplo, mesmo criticando o Papa Estevão, Firmiliano escreveu:

Mas quão grande é seu erro [do Papa Estevão], quão grande a sua cegueira, que diz que a remissão dos pecados pode ser conseguida nas sinagogas dos hereges, não perpetuando assim a fundação da única Igreja, que fora primeiramente estabelecida por Cristo sobre a Pedra […] E aqui, sobre este assunto, estou justamente indignado com esta insensatez aberta e manifesta de Estevão, logo ele que se orgulha tanto de seu lugar entre o episcopado, e sustenta que ele guarda a sucessão de Pedro, sobre quem as fundações da Igreja foram colocadas, introduz muitas outras pedras (os hereges), e constrói o novo prédio de muitas igrejas, ao manter por sua própria autoridade ele que há Batismo entre eles. Estevão, que se proclama ocupante da sucessão da Cátedra de Pedro, não é movido pelo zelo contra os hereges.” (Epístola de Firmiliano a São Cipriano, LXXV)

Em suma, Firmiliano não discute a dignidade que Estevão possui. Ele somente pensa que Estevão pessoalmente é indigno dela. Quanto a Cipriano, claramente também era um “papista”. Muito antes do conflito com Estevão, Cipriano escreveu o seguinte ao Papa Cornélio, em Roma:

“Com falsos bispos nomeados para si, eles (hereges novacianos) ousam mesmo viajar e levar suas cartas de cismáticos e blasfemos à Sé de Pedro e à principal igreja, na qual a unidade sacerdotal tem a sua origem; eles também não se lembram de que estes são Romanos, aqueles cuja fé fora enaltecida pelo Apóstolo, e a quem a fé herética não pode atingir.” (Cyp. ad Cornelius).

Para Cipriano, a Igreja de Roma era a “principal igreja” e a FONTE de unidade entre os bispos. Ele tinha como primacial a “Sé de Pedro” – porque seu bispo sucedia o próprio Pedro. De fato, em outros momentos, Cipriano chama Roma de “útero e a raiz da Igreja Católica”, e mesmo durante seu conflito com Estevão, Cipriano nunca abandonou esta visão. Por exemplo, na época da contenda, Cipriano mandou um informe a Estevão, dizendo-lhe que o bispo Marciano de Arles juntara-se ao partido do antipapa Novaciano. O Papa certamente já havia sido informado disso pelo bispo Faustino de Lyon e por outros bispos da Gália. Ainda assim, Cipriano (mesmo claramente não sendo nenhum fã de Estevão a essa altura) avisa o Papa, dizendo:

Você deveria mandar muitas cartas íntegras aos nossos irmãos bispos da Gália, não permitindo mais que o obstinado e orgulhoso Marciano insulte nossa sociedade. […] Portanto mande cartas à província e ao povo de Arles, para que, excomungando Marciano, outro possa ser colocado em seu lugar […], pois todo o copioso episcopado é unido pela cola da concórdia mútua e pelo laço da unidade, para que se algum de nossos irmãos ameace cair em heresia e assim lacerar e devastar o rebanho de Cristo, os outros possam prestar socorro […] Pois embora haja muitos pastores, todos alimentamos um só rebanho.” (Cipriano, Ep. LXVIII)

Aqui, Cipriano está explicando ao Papa porque ele tomou a liberdade de interferir, e ele atribui ao Papa o poder de depor Marciano e ordenar uma nova eleição. Então, Cipriano NUNCA acreditou que Roma carecia de autoridade primacial ou que ele estivesse fora da comunhão com Roma.

>>>>>>O outro Africano, Agostinho, também não estava em comunhão com Roma quando morreu. Nem Tertuliano (embora se possa argumentar que ele era um herege, de qualquer forma).

Você está dizendo que Santo Agostinho de Hipona não estava em comunhão com Roma quando morreu? Me desculpe, Sr. Lawhorn, mas esta é uma afirmação ridícula, e você não tem absolutamente nenhuma razão para fazê-la. Você deve estar se referindo ao conflito de Agostinho com o Papa Zózimo, que ordenou a reabertura do caso contra Pelágio (inimigo de Agostinho) depois que o Papa Inocêncio condenara o pelagianismo. Porém, Zózimo também terminou condenando o pelagianismo. E ao passo que Agostinho claramente não estava satisfeito com Zózimo rever o caso, ele e seus irmãos africanos nunca romperam a comunhão com Roma por isso. Além disso, o Papa Zózimo morreu em 418 d.C., e Agostinho morreu em 430 d.C., 12 anos depois, e MUITO depois que a controvérsia já estava resolvida.

>>>>>>>E como a maioria dos primeiros Padres da Igreja escreveu em Grego e eram ou da Europa Oriental, ou da Ásia, ou da África, a Igreja Ortodoxa – que também considera estes Padres como santos, e descendentes diretos de si, e possui uma teologia idêntica à deles – parece ser a mais velha entre as duas [Igrejas].

Bem, como eu ilustrei acima, “aparências” podem enganar. Você não está vendo a história completa, nem avalia maduramente sua própria herança bizantina, que não representa integralmente a tradição Grega.

>>>>>>Quero dizer, sua teologia não é idêntica àquela dos Padres do Oriente ou mesmo dos primeiros Padres de sua próprio localidade, e parece mais ser um produto da Ortodoxia revisada e expandida por inovações.

É verdade que a Igreja do Ocidente usa algumas construções teológicas que não eram usadas pelos Padres de língua grega. Mas, e daí? Os Padres de língua grega baseavam sua linguagem filosófica na de Platão – um pagão. A Igreja do Ocidente (depois do Cisma) começou a pegar emprestada a linguagem filosófica de Aristóteles – outro pagão. É por isso que as Igrejas do Oriente e do Ocidente tem sido incapazes de comunicar-se entre si por tanto tempo. No entanto, não é a linguagem teológica que é importante, mas o conteúdo por detrás dela. E o conteúdo da Teologia Católica é completamente Apostólico. As “inovações” que você percebe são na forma, e não no conteúdo.

>>>>>>>>>>Acredito que escrever qualquer coisa em defesa da idade dos Coptas e dos Armênios é injustificável, já que a Igreja Ortodoxa os antecede de qualquer modo.

Existem cristãos no Egito e na Armênia muito antes de Bizâncio. Além disso, como eu disse acima, nós católicos temos Coptas e Armênios em comunhão conosco. É atualmente uma Igreja composta de gregos aqueus, gregos antioquenos, e eslavos. O resto do Oriente está fora da nossa comunhão, mas está representado na Unidade Católica.

Retirado de: A VIDA SACERDOTAL

Método de ensino dos protestantes condenado pelo de Jesus Cristo e dos Apóstolos

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‘Nós temos falado dos autores inspirados do Novo Testamento e de todos os seus escritos . A Igreja católica venera em extremo a revelação escrita, mas a completa pela tradição e interpretação de seu tribunal infalível. O protestantismo rejeita a tradição e até alguns dos livros santos. Os que ele admite considera-os como formando um código completo e tão claro que todos os fiéis ali podem achar, por si mesmos, o objeto de sua fé e a regra do seu proceder. Este princípio exprime-o a Reforma por estas palavras tão conhecidas: A Bíblia e nada mais que a Bíblia. Seguir-se-ia que, no pensar de Jesus Cristo e dos Apóstolos, a Escritura seria a única norma da fé e a única coisa importante e necessária nesta matéria. Mas nada é mais oposto ao seu procedimento e ao seu ensino do que esta falsa e absurda suposição. Jesus Cristo fala, prega, transmite a verdade de viva voz, mas nada escreve; nenhumas letras escritas por seu punho lega à sua Igreja. Diz muitas vezes aos seus discípulos: “Ensinai, pregai”; mas nunca disse: Escrevei. Os Apóstolos fazem como o seu divino Mestre: percorrem a Judeia, oram, pregam e nada escrevem; espalham-se pelo universo sem ter pensado em redigir esse código tão necessário aos homens e que devia bastar-lhes. Discorrem pelas cidades, províncias e reinos, e nem sequer pensam em instruir por meio da escritura. Um texto e nada mais, eis o que exige o livre exame protestante. Doze doutores e nenhum livro, eis o espetáculo que apresenta a Igreja cristã ao sair das mãos do seu Fundador. Falta, pois, nesse berço da religião nova, a própria matéria do exame, que é a Escritura. Finalmente os Apóstolos escrevem; mas de doze somente dois deixaram Evangelhos; e, ainda assim, não de seu modo próprio, senão obrigados por circunstâncias locais e particulares. S. Mateus escreveu a instâncias dos judeus convertidos na Palestina. S. João era quase centenário e morreria sem nada escrever se os fiéis da Ásia Menor lho não pedissem. O chefe da Igreja e o grande Apóstolo das gentes não deixaram Evangelhos. “Os ouvintes de S. Pedro em Roma, diz-nos Eusébio seguindo o testemunho de Clemente de Alexandria, rogaram a Marcos, seu discípulo, que escrevesse o que o Apóstolo lhes dizia a respeito de Jesus Cristo, e Marcos assim o fez.” S. Lucas escreveu do mesmo modo o que tinha sabido de S. Paulo.

O grande Apóstolo nunca escrevia quando fundava alguma Igreja e enquanto lá se demorava. Depois de partir, escrevia algumas vezes, mas sempre por motivos particulares. Se alguns falsos doutores invadem uma Igreja, escreve para os designar. Se lhe enviam esmolas, escreve agradecendo. Se sabe de algum escândalo, repreende  e adverte. Se lhe anunciam que tudo corre bem, incita e fortifica. Se lhe é noticiada alguma calamidade, anima e consola. Se vem consultá-lo um enviado de uma Igreja, de um simples fiel, ele dá ao enviado uma carta, em que responde, etc. “Dos escritos apostólicos, uns, diz um sábio prelado, são históricos, outros tem por objeto principal questões particulares; todos são marcados com um caráter prático e moral. Até mesmo em nenhum se nota a ideia de apresentar o sumário ou conjunto da fé, e todos foram dirigidos a Igrejas já existentes.” Vê-se que cada um dos Apóstolos escrevia não como quem compõe um livro, mas como quem se dirige a amigos e irmãos, cuja memória e tradição supriam as faltas.¹

É, pois, fora de dúvida, que Jesus Cristo estabeleceu na sua Igreja um ensino de viva voz e por tradição; mas em parte alguma se nota que estabelecesse um ensino pela Escritura, e ainda menos pela Escritura exclusivamente. “Cristo, diz S. João Crisóstomo, não deixou um só escrito aos seus Apóstolos.” Em lugar de livros, prometeu-lhes o Espírito Santo dizendo: “Ele vos inspirará o que haveis de ensinar”, o que levava Santo Agostinho a dizer também: “Nós somos os vossos livros”. É por isso que as pretensões dos hereges, nesse ponto, são tão insustentáveis que até foram rebatidas por apóstolos da reforma. Ochin, um dos mais célebres apóstatas que apareceram  no começo do protestantismo, tinha dito: “As Escrituras sagradas são claríssimas e encerram tudo quanto é necessário à salvação”; mas Calvino e Beze refutaram este absurdo do ex-franciscano feito protestante e corruptor. “Eles consideram como uma louca temeridade afirmar que não se precisa de doutores, porque basta a leitura da Escritura.”² Sobre esta questão fundamental, é de tal evidência a verdade que ela salta aos olhos até de seus mais fidagais inimigos.’

¹ Rohrbacher, Hist. da Igreja, t.II

²Discus. amig., t.I. – Mgr. Ginoulhiac, Hist. do dog., t. I, Introd.

 

(Trecho extraído do Capítulo I de Pe. RIVAUX. Tratado de História Eclesiástica. Brasília: Pinus, 2011.)