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Este texto é uma transcrição do Edital original que está no Arquivo da Torre do Tombo e pode ser encontrado digitalmente no site http://digitarq.dgarq.gov.pt/
A transcrição foi feita adaptando-se a linguagem da época para a de hoje.

“Os Inquisidores Apostólicos, contra a herética parvidade, e Apostasia nesta Cidade, e Arcebispado de Lisboa, e seu distrito, e c. fazemos saber aos que a presente virem, ou dela por qualquer via tiverem notícia, que considerando nós a obrigação que nos corre, de procurar reprimir, e extirpar todo o delito, e crime de heresia, e apostasia, para maior conservação dos bons costumes, e pureza de nossa santa Fé Católica; e sendo informados, que algumas pessoas, por nãoterem perfeito conhecimento dos casos que pertencem ao Santo Ofício, deixam de vir denunciar de alguns deles, e que não está suficientemente provido a este inconveniente, com se publicarem os ditos casos só nas ocasiões em que se celebram os Autos de Fé, pela pouca aplicação com que se ouvem naquela ocasião os editais, em que os ditos casos se relatam; e desejando achar meio, para que os fiéis Cristãos não fiquem com suas consciências encarregadas, e ilaqueados com as excomunhões que se fulminam nos ditos editais, nos pareceu mandar publicar de novo todos os ditos casos com esta nossa carta monitória. Pela qual autoridade Apostólica, mandamos a todas, e quaisquer pessoas Eclesiásticas, seculares e regulares, de qualquer grau, estado, preeminência, ordem, e condição que sejam, isentas, e não isentas, em virtude da santa obediência, e sob pena de excomunhão maior, ipso facto incurrenda, cuja absolvição a nós reservamos, que em termo de trinta dias primeiros seguintes, que lhes assinamos pelas três Canônicas admoestações, termo preciso, e peremptório, dando-lhes repartidamente dez dias por cada admoestação, venham denunciar, e manifestar ante nós o que souberem dos casos abaixo declarados.
Se sabem, ou ouviram, que algum Cristão batizado haja dito, ou feito alguma coisa contra nossa santa Fé Católica, e contra aquilo que tem crê, e ensina a santa Madre Igreja de Roma, ainda que o saibam em segredo natural, como for fora da confissão.
Que alguma pessoa depois de batizada, tenha, ou haja tido crença na lei de Moisés, depois do último perdão geral, que se publicou em cinco dias do mês de Janeiro de 1605, não reconhecendo a Cristo Jesus nosso Redentor por verdadeiro Deus, e Messias prometido aos Patriarcas, e profetizado pelos Profetas, fazendo os ritos, e cerimônias judaicas, a saber, não trabalhando nos Sábados, mas antes vestindo-se neles de festa, começando a guardar à sexta-feira a tarde; abstendo-se sempre de comer carne de porco, lebre, coelho, e peixe sem escama, e as mais coisas proibidas na lei velha, jejuando o jejum do dia grande, que vem no mês de Setembro, com os mais que os judeus costumam jejuar, solenizando suas Páscoas, rezando orações judaicas, banhando seus defuntos, e amortalhando-os com camisa comprida de pano novo, e pondo-lhes em cima uma mortalha dobrada, e calçando-lhes calções de linho, e enterrando-os em terra virgem, e covas mui fundas, e chorando-os com suas litiryas, cantando como fazem os judeus, e pondo-lhes na boca grãos de aljofor ou dinheiro de ouro, ou prata, e cortando-lhes as unhas, e guardando-as, e comendo em mesas baixas, e pondo-se detrás da porta por dó, ou fazendo outro algum ato, que pareça ser em obediência da dita lei de Moisés.
Que algm Cristão depois de batizado, siga, ou haja seguindo em algum tempo a maldita lei de Maomé, observando algum dos preceitos do seu Alcorão.
Que tenha, ou haja tido por boa a seita de Lutero, e Calvino, ou de outro algum heresiarca dos antigos, e modernos, condenados pela santa Sé Apostólica.
Negando, ou duvidando haver Paraíso para os bons, e inferno para os maus, e Purgatório em que as almas que neste mundo não satisfazem inteiramente suas culpas, são purgadas primeiro que vão gozar da bem-aventurança.
Negando, ou duvidando, que os sufrágios da Igreja, como são missas, orações, e esmolas, aproveitarão às almas dos defuntos que estão no fogo do Pugatório.
Negando, ou duvidando serem as pessoas obrigadas por preceito divino, a condenarem seus pecados aos Sacerdotes, afirmando que basta confessarem-se a Deus somente.
Sentindo mal, ou duvidando de algum dos artigos de nossa santa Fé.
Negando, ou sentindo mal dos Sacramentos da santa Madre Igreja, assim como da Ordem, e do Matrimônio, celebrando, ou confessando sacramentalmente sem ter Ordens de Missa, ou casando-se publicamente em face da Igreja depois de ter feito voto solene de castidade, ou tomando Ordens sacras, ou casando segunda vez, sendo vivo o primeiro marido, ou mulher.
Dizendo, ou afirmando, que o homem não tem liberdade para livremente obrar, ou deixar de obrar bem, ou mal.
Dizendo, que a Fé sem obras, basta para a salvação da alma, e que nenhum Cristão batizado, e que tenha Fé, pode ser condenado.
Dizendo, e afirmando, que não há mais que nascer e morrer.
Negando, haverem de ser venerados os Santos, e tomados por nossos intercessores diante de Deus.
Negando a veneração, e reverência às Relíquias, e imagens dos Santos.
Sentindo mal dos votos, Religiões*, e cerimônias aprovadas pela santa Madre Igreja.
Negando ao Sumo Pontífice, superioridade aos outros bispos, e a faculdade de conceder Indulgências, e a elas eficácia de aproveitarem às almas.
Negando a obrigação dos jejuns, nos tempos ordenados pela Igreja.
Afirmando, não serem pecados mortais, a onzena, ou fornicação simples.
Sentindo mal da pureza da Virgem santíssima Nossa Senhora, nem crendo que foi Virgem antes do parto, no parto e depois do parto.
Se sabem, ou ouviram, que alguma pessoa exercite a Astrologia Judiciária, leia, ou tenha livros dela, ou de qualquer outra arte de adivinhar.
Se sabem, ou ouviram, que alguma pessoa, tenha, ou leia livros proibidos, ainda com pretexto de licenças que para isto hajam alcançado da santa Sé Apostólica, por todas estarem revogadas por sua Santidade até sete de Junho de mil e seiscentos e trinta e três.
Se sabem, ou ouviram, que algum Confessor secular, ou regular, de qualquer dignidade, ordem, condição, e preeminência que seja, haja cometido, solicitado, ou de qualquer maneira provocado para si, ou para outrem a atos ilícitos, e desonestos, assim homens, como mulheres no ato da confissão sacramental, no confessionário, ou lugar deputado para ouvir de confissão, ou outro qualquer escolhido para este efeito, fingindo que ouvem de confissão.
Se sabem, ou ouviram, que alguma pessoa penitenciada pelo Santo Ofício, por culpas que nele haja confessado, dissesse depois, que confessara falsamente o que não havia cometido, ou descobrisse o segredo que passara na Inquisição, ou detraísse, e sentisse mal do procedimento, e reto ministério do Santo Ofício.
As quais coisas todas, e cada uma delas, que souberem por qualquer via, sejam cometidas, ou daqui em diante se cometerem, o virão denunciar na Mesa do Santo Ofício per si, ou per interposta pessoa: e nos lugares onde houver Comissãrio do Santo Ofício, denunciaram diante dele, e onde os não houver, cada qual a seu Confessor, o qual dentro do mesmo termo será obrigado ao fazer saber ao Santo Ofício: e passado o dito termo de trinta dias, não vindo fazer denunciação do que souberem (o que Deus não permita) por estes presentes escritos, pomos em suas pessoas, cujos nomes, e cognomes aqui havemos por expresso, e declarados, excomunhão maior, e os havemos por requeridos para os mais procedimentos que contra eles mandarmos fazer, conforme a Bula da Santa Inquisição, além de incorrerem na indignação do Onipotente Deus, e dos bem-aventurados São Pedro, e São Paulo, Princípes dos Apóstolos, e sob mesma pena mandamos, que pessoa alguma não seja ouzada a impedir, ou aconselhar, que não denunciem, ameaçando, subornando, ou fazendo algum mal aos que quiserem denunciar, ou houverem denunciado.
E assim denunciarão se sabem de alguma pessoa, ou pessoas, que tiverem cometido o nefando, e abominável pecado de sodomia.
E com a mesma Autoridade Apostólica mandamos com pena de excomunhão maior, e de cinquenta cruzados, aplicado para as despesas do Santo Ofício, a todos os Priores, Vigários, Reitores, Curas, e mais pessoas Eclesiásticas, seculares ou regulares, a quem esta nossa carta for apresentada, que no dia, e hora que lhes for apresentada, a leiam, ou façam ler em suas Igrejas, em voz alta, e inteligível, para que venha a notícia de todos, e não haja quem possa alegar ignorância.
E esta mesma carta mandarão por em uma tábua, e a guardarão cada um na Sacristia da sua Igreja, ou Convento, na qual estará sempre; e nos anos seguintes a lerão, e publicarão na primeira Dominga de cada Quaresma, e requeremos da parte da santa Sé Apostólica aos senhores Deães, e Reverendos Cabidos Sede vacantes, e Prelados maiores das Sagradas Religiões*, que façam por com os mais capítulos de visitações um, para que os Senhores Visitadores perguntem nas ocasiões de visitas, se os Párocos, ou Prelados menores cumprem com suas obrigações publicando esta dita carta na forma que fica ordenada; e achando que alguns se descuidaram nesta parte, façam sumário, que nos será enviado para procedermos contra eles conforme seu descuido, ou culpa merecer.
Dada em Lisboa no Santo Ofício sob nosso sinal, e selo dele aos 28 de fevereiro [ilegível] 1659.
[Assinaturas]”

* “Religiões” refere-se às Regras Monásticas adotadas pelo clero regular, e não outras religiões no sentido que se entende hoje.

Localização do documento: Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa. Código de referência: PT/TT/AJCJ/AJ029/00012